Uma crítica a Vital Moreira
Tenho estima intelectual e académica por Vital Moreira. Estou quase sempre em desacordo com os seus textos políticos, mas reconheço no que escreve uma responsabilidade, uma seriedade e um institucionalismo que me deixam satisfeito. Depois, conheço o contributo de Vital Moreira para a implantação da democracia: quando se fizer um dia a História da Constituição de 1976, alguém perceberá a importância que teve Vital Moreira em trazer o PCP para o terreno da disputa constitucional, retirando-o da disputa revolucionária. É um mérito histórico que não devemos negligenciar. Vital Moreira deixou entretanto de ser comunista, mas continua a defender a Constituição que ajudou a fazer, o que só lhe fica bem. No que ao semipresidencialismo diz respeito, não conheço quem mais assídua e energicamente defenda as virtudes do semipresidencialismo e de uma versão deste sistema em que o Presidente da República se assume como órgão político, não como um cargo protocolar, como um órgão que conta, não como um fútil organizador de banquetes. Ora, é por isso mesmo que não compreendo esta atitude de vigilância que Vital Moreira tem revelado sobre o comportamento constitucional dos outros candidatos, denunciando qualquer manifestação daquilo a que chamou de «deriva presidencialista». O meu problema não é tanto Vital Moreira esquecer as vezes que Cavaco Silva já disse que respeitará o equilíbrio de poderes ou a óbvia circunstância de alguns apelos à presidencialização do regime terem surgido na forma de presentes envenenados ao candidato. O meu problema é que Vital Moreira tem sido há muito um legítimo e excelente defensor da faceta presidencial do nosso regime político. Se eu tivesse que encontrar um teórico do semipresidencialismo vigente que, deslocando-se para além do texto da Constituição, conferiu ao cargo presidencial um amplo direito à palavra e à liberdade de exteriorização, uma função de orientação política sobre outros poderes democráticos e, na prática, a possibilidade (sublinho: a possibilidade) de um poder de oposição contramaioritária ao Governo, eu escolheria Vital Moreira. Não por acaso, foram Vital Moreira e Gomes Canotilho quem, em 1991, a pedido do então Presidente Mário Soares, elaboraram um parecer sobre os poderes do Presidente da República, mais tarde publicado em livro, que assentou como uma luva às pretensões de maior intervencionismo que Mário Soares tinha para o seu segundo mandato presidencial. Os argumentos de Vital Moreira e Gomes Canotilho forneceram a Soares a legitimação jurídica de que este precisava para os seus desejos de um maior protagonismo político e de um reforço dos seus poderes nas áreas da defesa e da política externa (aqui com curiosas aproximações ao semipresidencialismo francês). Os políticos são os primeiros a trair os juristas e, contra o que os próprios Moreira e Canotilho haviam escrito, o dr. Soares fez do seu segundo mandato presidencial o que bem se conhece. Vital Moreira é um dos teóricos desta função presidencial de orientação política, de que Cavaco Silva tenciona justamente servir-se. É certo que essa orientação política, como Vital Moreira e Gomes Canotilho a conceberam e concebem, não pode ultrapassar zonas de intervenção genérica e limitada. Os presidentes não se podem substituir aos governos. Mas orientar significa dar instruções ou fazer recomendações. Se Cavaco Silva usar o seu poder para dar instruções e fazer recomendações, estará a respeitar integralmente quer a Constituição, quer o pensamento de Vital Moreira. Para ele, isso devia ser suficiente.
1 Comments:
At 1:07 da manhã, MFerrer said…
Para além do ar insuportavelmente paternalista deste post referido a Vital Moreira desejo aqui deixar o meu próprio acerca das despudoradas declarações de Cavaco Silva no Brasil:
Um "governo" na sombra, em Belém:
Eu ouvi o Cavaco Silva dizer no Brasil que vai criar em Belém um "departamento" para se encarregar dos in-te-re-sses dos emigrantes !
Todas as suspeitas se vão confirmando.
O homem ainda nem sequer foi eleito e já atenta contra a Constituição e contra o normal funcionamento das Instituições.
Percebe-se agora a composição da sua lista de apoiantes e os aplausos que a reacção lhe proporciona.
Hoje o repelente Luis Delgado compara-o a um general americano e, reescrevendo a História, atribui-lhe qualidades militares inatas.
O disparate é um produto que podíamos exportar
Manuel Ferrer
Enviar um comentário
<< Home