Pulo do Lobo

segunda-feira, novembro 28, 2005

O Argumento Qualitativo

Continuando então este post:

Discordo frontalmente da teoria que argumenta que a influência de um Presidente face ao actual momento resultaria de um aumento, ou de uma interpretação abusiva, dos seus poderes tal como estão constitucionalmente definidos; no fundo, da tese da presidencialização do regime.

A questão deve ser colocada, na minha opinião, de forma estruturalmente diferente. A influência, se tida como positiva, de um Presidente derivaria de 3 aspectos de igual importância:

1. Qualidade do diagnóstico
2. Consciência das reformas necessárias
3. Definição da natureza da influência e do exercício dos poderes presidenciais face a 1. e 2.

Se é verdade que poderíamos continuar a dissertar imenso à volta da qualidade do diagnóstico e das potenciais soluções preferidas por cada candidato, e isso seria um tremendo argumento a favor de Cavaco, é no ponto 3. onde julgo existirem alguns equívocos de análise.

Argumenta-se então que o Presidente tem um conjunto de poderes bastante restritos e que a sua capacidade real de influência é marginal, pelo que apenas ultrapassando em larga medida o que constitucionalmente lhe seria permitido poderia aumentar o seu impacto.

O meu ponto é precisamente o inverso. O sucesso e, de certa forma, a abrangência do mandato do próximo Presidente resultará sobretudo do reconhecimento e rigoroso respeito pelos poderes presidenciais tal como são compreendidos hoje: limitados. Contraditório?

Não necessariamente, diz-nos Teodora Cardoso, num muito interessante artigo sobre o legado de Alan Greenspan:

«os meios ao dispor da instituição para o exercício do seu poder reduziram-se muito. Isso não impediu, no entanto, que o seu efeito se tenha tornado mais forte que nunca.

Para isso contribuíram decisivamente as características de Greenspan e a forma como soube usar o poder da informação de que dispunha, ímpar tanto em qualidade como em quantidade. A sua forma oracular de comunicação teve uma importância fundamental na influência que exerceu, mas o que sobretudo o caracterizou foi a capacidade de interpretar sem preconceitos um extraordinário volume de informação e de comunicar com enorme rigor as suas conclusões

A presidencialização do regime não é nem desejada nem benéfica. E argumentar, como aqui argumento, que a presidência com Cavaco será um factor positivo que acrescenta em exigência e progresso face ao que temos e ao que nos é proposto em alternativa, não significa que se aspire a um aumento dos poderes presidenciais. O enfoque é estruturalmente distinto; é um argumento qualitativo.

Como relembra Teodora Cardoso:

«A contradição interessante que resulta desta análise é a que leva a concluir que o real exercício do poder e da influência não é o que advém dos instrumentos de que se dispõe, mas sim da capacidade de reconhecer e identificar as suas restrições e de saber usá-la com vista a influenciar o enquadramento que limita o próprio exercício do poder. »


É neste tipo de enquadramento e exercício de poderes que acredito que Cavaco poderá encaixar, mas não basta. O meu voto em Cavaco deriva ainda da qualidade do seu diagnóstico e da sua consciência da necessidade de reformas - e quais reformas. Acredito que Cavaco saberá colocar o Palácio de Belém como um elemento catalisador das mesmas, e que será uma referência de rigor e exigência, com critério, o que implica selectividade das causas, estudo, silêncio e escolha adequada do momento das intervenções.

E quando as suas posições e as do Governo não forem as mesmas, como, por exemplo, a leitura do FED e das várias Administrações dos EUA nem sempre foram, deverá, com o bom senso e inteligência que já demonstrou ter, evitar crises institucionais, servir como um parceiro tão crítico quanto discreto, e apenas em situações absolutamente extremas funcionar como um bloqueio.

Nada de especialmente original, como se constata na leitura do legado de Greenspan, nem é esse o objectivo. Aliás nestas coisas, como em tantas outras, a primeira fase da tradução inglesa do Anna Karenina do Tolstoi diz tudo:

«Happy families are all alike; every unhappy family is unhappy in its own way

Nestas eleições, podemos acertar com Cavaco, ou errar de várias outras formas.

4 Comments:

Enviar um comentário

<< Home