Pulo do Lobo

terça-feira, novembro 29, 2005

Ando a ler a Odisseia de Virgílio

Fico sempre estupefacto quando oiço pessoas falarem de Vasco Pulido Valente como aquele tipo que uma vez, na televisão, não sabia o salário mínimo. Na maior parte dos casos os indignados são criaturas que nunca leram os livros de VPV, não lêem as crónicas, não acompanham o estilo. Mas bastou um lapso, uma omissão, um esquecimento, para que eles desfizessem o homem e declarassem que no fundo, no fundo ele não era nenhum génio e, mais ainda, não era nada. Pode escrever-se sobre a História do século XIX sem conhecer o salário mínimo de um ano do século XX? Não, esses práticos da tolerância cultural, habitualmente mais incultos que as suas vítimas, não admitem. A intolerância traz sempre uma marca de cretinice. Lembro-me de um exame na faculdade em que o meu colega de carteira protestava contra o professor que tinha dito, antes de entregar os enunciados de teste, “alugar um imóvel” em vez de ‘arrendar”. O coitado, ao fim de quinze minutos, estava a entregar a prova. Sabia que não se diz “alugar um imóvel” mas não sabia mais nada. O que nos leva a Cavaco Silva e àquele dia triste para a cultura portuguesa em que Cavaco confundiu Thomas More e Thomas Mann, dois nomes que, como se pode ver, não têm nada a ver um com o outro, não têm sequer palavras idênticas, a mesma aliteração, as mesmas consoantes, dois nomes que qualquer um distingue. Confusões destas não se aceitam. O meu amigo Pedro Mexia que confessava recentemente ter trocado os nomes de Galvão Telles e Cunha Telles bem pode pedir protecção. E eu, que às vezes misturo Tom Wolfe e Thomas Wolfe, ou Henry Green ou Julien Green, ou Ian Banks e Russell Banks, devo ficar no meu lugar esperando a pena. A quantidade de gente que se diz conhecedora da mesa de cabeceira de Cavaco Silva daria para um filme cheio de figuração. Somos todos muito tolerantes, muito complacentes com o erro, muito cultos, muito educados, muito clássicos, lemos “A Utopia”, “Os Buddenbrook”, só nos falta agora aprender coisas mais simples, coisas como a humildade, a moderação no juízo e, se não for pedir muito, uma certa noção do ridículo.

12 Comments:

  • At 5:09 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Brilhante! Continue com os seus posts, que o País precisa de lucidez e frontalidade , nomeadamente com a intolerância reinante e militante

    VFN

     
  • At 7:18 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Fica-lhe muito bem o esforço que anda a fazer para ler os clássicos antigos e em particular a Odisseia de Virgílio, pois entre os seus colegas deste blogue penso que provavelmente só o Pacheco Pereira e Francisco José Viegas, antigos intelectuais de esquerda agora convertidos às "delícias" das novas correntes neo-liberais, terão lido essa obra fundamental da Literatura Clássica, nos antigos 6º. e 7º. anos do Liceu, e tal como eu terão sido submetidos a provas de exames em Latim com extractos dessa obra intemporal.
    Por inerência de uma associação de ideias inevitável, venho recordar-lhe a propósito, que a Odisseia de Virgílio foi uma das maiores fontes de inspiração do nosso imortal Luís de Camões na concepção e na materialização poética da nossa grande epopeia como povo, cantada em versos : Os Lusíadas.
    E a este propósito penso que se é importante ler a Odisseia de Virgílio, não deixa de ser talvez mais importante ler e interpretar Os Lusíadas, para depois saber dizer a quem não sabe que é composto por 10 (dez) cantos.
    É claro que o Presidente da República, seja ele Cavaco Silva ou outro, não é obrigado a saber essas pequenas minudências da chamada "cultura dos intelectuais urbanos e burgueses", mas para quem nunca se engana e raramente tem duvidas, enganar-se no número de cantos dos Lusíadas dizendo que são 9 em vez de 10, e confundir Thomas Mann com Thomas More,estas
    gaffes deixam muito a desejar.
    Depois de ler a Odisseia e acima de tudo Os Lusíadas,cuja leitura lhe recomendo a si e ao seu candidato indefectível Cavaco Silva em particular, as coisas em termos de cultura hão-de melhorar, sendo certo que ainda têm bastante pedra para partir, que é como quem diz muito trabalhinho pela frente.
    Mas como diz o povo, sem trabalho não se consegue nada na vida.
    Assim sendo, "mãos à obra" que se faz tarde.
    E mais vale tarde que nunca, diz aimda o povo.
    E o povo tem (quase) sempre razão.

     
  • At 7:20 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Interessante e oportuno o comentário do Miguel Carvalho na Visão. Valerá a pena darem um "pulo" até lá. Aqui fica o endereço:
    http://visaoonline.clix.pt/default.asp?CpContentId=328485

     
  • At 7:41 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Eu vou já ler a Eneida de Homero.

     
  • At 7:43 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    este zé portugues tem uma piada do caraças... nao vou critica-lo porque isso seria ir contra o espirito do post (que subscrevo a 100%)... mas o titulo deste post, caro zé portugues, era obviamente irónico... porque, como vossa excelencia deveria saber, a Odisseia não foi escrita por Virgílio, mas por Homero (se é que Homero existiu realmente).

    Parabens pelo post caro Pedro Lomba.

     
  • At 9:59 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    o pior do "ser português" é o intlectual (?) como o nosso zé.

    Ah ganda Zé, muito me contas!...

    DS

     
  • At 12:57 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    Acho estranho que perca tanto tempo com estas minudências. O que é que REALMENTE o preocupa?

    JCMégre

     
  • At 2:08 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    também me recordo desse momento e dos intervenientes. parece-me até q mal o bitaite, acertado, foi proferido, seguiu-se a entrega imediata do exame, porventura em protesto.

    aditamento às confusões: nomes de autores e capitais europeias!LOL!

    um abraço
    hsn

     
  • At 1:26 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Como disse um anónimo e estou de acordo, o" pior do ser português" é o "intelectual" como o Zé, no entanto é estranha a forte reacção ao seu infeliz post, porque talvez levado pela pressa em ripostar foi levado à certa pelo título do Pedro Lomba.
    Mas verdadeiramente o que mais me preocupa não é aquele Zé,porque que eu saiba não é candidato presidencial, mas sim uma figura que nós conhecemos muito bem e que se identifica bastante com esse pseudo intelectual Zé Português, que se enganou de facto no número de cantos dos Lusíadas, que confundiu os nomes de Thomas mann com Thomas More, etc.
    Ao Zé Português resta-nos pura e simplesmente ignorá-lo e não lhe dar a importância que realmente não tem, mas ao candidato Cavaco Silva o nosso grau de exigência para com ele deve ser proporcional à importância do cargo a que se candidata, isto é um cargo de representação nacional não só interna como externamente!
    NOBLESSE OBLIGE !

     
  • At 1:58 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Confesso que caí na casca de banana do Pedro Lomba, mas não sou nem tenho pretensões a ser intelectual, identifico-me mais com o Zé Povinho.
    Ah..! Já me esquecia de dizer que podem estar descansados, eu não me vou candidatar à Presidência da República, mas agradeço imenso a importância que me dedicaram tantos intelectuais deste blogue.
    Parafraseando o Diácono Remédios:
    " Num habia nechechidade "!....

     
  • At 11:30 da tarde, Blogger rais said…

    Vivemos num mundo realmente divertido. Temos os que acusam os cavaquistas de sebastianismo e ainda os que procuram o candidato presidencial infalível. A mim pouco me importa que o Presidente da República não saiba que Chopin nunca escreveu concertos para Violino nem seja capaz de fazer a prova dos nove de cabeça. Não espero dos políticos um nível de cultura geral particularmente elevado. Se um décimo deles fossem verdadeiros intelectuais, pessoas sábias, talentosas, com certeza que os debates e as campanhas seriam muito mais interessantes. Mas duvido que isso se traduzisse numa melhor gestão do país.

     
  • At 1:08 da manhã, Anonymous Anónimo said…

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