Estelas Visigóticas
Em entrevista à SIC, Soares mostrou ontem ao povo da televisão a sua generosa biblioteca. Milhares de volumes, muito arrumadinhos, encadernados com letras de ouro - uma verdadeira beleza. Compreendo que Soares se orgulhe da senhora. Compreendo até muito bem, eu, cujos poucos softbacks que escaparam à fúria do sublinhado servem agora de arma de arremesso entre os herdeiros. Por razões mais ou menos sabidas, a minha compreensão aumentou quando Soares entrou na sala dos livros de história. "Aqui é a estante da história de Portugal", e apontou uma parede majestosamente forrada a couro vermelho. Esperei, com a curiosidade de quem dedica a vida a essas minudências, que o feliz proprietário nomeasse, ou folheasse, ou pelo menos apertasse junto do humanista coração algum dos calhamaços. Em vão. Soares limitou-se a dedilhar as lombadas e eu tive que adivinhar os autores. António Sérgio - de certeza. Jaime Cortesão - sem dúvida. Oliveira Martins - mais que provável. Piteira Santos e a revolução liberal - possivelmente. Os clássicos marxistas de Cunhal e Borges Coelho sobre a crise de 1383/85 - talvez. Orlando Ribeiro? Hummm... Muito técnico: geografia (influentíssimo, mas geografia). Mattoso? Hummm... Muito recente: a Identificação de um País é de 1985.
Na parede da frente, o voyeurismo pôde finalmente consolar-se. "E aqui a história da Ibéria"...
Reconheci logo as inconfundíveis capas verdes da grandiosa Historia de España da Espasa-Calpe, dita de Menéndez Pidal por ter sido este erudito a iniciá-la, já lá vão setenta anos. "Pouca gente em Portugal tem esta obra", assegurou Mário Soares. Pois claro: 65 volumes, 53 mil páginas, 3 876 euros só para os 36 volumes disponíveis (os outros estão esgotados), segundo a editora. E o melhor da investigação espanhola. Querem a síntese mais completa sobre estelas funerárias visigóticas do século VII? Está lá. Está mesmo: consultei-a a fim de aplacar uma maldita dúvida que me caiu, certo dia, sobre a tese de doutoramento. Soares não terá lido essa parte, nem se calhar os 65 volumes. Ninguém lhe leva a mal. Basta que os tenha em casa. Eu li as estelas visigóticas na biblioteca da FCSH, um pombal de donzelas que arrulhavam mutuamente desventuras amorosas a pretexto de invisíveis trabalhos de grupo. Não sou tão culto como o dr. Soares.
14 Comments:
At 6:21 da tarde, Anónimo said…
"(...)Se a direita tradicional votar Alegre, a direita conservadora pode muito bem votar Soares (já no outro dia tentei defender isso). Diga-se o que se disser, boa parte da direita já votou Soares no passado e, por mais que se demonize agora o seu segundo mandato, aprovou globalmente, com larga maioria, a sua passagem por Belém. Soares oferece previsibilidade; oferece aquela coisa que os conservadores apreciam mais que tudo, sentido das «instituições». Em matéria de política interna, não oferece surpresas; tão pouco oferece rupturas. Não é um «deles», mas é um adversário perfeitamente conhecido, tolerado, previsível. De resto, há gente conservadora (na linha de Freitas) que sabe que tem mais a confiar na abordagem prudente de Soares à política internacional, do que na rapaziada um pouco ciclotímica que preenche as comissões política e de honra de Cavaco, por estes dias. Uma direita moderada, a quem Soares deu a mão nos momentos realmente difíceis, não tem nada a temer desta experiência sobejamente conhecida.(...)"
Parte do Post do Super Mário.
(Resumindo, Soares vai ser igual, banal, sem ideias. Alguém que quer ser presidente apenas para que não o sejam outros, e não estou, como toda a gente sabe, a referir-me só a Cavaco. Mas peço a este senhor e a outros como ele que continuem com este tipo de campanha... Poupam trabalho a quem vai ter muito que fazer a seguir às próximas eleições.)
At 6:47 da tarde, Anónimo said…
Haverà alguém de bom senso que acredite que o Soares leu alguma pàgina dessa mancha verde?
At 9:02 da tarde, Anónimo said…
Soares, para quê?
Soares e o soarismo são, segundo diz Rui Mateus, uma das sedes da superstrutura tentacular que tudo abraça e que tudo controla, pois Soares criou uma “poderosa rede de influências sobre o aparelho de Estado através da colocação de amigos fiéis em postos-chave, escolhidos não tanto pela competência mas porque podiam permitir a Soares controlar aquilo que ele, efectivamente, nunca descentralizará – o poder”.
At 9:06 da tarde, Anónimo said…
Afirmações de Mário Soares...?
«No dia em que eu abandonar o poder, quem voltar os meus bolsos do avesso, só encontrará pó.»
«Hei-de virar e sacudir as algibeiras antes de deixar o poder. Dos meus anos passados, nem sequer levarei a poeira.»
At 11:00 da tarde, Anónimo said…
"um pombal de donzelas que arrulhavam desventuras amorosas a pretexto de invisíveis trabalhos de grupo" (só retiraria o "mutuamente"). Belíssima, ainda que iludida (onde pararão as donzelas, Deus meu?) imagem.
Luis Rainha
At 11:00 da tarde, Anónimo said…
"um pombal de donzelas que arrulhavam desventuras amorosas a pretexto de invisíveis trabalhos de grupo" (só retiraria o "mutuamente"). Belíssima, ainda que iludida (onde pararão as donzelas, Deus meu?) imagem.
Luis Rainha
At 11:31 da tarde, António Viriato said…
Que Soares tem muitos livros, já sabíamos; que estima bibliotecas, também; se leu tudo aquilo, duvida-se, grandemente, a avaliar pela sua agitação política, nos últimos 30 anos; de resto, não se lhe nota o proveito de tão sábia companhia. Ficaremos, porém, menos pesarosos dessa falta de aproveitamento, porque, finalmente, irá dispor de tempo suficiente para regressar às leituras e brindar-nos com aquilo que nos havia prometido : a escrita das suas memórias. Mesmo temendo pelo rigor da narrativa, haveremos de reconhecer-lhe esse elementar direito de cidadania. Que a sua inspiração literária desabroche em muitas obras escritas, sempre será preferível a vê-lo outra vez em Belém, promovendo arraiais, jantares no Avis e outras iniciativas igualmente de inspiração conspirativa...
At 2:34 da tarde, Pedro Picoito said…
Caro Luís, vejo que fizemos a tropa no mesmo quartel. Obrigado pela apreciação e sim, lendo melhor, talvez o mutuamente se possa retirar. Também sou da opinião que o melhor estilo é aquele que não tem uma palavra a mais.
At 2:43 da tarde, Anónimo said…
Anda tudo muito preocupado com a 'cultura'. Repito (já 'atirei o barro à parede', mas... nada!)que o conceito de cultura consensual, à esquerda e à direita, é coisa do passado. A cultura do séc. XXI (pelo menos, até + ou - 2030) parece-se mais com uma não-cultura, se aferida pelo conceito consensual e... morto. Mas como não sou assim tão pessimista, acho que devemos procurar aquilo que existe de vivo e promissor na 'incultura' deste primeiro quartel.
Reconheço que não é a vocação deste blogue fazer o que eu proponho. Mas,'for God's sake', a questão presidencial está encerrada. Portanto...
Vitor Correia
At 2:47 da tarde, Anónimo said…
Este é então o blog que critica o Super-Mário porque os seus autores estão sempre a falar no Cavaco, certo?
E, afinal, o Pedro Picoito OUVIU a entrevista ao Dr. Mário Soares ou só se entreteve a olhar para as lombadas?
At 4:50 da tarde, Anónimo said…
O último livro que o dr. Soares leu foi em 1954. Lembro-me bem, embora ainda não tivesse nascido.
At 2:48 da manhã, Anónimo said…
Pela bitola soarista quem devia sentar o sim-senhor em Belém era o prof. marcelo: que gandaleitor, para mais um fabiano com conversa e com passado.
At 11:12 da manhã, Anónimo said…
Vocês não têm a noção do ridículo?
At 11:11 da tarde, Pedro Picoito said…
Vocês quem?
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