Declaração de Voto
Sobre Cavaco
(originalmente publicado a 21 de Outubro de 2005)
Em Novembro de 2004, Jorge Sampaio dissolvia a Assembleia da República. Na semana anterior, Cavaco Silva havia escrito o famoso artigo da "boa e má moeda". Achei, na altura, que seria necessário que Cavaco tomasse uma posição, acerca do futuro do seu partido e do país. Que afirmasse, por exemplo, que se o PSD marcasse um Congresso Extraordinário antes das eleições legislativas que se seguiriam, ele se candidataria. Ninguém teria dúvidas que esse Congresso seria imediatamente marcado. E ninguém teria dúvidas acerca de uma eventual vitória de Cavaco sobre Santana Lopes. Cavaco seria hoje Primeiro-Ministro. Um PSD liderado por si venceria o PS de Sócrates. Na altura, eu via com bons olhos este cenário. Achava, como continuo a achar, que Cavaco promoveria algumas das reformas que o país necessita, e não da forma minimalista adoptada pelo actual Governo. Percebo, como aliás perceberia na altura, que essa não fosse a vontade de Cavaco. Achei que, no entanto, deveria ter tomado uma posição. Que deveria ter falado, apoiando outra pessoa, para possibilitar uma mudança na liderança do PSD, para não entregar de mão-beijada o poder ao PS. Por isso escrevi que nunca votaria em Cavaco. Porque o que eu queria era ter podido votar nele nas eleições de Fevereiro. Parvoíce escrita a quente. Em príncipio, votarei Cavaco. Sou um potencial eleitor seu, como não sou de mais nenhum candidato. As razões estão na sua declaração de ontem, conjugada com o próprio percurso político do candidato.
Não nego o carácter estatista de Cavaco Silva. Sei que é responsável pela aberração que é o sistema de remunerações da função pública. Sei do seu apreço por esse mito que é o "investimento público". Mas conheço também as suas declarações em que afirmou que esse modelo era já insustentável. E acima de tudo, reconheço o papel liberalizador que teve na sociedade portuguesa. Dirão que qualquer um o faria. Que a entrada na então CEE tornaria tudo inevitável. Talvez. Mas o que é verdade é que nessa altura, o PS rejeitava ainda a revisão da Constituição, no sentido de anular a "irreversibilidade das nacionalizações". Não é portanto líquido que qualquer tomasse as mesmas opções que Cavaco tomou. E mesmo que fosse, isso não retira o mérito de quem, efectivamente, promoveu essas mudanças.
Cavaco tem consciência que o país precisa de menos Estado. Poderá querer mais Estado do que eu gostaria, mas quer menos do que aquilo que existe. Tem consciência da absoluta necessidade de levar a cabo uma série de profundas reformas. Mais. Tem consciência das tremendas dificuldades que, em democracia, qualquer Governo terá em as levar a cabo. Tem consciência que a crescente desconfiança dos eleitores relativamente à classe política ainda as dificulta mais. Tem consciência que a imagem positiva que hoje em dia uma grande parte do eleitorado tem do seu passado lhe garante a credibilidade que o eleitorado não reconhecerá a muitos mais. Uma imagem que lhe garante as condições, que eventualmente mais ninguém terá, para falar em dificuldades, sem provocar desconfiança e ressentimento.
Este é um elemento a ter em conta. Convém não esquecer o elevado grau de degradação ao qual chegou, não só o sistema político em geral, como este jovem governo em particular. Como o Governo esbanjou a benevolência do eleitorado (e da oposição respeitável) trazida pelas medidas necessárias que implementou, com o anúncio de projectos megalómanos e nomeações de méritos duvidosos. Convém não esquecer como essas medidas são, ainda, insuficientes. Cavaco é, dos vários candidatos, o único que percebe a necessidade dessas reformas. Mário Soares, se tivermos em conta o precedente do seu segundo mandato, aliado ao seu percurso recente, tudo fará para se intrometer em tudo, com a sua agenda de Porto Alegre, a "defesa da utopia", e o "verdadeiro socialismo" (o "verdadeiro PS" que ele acha ter sido afastado por Sócrates). Alegre não é muito diferente. E os outros quererão mais Estado. Só Estado. Cavaco quer menos. E tem a credibilidade que permitirá ajudar a promover essas reformas.
Convém, no entanto, ter em conta que pouco depende da vontade exclusiva de Cavaco. As únicas reformas que poderão avançar serão aquelas que o PS estiver interessado em fazer. Mesmo que Cavaco procure convencer Sócrates da sua necessidade, elas dependerão da vontade deste último. Cavaco não poderá fazer com que o processo reformador ande mais depressa. Ou melhor, poderia. Poderia, se dissolvesse a Assembleia, e permitisse que outro governo com um programa mais liberal tomasse o poder. Cavaco, no entanto, percebe que isto seria contrapoducente, como mostra a sua referência à "importância da estabilidade". Cavaco percebe que mais um mandato legislativo abruptamente terminado antes do prazo apenas contribuiria para uma ainda maior degradação das condições de governabilidade. Percebe que isso contribuiria ainda mais para instalar na cabeça dos eleitores a ideia de que um Governo não recebe
uma legitimidade para quatro anos, fiscalizada pelo Parlamento, e limitada pela lei, mas sim uma legitimidade permanentemente escrutinizada, sempre dependente do favor popular e da interpretação que deste último o Presidente fizer. Percebe que dessa forma, nenhuma reforma realmente significativa poderia ser levada a cabo.
O que poderá então Cavaco fazer? O que nenhum outro candidato fará. Viabilizar as medidas positivas que o Governo pretenda fazer avançar. Bloquear os eventuais despesismos, e rejeitar as nomeações duvidosas. E ajudar a estabilizar o sistema político. Mesmo que eu ache que ele deveria ser mudado, isso não implica que eu deseje o descalabro do dito. Não desejo. O que Cavaco não poderá fazer, será instalar um paraíso liberal em Portugal. Aliás, aqueles que dizem que ele o deveria fazer não desejam que ele o faça. Desejam, isso sim, criar-lhe problemas. Não o pode fazer, porque tal não depende única e exclusivamente da sua vontade. Tal dependeria de um Governo que pensasse da mesma forma. Isto leva-nos a outra questão. Para mudar Portugal, um presidente como Cavaco será uma ajuda. Mas um Governo diferente do de José Sócrates ajudaria muito mais.
Bruno Alves
Caxias
(originalmente publicado a 21 de Outubro de 2005)
Em Novembro de 2004, Jorge Sampaio dissolvia a Assembleia da República. Na semana anterior, Cavaco Silva havia escrito o famoso artigo da "boa e má moeda". Achei, na altura, que seria necessário que Cavaco tomasse uma posição, acerca do futuro do seu partido e do país. Que afirmasse, por exemplo, que se o PSD marcasse um Congresso Extraordinário antes das eleições legislativas que se seguiriam, ele se candidataria. Ninguém teria dúvidas que esse Congresso seria imediatamente marcado. E ninguém teria dúvidas acerca de uma eventual vitória de Cavaco sobre Santana Lopes. Cavaco seria hoje Primeiro-Ministro. Um PSD liderado por si venceria o PS de Sócrates. Na altura, eu via com bons olhos este cenário. Achava, como continuo a achar, que Cavaco promoveria algumas das reformas que o país necessita, e não da forma minimalista adoptada pelo actual Governo. Percebo, como aliás perceberia na altura, que essa não fosse a vontade de Cavaco. Achei que, no entanto, deveria ter tomado uma posição. Que deveria ter falado, apoiando outra pessoa, para possibilitar uma mudança na liderança do PSD, para não entregar de mão-beijada o poder ao PS. Por isso escrevi que nunca votaria em Cavaco. Porque o que eu queria era ter podido votar nele nas eleições de Fevereiro. Parvoíce escrita a quente. Em príncipio, votarei Cavaco. Sou um potencial eleitor seu, como não sou de mais nenhum candidato. As razões estão na sua declaração de ontem, conjugada com o próprio percurso político do candidato.
Não nego o carácter estatista de Cavaco Silva. Sei que é responsável pela aberração que é o sistema de remunerações da função pública. Sei do seu apreço por esse mito que é o "investimento público". Mas conheço também as suas declarações em que afirmou que esse modelo era já insustentável. E acima de tudo, reconheço o papel liberalizador que teve na sociedade portuguesa. Dirão que qualquer um o faria. Que a entrada na então CEE tornaria tudo inevitável. Talvez. Mas o que é verdade é que nessa altura, o PS rejeitava ainda a revisão da Constituição, no sentido de anular a "irreversibilidade das nacionalizações". Não é portanto líquido que qualquer tomasse as mesmas opções que Cavaco tomou. E mesmo que fosse, isso não retira o mérito de quem, efectivamente, promoveu essas mudanças.
Cavaco tem consciência que o país precisa de menos Estado. Poderá querer mais Estado do que eu gostaria, mas quer menos do que aquilo que existe. Tem consciência da absoluta necessidade de levar a cabo uma série de profundas reformas. Mais. Tem consciência das tremendas dificuldades que, em democracia, qualquer Governo terá em as levar a cabo. Tem consciência que a crescente desconfiança dos eleitores relativamente à classe política ainda as dificulta mais. Tem consciência que a imagem positiva que hoje em dia uma grande parte do eleitorado tem do seu passado lhe garante a credibilidade que o eleitorado não reconhecerá a muitos mais. Uma imagem que lhe garante as condições, que eventualmente mais ninguém terá, para falar em dificuldades, sem provocar desconfiança e ressentimento.
Este é um elemento a ter em conta. Convém não esquecer o elevado grau de degradação ao qual chegou, não só o sistema político em geral, como este jovem governo em particular. Como o Governo esbanjou a benevolência do eleitorado (e da oposição respeitável) trazida pelas medidas necessárias que implementou, com o anúncio de projectos megalómanos e nomeações de méritos duvidosos. Convém não esquecer como essas medidas são, ainda, insuficientes. Cavaco é, dos vários candidatos, o único que percebe a necessidade dessas reformas. Mário Soares, se tivermos em conta o precedente do seu segundo mandato, aliado ao seu percurso recente, tudo fará para se intrometer em tudo, com a sua agenda de Porto Alegre, a "defesa da utopia", e o "verdadeiro socialismo" (o "verdadeiro PS" que ele acha ter sido afastado por Sócrates). Alegre não é muito diferente. E os outros quererão mais Estado. Só Estado. Cavaco quer menos. E tem a credibilidade que permitirá ajudar a promover essas reformas.
Convém, no entanto, ter em conta que pouco depende da vontade exclusiva de Cavaco. As únicas reformas que poderão avançar serão aquelas que o PS estiver interessado em fazer. Mesmo que Cavaco procure convencer Sócrates da sua necessidade, elas dependerão da vontade deste último. Cavaco não poderá fazer com que o processo reformador ande mais depressa. Ou melhor, poderia. Poderia, se dissolvesse a Assembleia, e permitisse que outro governo com um programa mais liberal tomasse o poder. Cavaco, no entanto, percebe que isto seria contrapoducente, como mostra a sua referência à "importância da estabilidade". Cavaco percebe que mais um mandato legislativo abruptamente terminado antes do prazo apenas contribuiria para uma ainda maior degradação das condições de governabilidade. Percebe que isso contribuiria ainda mais para instalar na cabeça dos eleitores a ideia de que um Governo não recebe
uma legitimidade para quatro anos, fiscalizada pelo Parlamento, e limitada pela lei, mas sim uma legitimidade permanentemente escrutinizada, sempre dependente do favor popular e da interpretação que deste último o Presidente fizer. Percebe que dessa forma, nenhuma reforma realmente significativa poderia ser levada a cabo.
O que poderá então Cavaco fazer? O que nenhum outro candidato fará. Viabilizar as medidas positivas que o Governo pretenda fazer avançar. Bloquear os eventuais despesismos, e rejeitar as nomeações duvidosas. E ajudar a estabilizar o sistema político. Mesmo que eu ache que ele deveria ser mudado, isso não implica que eu deseje o descalabro do dito. Não desejo. O que Cavaco não poderá fazer, será instalar um paraíso liberal em Portugal. Aliás, aqueles que dizem que ele o deveria fazer não desejam que ele o faça. Desejam, isso sim, criar-lhe problemas. Não o pode fazer, porque tal não depende única e exclusivamente da sua vontade. Tal dependeria de um Governo que pensasse da mesma forma. Isto leva-nos a outra questão. Para mudar Portugal, um presidente como Cavaco será uma ajuda. Mas um Governo diferente do de José Sócrates ajudaria muito mais.
Bruno Alves
Caxias
1 Comments:
At 9:45 da manhã, jcd said…
Em Outubro ainda não havia Pulo.
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