Born on the 25 de Novembro
O nobelist Saramago (nobelist é escritor em sueco) deu ontem uma entrevista ao DN, onde avisou, sem pontos nem vírgulas, que "provavelmente não estará em qualquer evento oficial" com Cavaco Silva, se este for eleito Presidente. A ameaça não é nova. Saramago já a tinha feito antes das legislativas que deram a vitória a Durão Barroso. Não me lembro do pretexto de então, mas desta vez a coisa parece mais séria: o célebre episódio da "censura" ao Evangelho Segundo Jesus Cristo e o horror metafísico de Cavaco "não ter nenhuma ideia do que é a literatura ou a arte". Alguns, maldosos, dirão que Saramago também não sabe muito de história, uma vez que esteve sempre do lado errado da dita, mas isso não constitui impedimento para se candidatar a nobelist. O que é assim a modos que chato é a noção pouco estruturada de democracia, para citar alguém, do nosso laureado. Saramago arroga-se o direito de punir com a sua ausência pública a presença de Cavaco à frente do Estado português. Por outras palavras, entende que o génio que revelaram ao mundo os votos da Academia lhe dá o poder de iluminar por cá os votos dos indígenas.
Já devem ter ouvido falar disto. O intelectual, vanguarda das massas, etc. Aliás, o próprio Saramago se encarrega de recordar que "como escritor, é um produto do 25 de Novembro". Antes, era ditador, perdão, director do mesmo DN, e aplicava o referido génio a sanear alegremente (não é uma piada a ninguém) os descrentes no evangelho segundo Saramago. Foi a contra-revolução que o lançou no desemprego, que é como quem diz na literatura - e na arte, suponho. O Dr. Portas que atenda ao caso: eis mais um espoliado da descomunização. Um homem que se preparava para uma brilhante carreira de censor e acaba censurado quando muda de ofício. Nem o grande Estaline fez tal ao Soljenitsine, um escritor-produto de 1917: não só lhe permitiu lançar-se na literatura enquanto estava no Gulag, como ainda o deixou ganhar o Nobel. Só não sei se o Soljenitsine continuou a ir a cerimónias oficiais.
13 Comments:
At 12:53 da manhã, Tiago Mendes said…
Caro Pedro,
Sabes bem, mas não é demais dizê-lo, que nos une a vontade de ver Cavaco presidente. Isso não me impede de comentar este teu texto, que acho eivado de falácias argumentativas, baseadas quase sempre no preconceito "ad hominem".
1. Afirmas que Saramago AMEAÇOU que "Provavelmente não estarei em qualquer evento oficial com ele." Tu podes ver a coisa obejctivamente ou podes meter todos os sentimentos que nutres pelo homem ao barulho.
Em termos estritamente lógicos, parece compreensível - pelo menos na margem - que o homem não queira aparecer ao lado de quem foi politicamente responsável por um acto de censura, ou o que tu lhe queiras chamar.
A palavra "ameaça" - que não é sinónimo de "aviso" - implica que tu acredites que o acto em causa, caso seja levado a cabo, trará custos ao visado. Ora isso não só não é óbvio, como é ainda menos óbvio quando Cavaco o censurou. Aliás, se leres a resposta abertamente, aceitarás que se "pode" ler a resposta de Saramago como querendo "parcialmente" sugerir que tal hipótese é pouco "provável" também pela improvável vontade que Cavaco possa ter em tal evento.
2. O teu argumento que uma pessoa não sabe nada de história por ter estado do lado errado dela é dum primarismo sem limites. Nem os mais arrojados cientistas-racionalistas-empedernidos teriam tal intrepretação sobre a acção humana - mas ok, era apenas uma "boca".
3. Tu dizes "Saramago arroga-se o direito de punir com a sua ausência pública a presença de Cavaco à frente do Estado português." Misturas aqui 2 coisas: quando muito, Saramago arroga-se:
3.1 O direito a "não comparecer" numa cerimónia do Estado
3.2 O direito a achar que a sua "falta de comparência" é de facto uma "punição", ie., que traz uma perda de bem-estar ao Estado português
Como bom liberal que és, acho que concordarás que 3.1 diz respeito à liberdade de escolha do indivíduo. Que me digas que ela é de certo modo incompatível com a concepção de democracia, tudo bem. Mas o teu argumento deve ter por base a TUA concepção e não a do visado.
Mais: não há razão - para além do facto de a escolha individual ser soberana - para que Saramago sinta qualquer obrigação "formal" perante o Estado português, quando o único acto formal do Estado português (ou pelo menos o mais importante) foi um acto de censura. Em bom português: "quem não se sente, não é filho de boa gente".
3.2 A não ser que queiras uma sociedade big-brotheriana, eu não sei como é que podes não permitir que Saramago possa ter determinados juízos de valor. Cada um tem direito à sua vaidade. E, neste caso, Saramago nem sugeriu tal coisa. Acho que qualquer pessoa que saiba uns pós de psicologia concordará que a atitude de saramago é basicamente "ressentimento", e para isso NÃO entra qualquer cálculo do impacto que ela possa ter nos outros. É mais deontológica que instrumental. O homem não quer ter nada que ver com cerimónias oficiais, ponto final. O impacto pouco importa.
Mas vais mais longe, e dizes:
"entende que o génio que revelaram ao mundo os votos da Academia lhe dá o poder de iluminar por cá os votos dos indígenas."
Tu é que pareces estar: 1) a dar demasiada importancia ao visado, e 2) a tomar os portugueses por parvos. A primeira parece-me cega. A segunda, paternalista. Nem Saramago pretendeu que os seus actos fossem "iluminar" alguém, nem que os portugueses fossem umas bestas (pelo menos não o disse NESTA entrevista).
O facto de ele ter feito o que fez no DN - um facto - não me parece que tenha muito a ver para o caso, isto é, para o ARGUMENTO que tu pretendes fazer. Acho que misturar questoes que nada têm a ver com o assunto e tomar qualquer coisa do ponto de vista "ad hominem", não é muito honesto intelectualmente.
Que tu abomines a ideologia do homem e as barbaridades politicas dele, tudo bem. Eu nisso estou 100% (se não 200%) contigo. Sempre que ele fala de política (falo de ideologia e nao de "politiquice) é de bradar aos céus.
Que tu aches que ele não escreve nada de jeito: estás no teu direito. Eu não o acho, mas isso não interessa para o caso.
O que importa é que NENHUMA destas ques´toes tem qualquer releváncia para o teu argumento (?), que era basear-se numa AMEAÇA que não existiu, simlpesmente porque o CUSTO de tal eventualidde não é óbvio. Ele não se arrogou, na entrevista, do potencial de "punição" da sua EVENTUAL auséncia (ele não exclui isso totalmente).
Mais, mesmo que fosse uma ameaça, mesmo que a punição fosse real, Saramago estava no seu direito de o fazer. Um liberal náo o pode negar - mesmo que a pessoa visada não o merecesse. É isso que distingue alguém vertical dum mero operante de barricada.
Só para terminar: eu não sei se foi o DN que qius entrevistar Saramgo, se foi ele que quis ser entrevistado. O que eu li foi que a entrevista tem várias perguntas, quer sobre a vida dele, quer sobre a actualidade política. A pergunta sobre a eventual presença em actos oficiais é feita directamente pelo jornalista, e não é de modo algum "central" na entrevista.
QUe tu queiras ler a entrevista como um "statement" de Saramago anti-Cavaco, estás no teu direito.
Eu, sinceramente, acho que o teu texto é (mais) um atestado de primarismo anti-Saramago. Ao qual tens todo o direito, claro. Quer do ponto de vista estético, quer político.
Agora o que náo tens é o direito de deturpar as coisas e escrever tantas linhas erguidas sobre falácias táo grandes e tão óbvias.
Náo creio que seja, honestamente, a melhor forma de contribuir para a vitória de Cavaco. Saibamos honrar os aversários. Saibamos ler as coisas sem exageros emocionais nem deturpamentos lógico-argumentativos.
Um abraço,
Tiago Mendes
At 3:53 da manhã, Anónimo said…
Este blog é uma fraude. Porque razão não deixa que os comentários apareçam livremente e os sujeita à censura prévia ? É o medo que o professor Cavaco saia mal na fotografia ? Já percebemos: os fins justificam os meios.
At 12:08 da tarde, AA said…
Caro Pedro Picoito:
Excelente texto— é um verdadeiro regresso da pura política à blogosfera !
(reparo alargado aos restantes participantes deste blogue!)
António Amaral
PS- a moderação dos comentários é estritamente necessária? Não tem sido hábito na blogosfera de Direita...
At 2:11 da tarde, Tiago Mendes said…
Caro Antonio,
Nao leves a mal tomar o teu comentario como provocacao "indirecta" ao meu comentario: pura politica ou pura "politiquice"? Estamos no terreno argumentativo ou meramente de "barricada"? Tmeos razao ou emocao aqui? Temos honestidade intelectual ou meros aritificios esteticos, quase sempre provindos da bilis?
Abraco,
Tiago
At 4:05 da tarde, AA said…
Olá Tiago,
Nada de provocações indirectas; antes de comentar aqui, e de fazer uma referência no A Arte da Fuga, já ontem tinha mandado o link deste post para uma lista de amigos, como o mesmo título ("Delicioso")...
Apesar do texto ter pouco de substancial ou factual, como diatribe anti-Saramago não podia ser mais objectivo, completo e divertido— com o requinte de evitar os habituais lugares-comuns (Cuba, Iraque, etc)....
Não tenho problemas em rever-me na categoria dos "alguns, maldosos"— mas sobretudo não esqueço o que de profundamente anti-democrático Saramago foi dizendo e escrevendo ao longo dos anos, com insuportável sobranceria e absoluta fé em ideologias que a História se encarregou de enterrar, mas que muito prejudicaram Portugal.
De resto, como se dizia de Cunhal (vai sair primarismo anti-comunista), que viva bons e longos anos, e que o desmoronar das suas ilusões o inspire muito para que continue a entreter-nos...
At 4:12 da tarde, Tiago Mendes said…
"PS- a moderação dos comentários é estritamente necessária? Não tem sido hábito na blogosfera de Direita..."
ACho que confundiste procura com oferta, caro Antonio. Certamente que a leitura e' contraria: sendo um blog de direita, a moderacao de comentarios acontece certamente porque ha' por ai muito "boa" gente com vontade de deixar mimos por aqui. Tambem preferia que nao tivesse que ser assim, mas acredito que se foi assim decidido, e' porque o custo alternativo era bem maior.
At 5:11 da tarde, Tiago Mendes said…
Caro ANtonio,
O "provocacao indirecta" nao pressuponha "intencao", mas apenas se baseava no "efeito" do teu comentario :)
Quanto ao "divertido", nao tenho dificuldades em compreender tal. Discordo que ele tenha pouco de "substancial" e "factual". Tem factos e tem substancia - estao e' ambos distorcidos. Alias, imagino que o divertimento venha parcialmente dai, porque restringirmo-nos 'a "razao" e 'a "logica" nao e' propenso a saraivadas de gozacao e achincalhamento pessoal.
Longe de mim achar que tu ou o Pedro, ou quem quer que seja, sejam "maldoso". APenas achei, e estou-me a repetir, que:
1. O texto recorre a falacias varias, e com um tom bastante "serio";
2. Nao me parece que esta seja a melhor forma de "servir" a candidatura de Cavaco.
Tu podes achar divertido, mas eu sinceramente quero crer que o Pedro tinha um objectivo para alem dessa brincadeira. Acho - e nao tenho obviamente qualquer "palavra final" na leitura das suas intencoes, apenas interpreto como posso - que ele queria dar um tom serio e respeitavel ao que disse, para alem do polvilhamento constante de brincadeiras a que tem direito.
Ou seja, acho sinceramente que o teu divetimento e' em parte "nao intencionado", porque leio algo de serio no que o Pedro escreveu. Acho que a jocosidade proporcionada nao vem dum desejo "apenas" de jocosidade, mas muito de ressentimento, bilis, e odio macaco ao "nobelist".
Quanto a 2., tambem ja' o disse e repito que acho que - nao obstante a "brincadeira" ser algo de fundamental na vida e mesmo na politica de vez em quando - nao presta um bom servico nem 'a candidatura, nem a este blogue. Acho ate' que sai fora do tom.
Quanto aos comentarios finais que fazes, eu tambem sou um anti-comunista primario. Mas nao e' por isso que me arrogo o direito de interpretar incorrectamente as declaracoes de certa pessoa. Posso ser um chato do caracas, mas prefiro ser chato e manter o tom do debate do que dizer coisas que tencionam ser mais ou menos serias e nao passam de falacias consecutivas baseadas na emocao e nao na razao.
Isto quase parece uma tempesatade num copo de agua - e de certa forma e'-o. Mas eu tambem acho que a politica precisa nao so' dum novo paradigma em termos de "conteudo", mas tambem dum novo paradigma em termos de "forma". E deabtes pouco civilizados sao apropriados e desejaveis apenas para certos "contextoS" (Noite da la lingua, jantares privados, blogues pessoais, etc) que nao este. E' a minha modesta e sincera opiniao.
Abraco,
At 10:12 da tarde, nikonman said…
Sobre Saramago:
http://pracadarepublica.weblog.com.pt/arquivo/2005_11.html#214099
At 11:52 da tarde, Anónimo said…
Muito caros Tiago e António
Já agora, se vocês não se importassem, também gostava de dizer qualquer coisa. Afinal, fui eu que escrevinhei o que aí vai acima.
1. Sobre os comentários. Realmente, assim foi decidido. Houve uma votação, uma maioria, um resultado. Somos democratas, aceitámo-la todos. Eu se calhar preferia que me insultassem para poder insultar em troca, mas há por cá gente com mais juízo.
2. Sobre as minhas intenções. Tiago, és a única pessoa no mundo que me leva mais a sério do que eu próprio. Se fosses mulher, casava contigo. (Isto era só uma ironia, claro, porque já sou casado e a minha mulher divorciava-se se eu quisesse casar com outra.)
3. Sobre o Saramago.
Confesso que não consegui seguir todos os meandros da tua linha de raciocínio, mas já expliquei porque é que acho o Saramago um escritor inflacionado, comparando-o, por exemplo, com Raduan Nassar. Está na Mão Invisível, não vou repetir. Em todo o caso, não vejo onde é que está o primarismo. Não desgosto de Saramago por ser partidário de regimes ditatoriais e até já manifestei o meu apreço por algumas das suas obras (o Memorial do convento, obviamente). O que eu não suporto (chama-lhe primarismo se quiseres) é esta veneração provinciana que os portugueses têm agora por cada nobel palavra que sai da sua boca divina, seja sobre a Amazónia, o comandante Marcos ou uma suite de Bach. Detesto unanimismos, sobretudo quando vêm no tom oracular do camarada Saramago.
4. Sobre a censura ao Evangelho Segundo Jesus Cristo.
Foi uma decisão idiota, não foi de Cavaco mas de um subsecretário de Estado e não era Cavaco que decidia tudo. Isso só aconteceria no estalinismo ou no salazarismo, os únicos regimes políticos que Saramago conhece bem, mas as democracias não funcionam assim. Censura era o que se passava na união Soviética. Ou no DN, qundo Saramago o dirigiu. Tentar vitimizar-se com o episódio é simplesmente aquilo a que tu, Tiago, chamas politiquice. Tal como a ameaça da ausência, que tem alguns custos para o Estado português. Até consigo imaginar a coisa nos jornais: vejam lá, aquilo em Portugal está tão mal com o Cavaco na Presidência que o Saramago já nem vai a actos oficiais. Tal e qual como se estivesse exilado e como aconteceu a tantos antifascistas... Não dou para esse peditório.
At 1:46 da tarde, Anónimo said…
U luriado çaramago
Xigou à prassa e dixe:
-Ai querem p´ra presidente
Um riaça dum cavaco
I num querem - diz a bíblia! -
Um suares qu'é fixe?
Pois vus digo, c'um carago!
Em nome do cristo jisus
Aquele do ivangelho sigundo:
Não mais estarei prisente
Nesse pobre purtugal,
A num ser particolarmente
Num ivento ofissial!
At 1:06 da tarde, Anónimo said…
O ódio visceral da direita portuguesa contra os valores da democracia tem neste texo mais uma pérola, daquelas que merecem uma moldura, não para andar em bolandas pelos correios como a do Freitas, mas para ser colocada nos anais da história ao lado do "Botas" (não se ofenda por chamr-lhe "Botas"), na secção FASCISMO, hoje vulgarmente branqueada pela lixívia Estado-Novo.
At 3:33 da tarde, Anónimo said…
Botas? Eu? Mas se só uso sandálias hippies compradas nos campos de férias do Bloco de Esquerda...
At 4:39 da manhã, Anónimo said…
Enjoyed a lot! » » »
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