Pulo do Lobo

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Um mito de cada vez

"O coração humano... pode conter somente uma quantidade limitada de desespero. Uma vez que a esponja fique saturada, o mar pode passar sobre ele sem que uma outra gota sequer entre”.
Victor Hugo



Bem me queria parecer que dois mitos de uma só vez talvez fosse demasiado. E se é verdade que o argumento da conjuntura passou relativamente bem (vá lá, meus caros, o preço do dólar e do petróleo é como o sol, quando nasce, nasce para todos; e o argumento da redução da dívida por via de algum dinheiro das privatizações, para além de ser algo que julgo decorrer da lei, só pode ser um elogio, certo?), já o argumento dos fundos europeus levantou outro tipo de dúvidas e, quanto a elas, quatro notas:

1. A questão preços correntes vs preços constantes não é de modo algum essencial ao argumento na medida em que não o altera. Cada vez que passamos de um Quadro Comunitário de Apoio (QCA) para outro, falamos de um espaço de anos relativamente próximo e onde não existia propriamente hiperinflação...

2. A medição dos QCA em percentagem do PIB é um argumento importante. Lembro-me muito bem de Cavaco o levantar em relação ao "sucesso" do QCA III negociado por António Guterres, em que este esgrimia a quantidade e Cavaco o impacto relativo em percentagem do PIB. Muito bem, mas medir os QCA's em percentagem do PIB é deixar cair a questão do volume do fluxo (volume esse que o meu post refutou), e entrar numa nova discussão que, mais uma vez, não altera o argumento. Vamos então às percentagens:

«Between 1989 and 2006, Portugal will receive nearly € 50 M of Structural and Cohesion Funds: € 9.4 M between 1989 and 1993, € 17.6 M between 1994 and 1999 and € 22.8 M during the current period. Community transfers account for an annual average of 3% of GDP and 7% of the country’s total investment.» Link



Evaluating the economic impact of Cohesion Policies:

Total CSF expenditure as % of GDP



O gráfico retrata uma realidade que tende a puxar o valor médio mais para 3% do que para 4%, embora visualmente não seja assim tão explícito.

Aqui, Abel Mateus calcula que o QCA I correspondeu a 3% do PIB, e o QCA II a 4%. Outro tipo de medições dos três QCA's podem ser lidas aqui, indo as conclusões no mesmo sentido.


3. Convém recordar que Cavaco governa desde 1985, antes da entrada do I QCA, em 1989. Nas palavras do próprio:

«Todo este trabalho de estabilização e de reformas estruturais foi acompanhado por um vasto programa de investimentos em infra-estruturas e apoio às actividades produtivas que, nomeadamente a partir de 1989, contou com um considerável contributo dos fundos estruturais da Comunidade Europeia. O I QCA, cobrindo o período 1989-93, permitiu a realização de importantes investimentos, fundamentalmente em construção de infra-estruturas (transportes, comunicações e energia), valorização dos recursos humanos e apoio à modernização dos sectores produtivos»

Não é por acaso que os relatórios internacionais citados começam a avaliação do impacto dos fundos a partir de 1989. Quando no anterior post se fazem as contas segundo os QCA, não é por revisionismo.

Dito isto, relembro o argumento de sempre: não é nem a conjuntura nem o influxo de fundos europeus que justifica o crescimento acima da média da UE durante os anos Cavaco face aos que lhe sucederam.

4. Com estes dois posts penso já ter dado para o peditório de desmontar algum revisionismo. A partir de agora volto a dar para o de sempre: O que está em causa nestas eleições não é uma reavaliação do passado, mas antes problemas que são tão concretos quanto delicados, e é sobre eles que pretendo continuar a escrever.

11 Comments:

  • At 2:41 da tarde, Blogger el s (pc) said…

    Quem fala sobre o que não sabe diz o que não deve.
    Em primeiro lugar o I QCA foi uma medida de Jacques Delors para ordenar toda a politica de trasnfrencia de fundos da CEE (mais tarde UE). Desta forma teria-se trasferencias negociadas por prazos relativamente alargados e evitava-se a discussao permanente no Orcamento da UE de quanto se transferia para os paises da coesao.
    Aqui se pode ler a historia dos structural funds (http://europa.eu.int/comm/regional_policy/funds/prord/prords/history_en.htm). A dificuldade em saber o valor dos fundos pre-1989 é que estes eram dividios pela ERDF, ESF, EAGGF e FIFG. (Ver: http://europa.eu.int/comm/regional_policy/funds/prord/sf_en.htm) e a sua contabilizacao é dificil, embora fosse possivel.
    Mas q havia fundos em 1986 havia.

    Agora vamos aos argumentos expostos:
    1 precos constantes e correntes. A verdade é que nao houve hiperinflacao, mas no inicio da decad de noventa a inflacao portuguesa ainda era de cerca de 5 a 10% por cento. Facamos 5%. Ao fim de 5 temos um aumento de 27%. Se tentar submeter algum estudo com precos correntes para publicacao cientifica pode ter a certeza que é rejeitado.

    2. Quanto ao grafico apresentado faltam demasiados anos (95,96,97,98) por exemplo.

    3. Pode sempre ver no meu site o cresimento do PIB per capita em termos reais desde 1970 ate 2001 e a explicacao que o acompanha.
    (blogdelsniper.blogspot.com)

    PS: Ao Afonso Henriques, eu nao insulto ninguem neste site, nao estou nem a favor nem contra Cavaco ter sido bom ou mau PM, mas estou contra a manipulacao de dados, pelos dois lados, para tentarem adoçar a realidade. (se só recorre ao insulto é pelo falta de argumentos).

     
  • At 4:50 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    "eu nao insulto ninguem neste site, nao estou nem a favor nem contra Cavaco ter sido bom ou mau PM, mas estou contra a manipulacao de dados"

    Acusar de manipulação de dados é um insulto bem claro. E você já acusou 2 pessoas (com nome e apelido) neste blogue de o fazerem. Você escreve debaixo de anonimato, talvez não ligue tanto a estes pormenores, mas garanto-lhe que se escrevesse com nome e apelido certamente iria ter um pouco mais de calma.

    Agradeço o post no seu blog. "Argumentar" como você "argumenta" que a governação Guterres é igual em performance à de Cavaco ajuda a mostrar um pouco mais o seu posicionamento político.

    Conheço muito bem quer as datas, quer os fundos que cita. O estudo do impacto dos fundos em PT é importante após 1989, após o I QCA. Até nos links que fornece (e que eu já conhecia) está explícito isso mesmo, quer em valor (duplicação dos fundos estruturais por Delors em 1988), quer no tipo de fundos (criação do fundo de coesão em 94).

    É sobretudo importante perceber que em termos de crescimento acima da média, não basta perceber se temos acesso ao fundo A e recebemos 1$, se a França também tiver e receber 1$. Aquilo que seria mais importante é o acesso a fundos que mais ninguém (dos mais ricos) tem. Se é verdade que podemos ter estes dados em volume, concordo que para taxas de crescimento podemos servir-nos do impacto relativo destes no PIB de cada país. E este estudo é feito a partir de 1989 não por especial dificuldade (os dados estão mais que registados), mas por uma opção clara sobre a sua relevância, ou você acha que toda a pesquisa internacional é feita por perguiçosos ou revisionistas que não se preocupam com 86,87 e 88?

    Um blogue não é uma publicação científica. Isto não é um argumento para fugir a algum rigor, caso contrário não teria feito o 2º post, mas não percebo a insistência, entre outros, no tema dos preços correntes vs constantes quando:
    1. Não alteram o argumento.
    2. Já tem os dados em percentagem do PIB. Siga o link do DPP e tem lá os anos todos.

    Você está a insistir em meia dúzia de detalhes discutíveis que não alteram em nada o argumento, sendo que não percebo muito bem qual a sua motivação.

    Argumenta que debate igualmente todos os candidatos, mas recordo-lhe que esta discussão teve origem num post meu contrariando um outro no Super-Mário. Quantas linhas é que você escreveu sobre o post original?

     
  • At 9:46 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    1 - Em primeiro lugar, acusar de manipular dados nao é um insulto pessoal (não o chamei asno, nem ignorante, nem burro), acusei-o de q se usa os dados 'convenientes', : como por exemplo dividir os fundos de 89 a 95 pelos anos de 86 a 95, isto é uma clara manipulação. Se conhece os sites sabe que está escrito que em 86 acordou-se transferir para Espanha e Portugal 6.6 milhoes de euros como ajuda de ingresso. Esses valores não aparecem em lado nenhum nas suas considerações pq simplesmente não são reportados como parte dos fundos estruturais.

    2 - Se olhar o meu blog, pode ver q me insurgi contra o super mario e os pseudo cultos (o que me valeu igual reacção do outro lado), isto a propósito de Thomas More e Thomas Mann.

    3 - Elogiei-os por terem comentários, ao contrário do super-mário que várias vezes critiquei e os chamei menos democráticos.

    3 - Não se faz a análise para os anos pré 89 por uma razão simples: é dificil distinguir o que é fundo de apoio a regiões menos favorecidas das trasnferÊncias normais feitas dentro do orcamento da UE, ou pensa q a Grécia e a Irlanda só receberam fundos depois de 1989? Antes as contas não eram claras, não se percebe bem o que é o quê. É até por causa disso que Delors institui os QCA, para estes fundos terem regras bem definidas e só a partir daí é que há dados realmente concretos.

    4 - Como explica que após o impacto da adesão os crescimentos não são muito difrentes dos de Guterres?

    4 - Quanto ao indice de desnvolvimento humano, ele varia pq as variáveis de base estão sujeitas a variação. Este blog não usou o último relatório mas o mais conveniente (até podia ser por ignorancia), mas foi o mais conveniente.

    5 - Uso o anonimato por uma simples razão: em Portugal as pessoas são mesquinhas e vingativas, não aceitam trocas de opinião mais azedas e levam tudo muito a peito e como ofensa pessoal, logo se quero ser mais duro... ...mas sabe q já prometi sair do anonimato lá para Abril. Espere e veja.

    sniper

     
  • At 10:00 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Só mais uma coisa, eu sei que se chama Manuel Pinheiro, mas para mim é tão anónimo como qq outra pessoa: sem foto, sem cv, ninguém sabe quem é. Por acaso já tentei espiolhar o google com o seu nome, mas, ficaram-me mais interrogações do que certezas. Se é um nome que procura pode chamar-me Pacheco Castanheira.

    sniper

     
  • At 9:24 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Eu tenho nome e não tenho os problemas do sniper, mas querer misturar argumentos políticos com má economia é criticável. O Manuel Pinheiro diz que não percebe a insistência na questão dos preços constantes e diz que não houve hiperinflacão. Pois não houve, mas se calcular a inflação média (homóloga) para o consulado cavaquista (Outubro de 1985 a Setembro de 1995) verifica que é cerca de 10%. Se durante 10 anos o Manuel Pinheiro vir os preços a crescer à média de 10% e o seu salário constante, verificará que, mesmo sem hiperinflação, provavelmente nem uma bica comprava ao fim de 10 anos. Se não percebe a importância de comparações a preços constantes, então não entre neste terreno. Pode, por exemplo, conultar o seu colega de blog, o Fernando Alexandre, que é um bom economista.

     
  • At 4:04 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    "volume de fluxo" é uma grandeza que não existe em nenhum espaço de definição matemática!

     
  • At 7:55 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Vasco,

    Talvez não me tenha feito entender:

    1. Não argumento que os preços correntes vs constantes seja irrelevante. Digo que não é relevante face ao argumento na medida em que não o altera. Percebe a diferença? Digo também que não é especialmente relevante cada vez que se salta de um QCA para o outro (o que é diferente de uma década).

    2. As contas citadas por mim foram fornecidas por um leitor (cujos valores verifiquei). Fiz um copy-paste com a noção absoluta que não estavam a preços constantes e que o impacto em percentagem do pib não constava.

    3. O post refutava um argumento sobre volumes de fluxos. O contra-argumento era quantitativo (e é igualmente válido a preços constantes).

    4. Fiz um segundo post qualitativo. Diga lá onde é que está a má economia e onde é que o argumento de fundo, que você insiste em não querer discutir, é alterado.

    5. Consulte então com a pessoa que me sugere e pergunte-lhe então se o crescimento acima da média da UE com Cavaco tem a explicação que os posts refutaram.

     
  • At 10:45 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Caro Manuel

    "Point taken". Discutamos então o argumento. Diga-me se não concorda com o seguinte: o problema fundamental da economia portuguesa no processo de convergência com a UE é a volatilidade do seu ciclo económico. Ou seja, se a fase do ciclo é de expansão, crescemos acima da média, se é de recessão, esta é mais grave em Portugal. Isto porque somos uma pequena economia aberta, em reestrutração e com um grande peso dos sectores tradicionais nas exportações. Se o crescimento europeu estagna (é aqui que está o motor da nossa economia, não no G7), não pode haver convergência, independentemente de quem for Primeiro-Ministro. É um problema de "deep parameters" da economia portuguesa, não de política. Por isso, refuto claramente o argumento de que houve um "efeito Cavaco" no seu consulado. Mas, se quanto a si, houve esse efeito, talvez fosse clarificador para o debate explicar os mecanismos concretos desse desempenho, e que, na sua opinião, foram posteriormente "aniquilados".
    Cumprimentos

     
  • At 11:02 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Vasco,

    Como diria a f. (do Glória Fácil), now you're talking business.

    Remeto para mais tarde algumas respostas em post.

    Manuel P.

     
  • At 1:20 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Caro Manuel

    Devo tambem reconhecer que esta discussao extravasa o que esta em causa nas eleicoes. Foi essa entrada em terrenos mais escorregadios que me levou a fazer os comentarios.
    Renovo os cumprimentos

     
  • At 12:01 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Vasco,

    Tem razão quanto à relevância (ou à falta dela) do aprofundar da questão face às actuais eleições.

    Pretendendo não desviar o objectivo deste blogue, remeto então esta discussão para uma próxima oportunidade (provavelmente só depois das eleições) no meu outro blog.

    Cumprimentos,
    Manuel P.

     

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