Pulo do Lobo

sexta-feira, janeiro 27, 2006

Presidente Cavaco

Dez anos depois, no passado domingo, Aníbal Cavaco Silva desceu as escadas do número 13 da Travessa do Possolo como Presidente eleito de Portugal. A sua eleição teve um significado pedagógico importante. Cavaco sofreu uma derrota e não desistiu. Esperou metodicamente por esta vitória. É curioso que tenha sido um homem da não esquerda a dar este exemplo de paciência democrática. A sua eleição pôs termo à falaciosa e fantasiosa ideia de que determinadas funções do Estado têm donos. Não têm. Têm eleitos. Todavia há sinais de que muita gente persiste em não deixar entrar o mundo na sua formosa cabeça. Ilustres catedráticos falaram em “despromoção” do lugar presidencial, anónimas e semi-anónimas luminárias abespinharam-se contra o “rústico” vencedor e o conselheiro Acácio de Mário Soares, Vitor Ramalho, chegou mesmo a afirmar que os portugueses se enganaram na análise da realidade. Ouve-se isto e percebe-se, pelo menos parcialmente, por que Soares acabou como acabou, às mãos do seu equívoco político e dos seus cortesãos. A vitória de Cavaco foi a derrota deste insuportável paternalismo jacobino e dos propósitos de infantilização do eleitorado através das ameaças, dos sustos e dos insultos. A sobranceria das esquerdas acerca de tudo e de todos, particularmente em matéria de subtileza "cultural", teve a resposta que merecia. E o voluntarismo revanchista de outros, tais como Santana Lopes ou Miguel Cadilhe, também. Quatro criaturas fizeram do combate a Cavaco Silva o respectivo programa de candidatura, alternando apenas no primarismo, na "imaginação" e no "tempo" de apresentação desse programa. Muitas vaidades e muitos preconceitos foram ultrapassados no domingo. Numa eleição presidencial, perde-se ou ganha-se absolutamente. Cavaco ganhou absolutamente. Todos os outros perderam absolutamente.


Adenda: Publicado no Independente. Esta prosa encerra a participação no Pulo do Lobo. Missão cumprida.

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Para discutir

O aspecto mais lamentável da noite eleitoral é o resultado de Manuel Alegre. Eu sei que a direita está quase toda radiante com a humilhação de Soares. Mas a humilhação de Soares é preocupante para o candidato e para o seu partido. O resultado de Alegre é preocupante para o país.

Um milhão de votos premiaram o pior dos seis candidatos, o mais impreparado e o menos alicerçado num projecto coerente. Alegre avançou por orgulho ferido e pouco mais. Demonstrou uma aflitiva falta de conhecimento de todas as matérias. Nem sequer sabia ao certo como tinha votado certas leis. E fez uma campanha que reuniu o pior da direita (o tradicionalismo bacoco) e o pior da esquerda (a retórica grandiloquente). (...)


Pedro Mexia

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Um desejo

Gostava que o Pulo do Lobo estivesse "em linha" até ao dia 9 de Março. Foi para esse dia que ele foi criado.

A Esquerda não aprende

Lido Vital Moreira ou Vicente Jorge Silva, cheguei à conclusão, que algumas pessoas precisam mais que recordem o seu passado do que serem informadas sobre o que acontecerá no futuro.

Uma esquerda que olhando para os factos os distorce propositadamente esperando que quem os leia confunda o conhecimento de um assunto com o facto de ouvir falar nele. Não é a mesma coisa e nada tem de novo, é receita velha.

Os factos são claros, a vitória de Cavaco Silva foi enorme, com uma diferença de 30% para o candidato Manuel Alegre. Procurar confundir este simples facto com a obtenção de uma maioria à primeira volta de apenas de 0,6% é a prova de que a esquerda não aprendeu nada.

Não aprendeu a diferença entre ser crédulo e estar ao serviço de uma causa. Até nisso falharam. É quase comovente verificar a forma como pintaram o mundo para o adaptar aos seus próprios preconceitos. Mas o mundo é real e já tem outras cores.

Curioso, ver o uso da noção de aristocrata, no seu verdadeiro sentido, ao nome de Sampaio, já que o seu uso não é aqui mais do que uma avaliação de competência. O bom uso do poder.

Jorge Sampaio foi um Presidente que dificilmente será recordado para além do seu último ano de mandato. Vital Moreira considera Sampaio um exemplo do bom exercício do poder? Não, confunde.

Vital Moreira não sabe o verdadeiro sentido de aristocrata, confunde com o costumeiro preconceito de esquerda sobre a noção e a prova de tal confusão está na sua apreciação sobre a falta de cultura que ele adivinha em Cavaco Silva e a comparação feita com os seus antecessores.

Tal como a esquerda derrotada, retiram-se das palavras de Vital Moreira ou Vicente Jorge Silva o que realmente os apoquenta, a ofensa que a eleição de Cavaco Silva causa aos seus delicados e empinados narizes.

Esta gente não é de esquerda é snob.

(publicado na Razão das Coisas)

Sacudir a Água do Capote

Não venham dizer que a culpa é de Manuel Alegre.
Mas será que ainda não perceberam que sem Alegre, do milhão de votos "descontentes", muitos passavam directamente para a abstenção, e até alguns para Cavaco Silva.
Sem Alegre, em vez dos 0,6% ganhávamos por muito mais de 6%.
Este não era o tempo de Mário Soares.
É o tempo de Cavaco Silva.
Espero que seja o tempo de Portugal.
Até sempre.

terça-feira, janeiro 24, 2006

O PdL e a Vitória

Dear dead Victoria
Rotted cosily;
In excelsis gloria,
And R. I. P.*



Foi uma grande vitória, uma senhora vitória, mas, tal como a senhora do poema, ela pertence já aos livros de história. O tempo não está para festejos, e o que aí vem é tudo menos fácil. Espera-se agora do Presidente Cavaco que acrescente em qualidade o que mais nenhum dos outros candidatos poderia acrescentar de igual ou de todo. É este o seu mandato, ou pelo menos foi nesta base que lhe conferi o meu.


Do Primeiro-Ministro espera-se que continue a governar com a legitimidade de sempre, e que tenha a sabedoria de capitalizar os seus dois agentes políticos mais potenciadores de reformas da actualidade: o Presidente Cavaco e o Pacto de Estabilidade. Desperdiçar os dois é atirar-nos com mais força para o lugar onde neste preciso momento ainda caminhamos: o fundo da Europa dos pobres.


Do Pulo do Lobo espera-se que se sente à mesa, não sem antes agradecer publicamente ao Pedro Lomba pelo convite e pela criação do blogue, e ao Tiago Geraldo, o Alexandre Relvas deste blogue.


Um abraço para todos.


(* Excerto de poema de Dorothy Parker)

Presidenciais 2006: Cheques e Balanços

E prontos: Cavaco está em Belém. Seguem-se os cheques e balanços da campanha.
O primeiro cheque vai para o Pedro Lomba, o nosso demiurgo. Quem não souber o que significa demiurgo, pode perguntar ao dr. Soares.
O segundo cheque vai para o Super-Mário, que nos deu sempre um belo troco e agora os parabéns como vencedores. (Embora eu não me sinta um vencedor. Pelo contrário: no Domingo, perdi a oportunidade de dizer mal do Presidente nos próximos dez anos.)
O terceiro cheque vai para o próprio Cavaco, o melhor pretexto para fazermos um blog. Ainda não percebi se ganhou as eleições ou não. Por enquanto, tenho a impressão de que foi o Alegre.
O quarto cheque vai para Vital Moreira, que me ajudou a perceber finalmente quem tinha ganho. Foi mesmo o Cavaco - com a menor margem de sempre em todas as presidenciais. (Ele diz isto só para retirar essa pequena glória ao dr. Soares.) O comissário Vital merece ainda o afecto de todos os cavaquistas porque vai preparar, durante os próximos anos, as comemorações do centenário da República... com o nosso candidato na Presidência.
O quinto cheque vai para Santana Lopes. O seu desapoio garantiu-nos a vitória à primeira volta. Na semana em que ele não foi à televisão dizer mal do Professor, descemos dez pontos nas sondagens.
O sexto cheque vai para o bom povo de Casas Novas (Soure), onde tivemos 100% dos votos. Para Covão do Lobo (Aveiro), com 93% de votos cavaquistas, segue a óbvia proposta de geminação. Quanto a Campo Maior, o único concelho que deu a vitória ao dr. Soares, estamos a tratar do decreto que rebaptiza a cidade de Campo Grande.
O sétimo cheque vai direitinho para o eng. Sócrates, que conseguiu arranjar dois candidatos do PS, lançá-los um contra o outro, impedir a aliança da esquerda, atrair o ódio de Jerónimo e Louçã, não dizer mal de Cavaco, quase não participar na campanha de Soares e tirar Alegre do ar na noite das eleições. É obra. Sobretudo de muletas.
Nos balanços, direi só que a campanha de Cavaco foi a melhor. Muita gente dirá que não, que o homem não abriu a boca, que não disse nada, que não teve ideias, que perdeu os debates. Mas ganhou as eleições. Logo, a campanha do homem foi a melhor.
Daqui a cinco anos há mais. A quem me convidou, a quem me acompanhou, a quem me leu, a quem me comentou e a quem se deu ao trabalho de discordar de mim - muito obrigado.

Até 2011

Pela minha parte, a minha participação neste blogue termina aqui. Foi a primeira vez que apoiei empenhadamente um candidato presidencial e a primeira vez que integrei um órgão político de uma candidatura. Tive muito gosto nisso. Aprendi alguma coisa. Não foi o cavaquismo que ganhou estas eleições. O que acabou por pesar foi algo infinitamente mais simples: o cargo de Presidente da República deve ser reservado aos melhores. O melhor era inequivocamente Cavaco Silva. Fizemos o que devíamos fazer. Podemos dormir bem. Um abraço a todos.

Nada será como dantes

Um dia ainda se irá escrever sobre a importância dos pulo lobistas para o sucesso desta eleição. Não foi só Manuel Alegre que criou um movimento cívico. Este blogue, meus amigos, foi um movimento cívico. Não foi só Manuel Alegre a deixar um aviso aos partidos. Este blogue foi um aviso aos partidos. Em três meses ultrapassámos as cem mil visitas. Quase todos os nossos posts foram comentados e alguns até copiados. Se nos perguntarem o que faremos nós com as nossas cem mil visitas e com os nossos posts comentados, eu respondo que o mesmo que fará Manuel Alegre com o seu milhão de votos: nada. Não vamos fazer nada. Mas que não haja dúvidas que este blogue lança um movimento, uma esperança, um caminho. Há qualquer coisa aqui a germinar. Esperem que nós avançaremos. Fomos nós que retirámos a Manuel Alegre as décimas que o afastaram da segunda volta. Fizemos a diferença. Cada post deste blogue multiplicou-se em votos nas urnas. O Pedro Picoito, que escreveu sozinho mais do que todos juntos, foi o nosso cacique eleitoralista. Agora, é tempo de reflectir. Vamos reflectir. Mas não vamos reflectir por muito tempo; vamos só reflectir um bocadinho, talvez hoje, talvez amanhã. A seguir vamos agir. Mas lentamente, para as mudanças não serem muito bruscas. Isto é um aviso.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

O povo lê as Farpas

«Temos ouvido cantar a democracia, berrá-la, soluçá-la: é tempo de a vermos demonstrar. Deixemos no bengaleiro a nossa perpétua inclinação nacional de escutar odes - e entremos só com a tendência humana de resolver problemas».

Eça de Queirós, Maio 1871.

Um abraço e muitos parabéns a todos os que por aqui escreveram. Um cumprimento especial ao Pedro Lomba, que teve a ideia deste blog, a quem aproveito para agradecer o convite e o privilégio de integrar esta equipa tão especial.

Oooops, he did it again

Vital Moreira, em 2004, durante a campanha presidencial americana:

«Perante a patente superioridade do candidato democrata, os eleitores norte-americanos serão estúpidos



Suponho que hoje, depois da despromoção, a maioria dos portugueses que ontem votaram são estúpidos como os Americanos.

Meus caros, ainda Cavaco não tomou posse e já estamos de novo em rota de convergência!

Contamos contigo, Cavaco Silva

Mesmo sem citroen, já temos o nosso homem em Belém.
O mais díficil começa agora.
Viva Portugal!

Ilações e elações

Eis que chega o dia da reflexão. Sobre os resultados, sobre os vencedores e sobre os vencidos.
Em primeiro lugar, o resultado. O dia de hoje é um dia histórico, por variadíssimas razões. A primeira das quais será Portugal ter elegido, pela primeira vez na sua história democrática, um Presidente não proveniente da área da esquerda. Não por uma questão de mero orgulho clubístico, mas porque hoje se inicia um novo ciclo político em Portugal. Com consequências visíveis, e de efeito crucial, no longo-prazo. Ao longo dos meses que antecederam a eleição, foi tentação fácil crer que a vitória estava perto e que era acessível. A noite eleitoral suada a que assistimos demonstrou o contrário: eleger um candidato contra o qual todos os outros se mobilizaram e contra o qual todos os argumentos, dos mais plausíveis aos mais rasteiros, foram esgrimidos, demonstrou ser uma tarefa hercúlea. Só agora nos é dado perceber o porquê da espartana campanha de Cavaco Silva, que não enstusiasmou pelos argumentos (ainda que tenha sido a única a apontar as linhas de rumo essenciais) e que não se recorreu daquilo que tantas vezes poderia ter feito, dizendo as coisas preto no branco. O planeamento estratégico da candidatura de Cavaco Silva foi arguciosa, e os dividendos chegaram na altura certa. De se lhe tirar o chapéu.
O grande vencedor da noite, sussurrou-me o senhor de la Palisse, foi ele mesmo, Cavaco Silva. Penso que o país escolheu um grande Presidente da República. Alguém que está sensibilizado para os grandes desafios que se avizinham. Alguém que tem uma posição descomplexada e pragmática quanto à posição que Portugal tem a ocupar no quadro internacional. Um político razoável e potencialmente catalisador das decisões políticas que teremos impreterivelmente de tomar. Mas também alguém dotado do bom-senso necessário para intervir construtivamente quando estas se afastarem daquilo que é o interesse nacional. Para além de todas as outras qualidades mencionáveis, há em Cavaco Silva uma pose de estado serena e discreta, como convém ao magistrado máximo da Nação.
Em relação aos vencidos, poucas palavras a proferir. Manuel Alegre é, tão somente, um putativo vencedor da noite. A retórica do movimento de cidadania, fora dos partidos, é, de todo em todo, uma tremenda inanição. Sobretudo se tivermos em conta o profundo oportunismo da coisa, em nenhuma medida atenuado pelo passado ultra-partidário do próprio. Com Alegre, a esquerda moderada não ficou apenas dividida - ficou desencorajada.
Mário Soares é, indubitavelmente, o grande derrotado da noite. Não tanto pela percentagem que os anais hão-de registar, mas mais pela autista, cega e arrogante caminhada que o conduziu a este resultado. O capital político de Soares, acumulado ao longo das décadas do Portugal democrático, não sofrerá danos de maior. Desaparecerá, porém, a aura mística do decano-mor da democracia, da qual a esquerda faz recorrentemente alarde exagerado. Soares é fixe e será fixe para todo o sempre. Um neologismo vago como epíteto não é o máximo que se pode ambicionar.
Para Louçã e para o Bloco, este foi o final de um ciclo. O partido é jovem e não descola do seu pendor volátil. O futuro é uma incógnita. Louçã mostrou-se um político com profundos conhecimentos na discussão das matérias fundamentais. No entanto, o seu modelo de discurso, entre o radicalismo beato e a moral de pacotilha, que tornou em grande parte possível o espantoso crescimento eleitoral do Bloco, está irrevogavelmente esgotado.
Jerónimo, o outro candidato apropriadamente apelidado de tribunício, sai reforçado e com ele o Partido Comunista. Desenganem-se aqueles que viam em Jerónimo o líder que afundaria, a prazo, o PCP. O prazo é bem maior do que possamos julgar. O PCP continua e continuará a ser opção. Mas há muito que deixou de ser solução.

Posto isto, resta-me rematar com um that's all folks, como diz a bonecada da televisão. Amanhã é um novo dia. O futuro a Portugal pertence.

P.S. - Mesmo para finalizar, uma palavra de inteiro reconhecimento ao Pedro Lomba, que teve a coragem e o discernimento de reunir esta equipa all star. Parabéns a ele, a todos e a cada um.

Durmam descansados



Valium, Lorenin & Mandrax. Eram estes os principais financiadores da candidatura de Cavaco. Percebe-se porquê.

domingo, janeiro 22, 2006

«Quem é este tipo?» *

É o Presidente da República.



* Dr. Mário Soares, depois da vitória de Cavaco no Congresso da Figueira Foz.

Mesmo sem Citroën



Chegámos lá.

Missão Cumprida

Parabéns a Todos.

Hoje não há trânsito na Av. Liberdade

Cada voto conta

Apetece-me, hoje, agradecer a Cavaco Silva, a Mário Soares, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa, Louçã e Garcia Pereira pela excelente oportunidade para perder a pinha com quase todos, discutir pormenores, no fundo e como Churchill, prever as desgraças que advém da eleição do nosso adversário para depois explicar porque é que elas não sucederam. Desde cedo achei que o meu candidato era e é o homem certo para o lugar, como eu, acha que é melhor garantir que se saiba hoje de economia para que os nossos filhos se preocupem mais tarde com o seu curso de pintura abstracta.

O meu voto não é segredo, nem a minha ambição para o dia de hoje.

No entanto, há que tirar o chapéu às marionetas que, abusando da paciência de um santo, se desunharam para tornar este debate mais vivo e interessante.

Resta-me dizer a todos os que porventura lerem isto e ainda não votaram para se levantarem, sacudirem a preguiça e eventual desinteresse. Se não querem saber quem nos representará a todos nos próximos anos, levantem-se na mesma e vão lá mostrar esse desinteresse.

Cada voto conta.

sábado, janeiro 21, 2006

De uma vez por todas

Sucumbo à tentação do ilícito para declarar, a plenos pulmões, o meu sentido de voto: Cavaco à primeira.

Cavaco à primeira - 2

A lei fez-se para também ser violada. Sobretudo quando não tem razão de ser e trata os cidadãos eleitores como menores de idade. Assim sendo e tal como o Pedro Lomba, fica feita a declaração de voto: Cavaco à primeira.

Fui ao Comício do Cavaco

Sendo hoje dia de reflexão, vou contar-vos o comício do Cavaco ontem à noite. Comício e reflexão são incompatíveis. Além disso, quando entrei no Metro apinhado de malta rumante à noite na Expo e tentei dizer aos dois herdeiros onde íamos, uma discreta mas incisiva pressão nas costelas acabou-me com a campanha: "Barracas é que não!" Esqueci o Cavaco, claro. Na minha família, as mulheres são sempre mais práticas.
Entrados no Atlântico, deparámos com várias bichas/filas/linhas humanas de orientação indefinida, correspondentes a outras tantas portas. A tranquilidade reinava (o povo cavaquista é sereno). Só havia dois problemas. Primeiro: ninguém sabia onde começava ou acabava cada uma das ditas. Segundo: para quem não participava no jantar, as portas só abriam às dez. Ficámos à espera no meio do já jantado povo cavaquista, enquanto o Pedro dizia que queria ver "o Cavaco Sílvia" e a Leonor perguntava pela porta que dava lá para baixo (nesta família as mulheres são sempre mais práticas). De guarda, alguns JSDs e respectivas JSDeias mostravam a sua vontade de trabalhar pelo futuro da pátria - despachando energicamente sucessivas cervejolas. Aí pelo quinto copo, perdão às dez em ponto, umas meninas com ar profissional, de certeza não pertencentes à JSD nem preocupadas com o futuro da pátria, abriram as portas. As bichas/filas laboriosamente esculpidas durante uma hora desvaneceram-se de imediato, e entrámos todos ao sereno molho.
Lá dentro, a luta de classes em versão cavaquista: o povo jantador estava em baixo e povo não jantador em cima. A Kátia Guerreiro subiu ao palco e os dois povos uniram-se. Bela voz, sim senhor. "Isto é que a outra não faz...", disse eu para quem quis ouvir. Um velhinho dado ao fado, mesmo atrás de nós, concordou em absoluto. O speaker falava em pátria, portugueses, Portugal de lés a lés, os nossos valores, os nossos filhos, pátria, portugueses, Portugal, os nossos valores... Lembrei-me, de repente, porque é que tinha deixado de ir a comícios.
Temi o pior quando o Tiago Bethencourt, dos Toranja, conseguiu pôr meio Atlântico a cantar aos berros "e a folha de papel é a minha bola de cristal/ onde te pinto nua/ nuuuuuuuuua/ numa chama/ minha e tuuuuuuuuua..." Mas não aconteceu nada a ninguém e, se acontecesse, o Prof. Lobo Antunes estava lá.
Seguiu-se a apoteose com a Isabel Silvestre: "Ó Rama ó que Linda Rama" entoado, com segunda voz e tudo, por vinte mil cavaquistas. Ainda pensei que muita gente não iria gostar porque o Cavaco não é alentejano, mas, quando vi o velhinho do fado eufórico, confesso que prometi a mim mesmo não ler o Mário Mesquita nem o Vital Moreira este Domingo.
Entretanto, o povo e o Pedro gritavam furiosamente "Cavaco à primeira", pressentindo o grand finale. A Leonor adormeceu ao meu colo (as mulheres da família são sempre mais práticas) e no fim falou o Cavaco. Mas isso já não posso contar porque estou em reflexão.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Cavaco à primeira

Num mês absurdo de trabalho, que me fez faltar a tudo o que foi campanha, rua ou comício, quero deixar aqui uma simples declaração de voto: Cavaco à primeira.

Quem ganha?

Declaração de Voto

por Carlos de Abreu Amorim

No Domingo vou votar porque sou republicano. Não quero deixar nas mãos do fado ou da (má) sorte a escolha do titular do mais alto órgão de soberania do meu país.No Domingo vou votar Cavaco Silva.Não porque me reconheça cabalmente naquilo que a sua candidatura defende - não sou social-democrata e nunca fui "cavaquista". Mas, em Democracia, é difícil, até desrazoável, pedir a qualquer eleitor uma identificação completa com uma proposta política.Os demais candidatos, afinal, nunca o foram. Perderam-se em tricas de partidos, desbarataram toda a campanha em afrontas inconsequentes. Falaram sempre de si, dos seus interesses e dos seus partidos, esqueceram os problemas concretos das pessoas.

Cavaco Silva tem as qualidades pessoais e políticas essenciais para ser um excelente presidente da república. Tem a experiência, os conhecimentos e a personalidade, desejáveis. Foi - hoje é inegável - o melhor primeiro-ministro que Portugal conheceu desde o 25 de Abril. Num momento de crise profunda, em que a identidade e o futuro do país são quotidianamente postos em causa, Cavaco Silva emerge bem acima da endémica mediania dos nossos políticos como alguém capaz de emprestar robustez e optimismo a esta nação demasiado acabrunhada.

Domingo vou votar Cavaco Silva porque estou farto de ver medíocres em lugares que nunca mereceram.Domingo vou votar Cavaco Silva porque não quero que os homens e mulheres da próxima geração me acusem de não ter feito o que estava ao meu alcance para lhes melhorar um pouco o caminho.

Carlos de Abreu Amorim

Reflexão em Ranholas (não se pede nada aqui, exige-se!)

Escrevo, apesar de tudo, consciente de que, se em Castanheira de Pêra há gajos que não são capazes de fazer um passe de jeito, existem em Ranholas laterais capazes de fazer um cruzamento decente e que torne inteligível, para comuns mortais, o que certa gente tem a mania de complicar.

Enfim, a intenção é boa mas peca por ser escrita por quem só percebe metade da estratégia.

Sendo certo, certíssimo mesmo, que o Dr. Mário Soares se meteu numa alhada, é absolutamente errado que o ‘cavaquista’ se assemelhe à tentativa do Professor em não se rir. Sim, tentativa. Convenhamos que não faltam razões para o Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva se rir. Mas não faz e bem. É muito feio rir da desgraça alheia, sobretudo quando essa desgraça não é mais que o efeito lógico da estratégia do senhor Professor.

Como o seu histórico homónimo em Cannae, este nosso Aníbal sabia sobre os seus adversários umas coisitas importantes. A primeira coisita, era que todo o exército de esquerda é muitíssimo disciplinado, independentemente dos chefes, estavam todos unidos em torno de um objectivo e para tal esperariam até ao último segundo uma brecha no exército de Aníbal. A segunda coisita, era que a esquerda anda a exigir acção desde que percebeu que o Senhor Primeiro-ministro tem feito sérios esforços para se imolar nas futuras eleições legislativas.

Aníbal, como o outro, desceu ao terreno da contenda e atacou forte e feio, dizimou os pontos fortes dos adversários e depois recuou. Agora vem a parte de génio, mostrou o flanco ao adversário! Uma sugestão ali, um esgar acolá e a sempre presente ameaça de comer um bolo-rei ou ainda pior um pastel de Tentúgal.

Os Generais de esquerda, sendo humanos, não eram dotados das capacidades prescientes dos escribas do Super-Mário e de um ou dois deste blogue, atiraram-se (é esse o termo) aos pontos fracos de Aníbal. Como os antigos romanos, esqueceram a disciplina e foram de arrasto para o local da refrega. Aníbal previra e depois dele acho que só eu é que percebi.

Foi tanto o entusiasmo que, mesmo dotados de um exército bem maior, os vários Generais se viram cercados e atacados pelo exército bem menor de Aníbal. Lá no meio reinou a confusão, ao ponto de os Generais perderem tempo a acusarem-se entre si de terríveis traições.

Ora, diz-se muita coisa de Aníbal mas não se diz o essencial. Aníbal não ri porque é muitíssimo bem-educado e porque sabe bem melhor que nós como são tristes as derrotas. Sabe bem que devemos ser humildes na vitória, mesmo quando a vitória resulta de incomparável génio.

Os ‘cavaquistas’ de Jorge Madeira são os pobres desgraçados que foram dizimados na primeira leva do ataque esquerdista, mas os outros ‘cavaquistas’, os que irão arreganhar a dentadura no domingo, estão a atacar pelos flancos a pobre infantaria soarista e alegrista. Todos quererão marchar sobre Soares e Alegre.
Os outros Generais, Louça e Gerónimo, depois de disputas mesquinhas por coisas estranhas aos valores mais extremados de esquerda, fugirão como em Arausio. Azar o deles e se só sobrarem 13 ainda me vou rir.

No fim, agora vem a parte que vai deliciar os sempre atentos super-marionetes, convirá lembrar a este Aníbal o que se disse do outro. “os deuses não deram todas as qualidades a um só homem. Tu, Aníbal, sabes como ganhar uma batalha, não sabes como explorar uma vitória”.

Alternância

Todos os sinais apontam para isso.
Portugal vai ter, pela primeira vez em democracia, um presidente que não vem do espaço político da esquerda.
A alternância chega ao palácio de Belém.
O facto nada tem de extraordinário.
Mas é um sinal da normalização da democracia portuguesa.

A Reflexão em Castanheira de Pêra (pede-se alguma tolerância para a repetição da palavra "deve")

Penso, apesar de tudo, que o 'cavaquista' deve sê-lo com cuidado. Mais: acho que o 'cavaquista' deve gostar, respeitar, amar, querer o bem do Doutor Mário Soares. Podemos mesmo dizer que, no limite, defendo que o 'cavaquista' goste mais do Doutor Mário Soares que do Professor Doutor Cavaco Silva. O dominó de parvoíces a que se pode resumir a campanha do Doutor Soares não nos pode distrair do facto de que os nossos maiores inimigos são Louçã, Jerónimo de Sousa e, até me custa a escrever o nome, Manuel Alegre. Apaguemos da nossa memória o inesquecível aviso de que as sondagens são feitas por "telefones fixos" ou o incrível desplante de se queixar da imprensa. Levemos com ligeireza o Super-Mário, que à parte umas fotos, fizeram desta campanha por Soares um discurso contínuo de análise freudiana sobre a trapalhada oral em que se pode transformar sempre e cada uma das intervenções do Doutor Cavaco Silva. Nem o Doutor Pacheco Pereira escapa à auto-publicitada omnisciência do Super-Mário. Imaginemos o que seria o Pulo-do-Lobo se nos tivéssemos dado ao trabalho de extrair sentidos ocultos ou evidentes a cada frase do Doutor Soares? Teríamos que, no mínimo, contratar centena e meia de escribas que se revezassem por turnos as 24 horas do dia, o que, valha a verdade, não seria difícil, dado termos, como diz Soares, o grande capital, os grandes banqueiros e as grandes empresas todas atrás de nós, mesmo agora está aqui um senhor com brilhantina no cabelo a mandar-me carregar nestas teclas. Sugeria, pois, esquecermos tudo isto em favor da memória. Quem leu, recortou, guardou, leu, releu, rereleu, rerereleu e rererereleu o artigo de Vasco Pulido Valente sobre os três Presidentes da República não pode ficar indiferente ao que foi e ao que representa o Doutor Mário Soares para Portugal. Todo o texto é uma elegia a Soares e, quer-me parecer, uma elegia merecida. Quase chorei quando a certa altura, Pulido Valente (o melhor escritor português vivo) diz sobre Soares, a propósito da segunda volta de 86: "Estava livre e, além disso, feliz". Conseguimos imaginar Cavaco "feliz"? O 'cavaquista' tem que assumir e não pode rejeitar esta diferença essencial, esta herança. Não se deve, no fundo é isto, colocar contra ela. O 'cavaquista' deve ser aquela pessoa que, como um Santo Agostinho invertido (ou inverso, sei lá), gostava de ser e ter o Doutor Soares, mas agora ainda não. O tempo está mais para pessoas que percebem, para pessoas que se preocupam e tratam da vidinha de cada um: do autocarro, da estrada, do esgoto, do imposto disto e daquilo, do papel, na empresa, do lixo, da ordem, da ambição, do querer ser rico passando por cima de tudo e todos (mas com cuidado), no fundo, tempos para as pessoas que gostam de mexer na merda. O papel do Presidente da República por estes dias é o de fazer ver aos portugueses que esse é o trabalho mais espinhoso, mais irritante, o que tem mais hipóteses de nos desmoralizar e deixar enterrar sem que nos apercebamos numa modorra assassina e que, portanto, é o que deve requerer de nós a maior motivação e esforço. A imagem de Cavaco, a sua pose seca, mirrada, picuinhas, aquele semblante de contabilista afogado em trabalho e que chega a casa e ainda faz umas "continhas para amanhã" contrasta aqui a seu favor e de modo decisivo com a "felicidade" de Soares, com a alegria de uma vida inteira para onde a carreira de "político profissional" foi a sua maneira de ser feliz. O 'cavaquista' deve perceber que o cavaquismo se é neste momento perferível ao Portugal de hoje, não é o essencial, e que para o essencial temos ali o Doutor Mário Soares, acarinhado por nós todos, sem excepção. Defendo um Doutor Mário Soares derrotado mas dignificado. Ajudemos o Doutor Mário Soares a sair desta trapalhada em que se meteu e em que o meteram, com a dignidade que ele e nós merecemos. Se para isso for preciso votar nele na primeira volta....

Still the Economy, Stupid

Portugal vai ter, pela primeira vez, um economista como Presidente da República.
Depois de nove militares, dois matemáticos, um médico e quatro juristas, incluindo Mário Soares e Jorge Sampaio, chegou a vez da economia.
Em épocas de crise as pessoas querem menos utopia e mais dinheiro na carteira.
Esta ideia está no subconsciente colectivo, apesar dos limitados poderes presidenciais.
A credibilidade económica de Cavaco é um dos seus trunfos.

O argumento da máquina de lavar

Não precisamos de um presidente humanista. Precisamos de uma máquina de lavar pré-programada para cinco anos.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

O escândalo veio pelos fariseus

Pacheco Pereira tinha razão quando afirmou que a arrogância estava muito mal distribuída nestas eleições.
Gosto de ganhar mas também gosto que os meus adversários saibam perder com dignidade. E isso o João Pinto e Castro não aprendeu na escola.
À imagem do candidato que dizem apoiar, a assuada e o charivari cresceram tão vincadamente no Super-Mário que de blog de protesto rapidamente se converteu numa alarve comunhão de ressentidos.
Quando digo que acredito no despotismo dos factos digo que não acredito em crenças catedrais que acabaram em ruínas. Não acredito em vozes convictas de que o mundo pode esperar por nós. Nem acredito naqueles que remexem perigosamente no passado à procura de soluções para o futuro. O curso bruto das coisas deitou muros e mitos abaixo. Mas a poeira, infelizmente, tarda em assentar. O João Pinto e Castro anda lá pelo meio.
Francisco José Viegas, oportunamente lembrado no DN de hoje, falou-nos há tempos de um complexo, de «um trauma de classe», de «um medo da vida que não cabe na memória, um medo de que a vida escape.» São assim as cabeças medrosas e obtusas do chamado «socialismo democrático», algures entre as birras de infância e as primeiras crises da meia-idade.
Soares conseguiu chamar a si algumas curiosidades simpáticas. Mas não estamos em 86. Os fantasmas de 74 já não assustam ninguém. A retórica anti-fascista está esvaziada de sentido. Os soaristas experimentaram todas as variedades sonoras de um projecto que se queria eloquente e comovedor. Não deu resultado. É que esta aventura, como todas as que contrariam a corrente da História tinha, à partida, muito poucas probabilidades de sucesso.
É uma candidatura talhada para a derrota - ou para a humilhação.

Será da barba

Anda por aí muita gente espantada com o sucesso da campanha alegre. Ora acontece que por muitas explicações que se arranje a verdade é que, objectivamente, Alegre não devia estar à frente de Soares. Não faz sentido.
Alegre nem sequer merece o esforço de o ouvir com atenção, é vazio, é simpático mas é vazio.
A dada altura parece que só ele descobriu a função do Universo. Pára tudo e oferece a explicação do mistério. Depois fica espantado porque o Universo que ele explicou desapareceu e foi substituído por coisa diversa.
Na ausência de explicações para estas partidas que o Universo lhe fez, faz voz de locutor e repete a ladainha que o acompanha desde o início; que é livre, que vai onde quer, que diz o que quer.
Isto é uma infelicidade para todos, o que ele diz não é nada que Soares não pudesse dizer só que não tem paciência.
Então porquê tem sucesso. Eu acho que é por causa da barba. Não vejo outra explicação.

O Dilema de Sócrates

Perto da recta final, Sócrates entrou na campanha. Pegou nas muletas e apareceu em dois comícios para apoiar Soares.
Sócrates tem um dilema. Não se pode colar demasiado a Soares e à sua provável derrota. Mas tem de fazer tudo para evitar a vitória de Alegre. Isto ajuda a explicar o seu aparecimento, no final campanha, e o tom inflamado dos discursos de alguns dos seus ministros.
Sócrates cumpre o seu dever. Mas sabe que o inimigo não é Cavaco Silva. Cavaco é o adversário que está do outro lado da barricada. O verdadeiro inimigo está bem mais perto: é um PS dividido e revoltado, de que Manuel Alegre é a face mais visível.
Um partido que pode questionar a sua autoridade e as políticas impopulares do seu governo, se o candidato “rebelde” tiver mais votos do que candidato “oficial”.
Este é o cenário mais temível para a direcção do PS: ter de admitir o erro estratégico. Conseguem imaginar Sócrates e os dirigentes do PS, numa segunda volta, a bater no peito e a apelar ao voto em Manuel Alegre?
Suspeito que, no Largo do Rato, se torce para que tudo se decida já este Domingo.

Alegre À Pesca

Sem ironias, confesso que não percebo Paulo Gorjão ou Constança Cunha e Sá quando dizem não perceber o sucesso de Alegre nas sondagens. É que as razões são relativamente simples. Alegre pesca à linha e os outros pescam de arrasto (excepto Cavaco, que mistura as duas). Em princípio, a pesca de arrasto rende mais porque traz tudo na rede, mas a sua área é limitada. Soares, Jerónimo ou Louçã arrastam na rede os cardumes compactos - em princípio... - do PS, do PCP e do BE, mas nada mais. Ainda por cima, há muito peixe miúdo que foge pelos buracos da rede e é pescado por Alegre. Eis a sua vantagem: pesca os eleitores um a um, mas tem a liberdade de pescar em todas as águas - ao contrário dos outros (excepto Cavaco, repito, que usa a linha à esquerda e o arrasto à direita).
Alegre pesca, em primeiro lugar, no próprio PS. Todas as sondagens o mostram: o voto socialista está fortemente dividido entre Soares e Alegre. Porquê, se a maioria absoluta de Sócrates foi há escassos meses? Porque há muitos eleitores socialistas, ou votantes no PS, que estão descontentes com as medidas impopulares do Governo e querem castigá-lo. Ora, justamente por causa da maioria absoluta, não têm medo do papão da instabilidade nem do papão do presidencialismo. Votam mais com o coração do que com a razão. E Alegre tem um grande capital de simpatia nas bases do PS, que se revêem mais na sua retórica dos direitos adquiridos do que no centrismo reformador de Sócrates. Além de terem visto na campanha, sobretudo graças à clamorosa ausência deste, que o pai Soares foi meramente instrumental na estratégia de um Primeiro-Ministro que já se resignou a conviver com o Presidente Cavaco.
Alegre pesca também no centrão pouco ideológico que oscila entre o PS e o PSD e está genuinamente farto dos partidos. É um eleitorado decisivo que se prepara para votar nos "suprapartidários" Alegre e Cavaco, nada ou pouco deixando para Soares. Aqui, o grande trunfo de Alegre é sem dúvida o cheirinho a pólvora da sua candidatura "fora do sistema", mesmo que os comentadores achem isso um pouco risível. O povão não acha e é o povão que vota - como já votou em Eanes e no PRD.
À esquerda, a pesca à linha de Alegre faz igualmente estragos, embora mais no PCP do que no BE. Os comunistas não esquecem - e ele não deixa de lembrar - o seu passado antifascista, sempre alimentado por uma oratória cheia de palavras como "liberdade", "resistência", "luta", "cidadania" e, claro, "Abril". Sobretudo "conquistas de Abril". E até "pátria". A extrema-esquerda é sensível a todas elas: há uma velha esquerda republicana e radical muito mais patriótica do que julgam as elites de Lisboa.
Por fim, a direita. E esta é talvez a maior surpresa, mas basta falar com alguns conservadores à antiga para se ver que Alegre pesca mesmo em todas as águas. O verdadeiro desprezo de alguns deles tanto por Soares, o traidor da pátria, como por Cavaco, o saloio da província, pode explicar o enigma. Ajudam o figurino de aristocrata (dizia Chesterton que a afinidade de classe é o único sentimento dos ricos...) e o papel de coitadinho maltratado pelo PS, que lhe vale insuspeitas simpatias. Parece-me, no entanto, que a principal razão está mesmo na campanha. Ao contrário de Soares, Alegre manteve a pose de estadista, recordou quem ia em segundo nas sondagens, pôs Louçã no devido lugar e levantou a voz a Jerónimo quando foi preciso. Ganhou assim o único atributo que a direita pede aos homens do poder: a respeitabilidade. E ganhou-a na exacta proporção em que Soares a foi perdendo com os ataques irrazoáveis a Cavaco e a deriva esquerdista. A exaltação da portugalidade, da CPLP e do desígnio nacional fizeram o resto.
Será tudo isto suficiente para chegar aos 20% que algumas sondagens lhe dão? Veremos no Domingo.

Democracia e Tabus

Leonídio Paulo Ferreira, no DN de hoje:
"Se Cavaco Silva ganhar as presidenciais, seja logo à primeira volta ou apenas à segunda, nem tudo serão forçosamente más notícias para aqueles que tiverem votado nos outros candidatos. Ou mesmo para aqueles que nem sequer votaram. É que uma vitória de cavaco Silva constituirá o fim de mais um tabu da jovem democracia portuguesa - o de que a Presidência da República está reservada exclusivamente a políticos de esquerda."

Passado e Presente



Nesta campanha, alguns escolheram fechar todas as portas ao futuro e viver o presente com a cabeça no passado. E o passado, não será despiciendo repetir, teve já o seu tempo. O momento é sério e o momento é de Cavaco. É o momento de chegar à Presidência alguém capaz de perceber politicamente o que é a modernidade, alguém capaz de perceber que os problemas de hoje se prendem com a crescente convergência económica dos Estados e a relação cada vez mais próxima entre agentes económicos globais e as respectivas razões de troca, os mercados. Nenhum dos outros candidatos parece disposto a perceber isto. Com eles a política deixa de fazer sentido e transforma-se num admirável exercício ficcional. Com Cavaco a política sempre pareceu fazer sentido. E eu, que acredito sumamente no curso bruto e inevitável das coisas e no despotismo dos factos, estou saturado de exercícios orais de literatura fantástica. É tempo de fazer política e é tempo de perceber a política que se faz.

Choque Tecnológico

Garcia Pereira mandou uma carta ao Primeiro-Ministro a pedir explicações sobre o futuro da Caixa Geral de Depósitos. Garcia Pereira tem um problema com a história: ainda vive no tempo em que se mandavam cartas.
Alguém é capaz de lhe dizer que agora se pergunta ao dr. Soares?

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Serviço de Tradução Assistida

Irra... será que já não se pode apelar ao voto e à participação, com o argumento de não deixar que outros decidam por nós?

Segundo o Super Mário, quando Cavaco diz "Não deixem que a parte escolha pelo todo" é caso para utilizar a seguinte caracterização, cito: «velho, autoritário, maus, falseiam, menor, divisionista, maniqueísta, manipuladora, incapacidade, aflitiva, não tem condições, nem perfil». Tudo isto em 12 linhas, é obra e é rara, excepto no universo de participantes do Fórum da TSF, onde podemos encontrar outras obras do género.

Segundo o autor do post, Miguel Cabrita, esta caracterização «Entra pelos olhos a dentro, todos os dias».

Pois, já percebemos que em alguns entra, pena que não entre só um pouco mais à frente.

Teatrinho

Entrámos no fim da campanha e nota-se. Estando o Primeiro-Ministro impedido de dizer umas coisas, em virtude de um aparatoso acidente que lhe diminuiu o joelho e a língua, lá vieram alguns ministros, à vez, proferir coisas graves e pesadonas.
Passámos à fase do teatro e os olhos dos apoiantes de Soares encheram-se de lágrimas.
Em desespero de causa, Soares faz de porta-voz do Governo.
Tudo serve e nada dá resultado.

Encontro de Irmãos

"Cavaco perde mais 2% nas sondagens", anunciava ontem , eufórico, o DN: estava nos 54,6.
"Cavaco desce oito pontos numa semana", proclama hoje, triunfal, o DN: está nos 53, 2.
A blogosfera soarista não diz uma palavra.
Compreende-se.
Depois de tudo o que lhe chamaram, estão a ver estes, estes e estes senhores a fazer campanha por Alegre em segundas voltas?

A Imaginação ao Poder

E se fosse ao contrário?
E se Santana Lopes fosse ainda Primeiro-Ministro e Cavaco, em campanha por Viana do Castelo, tivesse recebido um "SOS" de Paulo Portas a garantir que os estaleiros não seriam privatizados?
Que tal: golpe de Estado constitucional, instabilidade à vista, intromissão na esfera do Governo, aproveitamento político, ameaça de presidencialismo, sarilho institucional, assim os portugueses não sabem quem manda realmente no país...?

O Moinho Errado

Eduardo Lourenço, no Público de hoje:

"Dizem-me que os dados há muito estão lançados. Não o duvido. Em termos meramente eleitorais, tudo estará consumado. Mas seja qual for o resultado desta campanha - à parte a cruzada póstuma de Mário Soares, levada a cabo como se o combate fosse ainda, como nos idos de 75 ou na década de 80, entre os fantasmas bem vivos de uma direita e uma esquerda míticas -, não houve realmente um prélio eleitoral digno de memória. Talvez errando, Mário Soares fez mais do que era necessário para inventar uma direita que merecesse o seu combate de cavaleiro da esquerda. Mas o adversário concreto não correspondia já ao modelo ideal (e histórico) da direita contra a qual, toda a vida, Mário Soares combateu. Esse adversário é também e, em certo sentido mais do que ninguém, como antes dele Ramalho Eanes, um "filho de Abril". Pela força das coisas, ou a mudança dos tempos, é de temer que Mário Soares se tenha enganado de moinho."

O Natal É Onde Um Socialista Quiser

Afinal, o candidato socialista ganhou as presidenciais. No Chile.