Extinção
Tivémos ontem mais uma vez que ouvir o doutor Mário Soares a dizer "sinto-me bem é com o povo". A mentira é e não é o mais importante. Ao contrário da maior parte dos totós que o apoiam, ele sabe que existe uma deselegante diferença entre o sentir-se bem e o dar-se bem, e é por isso que só está com o povo quando precisa das cruzinhas dele.
Deixando de lado a definição de "povo", que ninguém - como aliás acontece com a palavra "trabalhador" - tem a preocupação de tentar perceber e minimamente definir para além do "ganhar menos de 1000 euros por mês" e gritar aos ouvidos de uma pessoa, o doutor Mário Soares desde muito cedo percebeu que o povo é um aglomerado destestável, mas que por inteligência, acasos da vida e do corpo com que nasceu, se dá muito bem com ele. O doutor Mário Soares sabe não só que o povo é efectivamente detestável como sabe também que o povo sabe que é inexoravelmente detestável, e que nem o povo se sente bem com ele próprio, apesar de se dar (a espaços) muito bem entre si.
Há aqui um double-doublespeak, ou tetraspeak, até hoje, e assumindo que o doutor Mário Soares perde estas eleições para o professor doutor Aníbal Cavaco Silva, de efeito absolutamente benigno: o doutor Mário Soares diz uma mini-verdade e comporta-se de acordo com ela quando o seu interesse político assim o exige, dando cumprimento à dramaturgia que todos os mecanismos democráticos necessariamente exigem, e que o povo, inteligentemente (para variar), muito bem compreende e com agrado acolhe, representando o seu papel tal qual sir Lawrence Olivier: nomeadamente fingindo de seu lado acreditar que o doutor Mário Soares se sente mesmo bem rodeado de milhares de manfios a tentarem abrir-lhe a cabeça com martelos de plástico.
Ambos os lados deitam-se de amores um pelo outro sem sairem dos seus papeis, mas ambos também na consciência plena e mútua de que a realidade é só uma: o doutor Mário Soares não se sente bem com o povo nem o povo gostaria do doutor Mário Soares se o doutor Mário Soares se sentisse com o povo. Os dois lados discursam com orgulho e aparente carinho sobre uma real realidade de que efectivamente não gostam e que se esforçam com arte nunca vista por dissimular, mas ambos, sinceramente, por portas travessas, lutam para que as coisas se modifiquem, ou seja, que o povo se extinga.
A nuvem ao mesmo tempo mais opaca e mais translúcida (doublerefraction) do Super-Mário, o Ivan Nunes, diz que o professor doutor Anibal Cavaco Silva utilizou de doublespeak na enfadonha questão dos cruxifixos nas escolas, afirmando que o nosso professor não verbaliza exactamente o que de facto está a querer dizer para conseguir agradar a todos, ao mesmo tempo que pisca o olho a quem o Super-Ivan mais detesta, e que ele, de modo pouco relevante para a questão, imediatamente decide que é a defendida pelo professor doutor Aníbal Cavaco Silva.
Eu acho que o Super-Ivan tem razão. Mas eu acho também que o professor doutor Anibal Cavaco Silva ainda tem muito que aprender com o doutor Mário Soares. Nomeadamente, no apuraramento da técnica do doublespeak, dando-lhe a voltinha, essa sim, verdadeiramente "genial": perceber que o lado reaccionário do seu eleitorado tem muito pouco de doublespeak.
Deixando de lado a definição de "povo", que ninguém - como aliás acontece com a palavra "trabalhador" - tem a preocupação de tentar perceber e minimamente definir para além do "ganhar menos de 1000 euros por mês" e gritar aos ouvidos de uma pessoa, o doutor Mário Soares desde muito cedo percebeu que o povo é um aglomerado destestável, mas que por inteligência, acasos da vida e do corpo com que nasceu, se dá muito bem com ele. O doutor Mário Soares sabe não só que o povo é efectivamente detestável como sabe também que o povo sabe que é inexoravelmente detestável, e que nem o povo se sente bem com ele próprio, apesar de se dar (a espaços) muito bem entre si.
Há aqui um double-doublespeak, ou tetraspeak, até hoje, e assumindo que o doutor Mário Soares perde estas eleições para o professor doutor Aníbal Cavaco Silva, de efeito absolutamente benigno: o doutor Mário Soares diz uma mini-verdade e comporta-se de acordo com ela quando o seu interesse político assim o exige, dando cumprimento à dramaturgia que todos os mecanismos democráticos necessariamente exigem, e que o povo, inteligentemente (para variar), muito bem compreende e com agrado acolhe, representando o seu papel tal qual sir Lawrence Olivier: nomeadamente fingindo de seu lado acreditar que o doutor Mário Soares se sente mesmo bem rodeado de milhares de manfios a tentarem abrir-lhe a cabeça com martelos de plástico.
Ambos os lados deitam-se de amores um pelo outro sem sairem dos seus papeis, mas ambos também na consciência plena e mútua de que a realidade é só uma: o doutor Mário Soares não se sente bem com o povo nem o povo gostaria do doutor Mário Soares se o doutor Mário Soares se sentisse com o povo. Os dois lados discursam com orgulho e aparente carinho sobre uma real realidade de que efectivamente não gostam e que se esforçam com arte nunca vista por dissimular, mas ambos, sinceramente, por portas travessas, lutam para que as coisas se modifiquem, ou seja, que o povo se extinga.
A nuvem ao mesmo tempo mais opaca e mais translúcida (doublerefraction) do Super-Mário, o Ivan Nunes, diz que o professor doutor Anibal Cavaco Silva utilizou de doublespeak na enfadonha questão dos cruxifixos nas escolas, afirmando que o nosso professor não verbaliza exactamente o que de facto está a querer dizer para conseguir agradar a todos, ao mesmo tempo que pisca o olho a quem o Super-Ivan mais detesta, e que ele, de modo pouco relevante para a questão, imediatamente decide que é a defendida pelo professor doutor Aníbal Cavaco Silva.
Eu acho que o Super-Ivan tem razão. Mas eu acho também que o professor doutor Anibal Cavaco Silva ainda tem muito que aprender com o doutor Mário Soares. Nomeadamente, no apuraramento da técnica do doublespeak, dando-lhe a voltinha, essa sim, verdadeiramente "genial": perceber que o lado reaccionário do seu eleitorado tem muito pouco de doublespeak.
1 Comments:
At 4:09 da tarde, Anónimo said…
Bastou-me ver a primeira palavra do texto para mais nada ler: "tivémos"?!?
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