Pulo do Lobo

sábado, dezembro 31, 2005

2011

O João Pinto e Castro deseja-nos boa sorte para 2011. Muito Obrigado. É nosso desejo que o Prof. Cavaco cumpra dois mandatos.
Mas não posso deixar de partilhar com o João uma pequena dúvida. Ao desejar boa sorte aos apoiantes de Cavaco Silva para 2011, é legítimo suspeitar que o João coloca completamente de parte a hipótese de uma eventual candidatura de Mário Soares em 2011. Eu não percebo porquê. Alguém percebe?

sexta-feira, dezembro 30, 2005

Declaração de voto, por Zélia Gil Pinheiro

Uma pequena viagem no tempo para explicar porque voto Cavaco. Comecei a minha vida adulta no final dos anos 80. A democracia era um dado adquirido. Entrava-se numa nova fase da "vida nacional". Havia confiança, emprego, optimismo e respiravam-se ares de modernização: privatizações, boom da comunicação social, rádios e televisão privada. Os antigos cafés fechavam, mas abriam outros, e também bancos e centros comerciais. Faziam-se auto-estradas e projectava-se o Centro Cultural de Belém. Democratizava-se a cultura e o turismo, até aí reservadas às elites. Chegavam os cinemas multiplex e acabava o império do Quarteto. Apareciam os ambientalistas e uma nova industria de entretenimento. Foram os tempos áureos do cavaquismo. O lema era "sair da cauda da Europa". Nada disto se deve a Cavaco, ou só a Cavaco, como é evidente. Mas em parte também se deve a Cavaco.
Foi em 94, se a memória não me falha, que Cavaco decidiu não aprovar o habitual despacho que determinava a tolerância de ponto no dia Carnaval para os funcionários públicos. O Carnaval, ao contrário da Páscoa, do Natal ou do dia da Restauração da Independência, não consta da lista de feriados obrigatórios. Cavaco arriscou romper com a "tradição consolidada", todos os anos invocada para publicar o despacho que oferecia mais um dia de férias e a possibilidade de uma oportuna "ponte". Julgo que terá sido da mesma altura a tentativa de colocar o País no fuso horário continental. O objectivo era permitir mais facilidade nos contactos com as empresas na Europa e, nomeadamente, em Espanha. Os protestos às duas medidas foram imensos. Mas estes gestos, embora falhados, simbolizaram uma coragem para a ruptura com hábitos de decadência instalados. E eles existem.
É disso que precisamos. É uma questão de perfil. Não precisamos de políticos fixes. A Conversa não tem nada a ver com a Política. Não há jackpot do euromilhões para os países. Por isso eu voto Cavaco.

Zélia Gil Pinheiro

Uma Cabala, Meu Reino Por Uma Cabala!

Mário Soares, o homem a quem tudo se perdoa, queixa-se de que a comunicação social não o trata bem. Que só publica fotografias suas de costas, ou com o dedo no nariz, ou rodeado de cadeiras vazias. Vileza que não se deve aos jornalistas, claro, mas a "interesses superiores". A mesma comunicação social que passa por alto o seu trôpego ataque ao "socialista" Ribeiro e Castro, que o entrevista a tempo de editar um livro em plena campanha, que serve aos soaristas para mandar recados ao Governo e que inclui uma TVI controlada por um grupo próximo do PSOE.
É curioso que Manuel Alegre também se queixe do mesmo, como já do mesmo se queixava Santana Lopes. Mas será mesmo do mesmo? Os interessses superiores que perseguem Soares serão os que perseguem Alegre e perseguiram Santana? Ou será uma táctica comum a todos os mesmos - quando se vêem a um mês de perder eleições?

A "instabilidade"

Nos idos de oitenta, por causa da recandidatura de Eanes, berrou-se a plenos pulmões contra o homem por causa da "instabilidade" e foram previstos vários cataclismos no caso de ele ficar. Eanes ganhou contra e apesar desses timoratos e desses profetas. A AD chegou ao fim pelas suas próprias mãos, graças à inépcia de Balsemão e à ambição presidencial de Freitas do Amaral. Depois veio o "bloco central" que pastoreou o país até à emergência de Cavaco na Figueira. Em 1986, o mesmo Eanes, com Zenha, e Cavaco, com Freitas, andaram pelo país a pregar a "instabilidade" se Soares alcançasse Belém. Soares ganhou e a "instabilidade" desvaneceu-se nas duas maiorias absolutas de Cavaco, malgré um segundo mandato mais "picante". Em 1996, Cavaco tentou explicar ao país que Sampaio era demasiado "esquerdista", logo, um potencial factor de "instabilidade". Sampaio ganhou e, quer Guterres, quer Barroso, só não fizeram mais porque eram pura e simplesmente incompetentes. O único acesso de "instabilidade", Santana Lopes, durou uns meses e morreu por causa do próprio. Sampaio, agora de saída, mostrou, afinal, que não passava de um português suave, previsível e "estável". Para 2006, a "esquerda" quer pôr Cavaco, desta vez, no lugar da "instabilidade". Sócrates já deu provas suficientes de que não é alguém fácil de "desestabilizar" e, prudentemente, deixou a candidatura de Soares a falar sozinha contra um Cavaco pseudo-activo e "governamentalista". Não será assim até ao fim da campanha, mas não será certamente muito mais. Se for, significa que não serviram para nada os exemplos dos últimos anos. É que todos os tremendismos anunciados e todos os regabofes prometidos à conta da "instabilidade" foram sempre e amplamente derrotados nas urnas. É só consultar os arquivos.

O Assalto ao Palácio de Inverno

Quando vai ao Alentejo ou ao Barreiro, já se sabe, o agora comunista de rosto humano Jerónimo Jekill solta o realismo soviético do Mr. Hyde de sempre. Ontem, na bela Beja, Jerónimo profetizou que, se "o candidato da direita" vencer, "é o projecto democrático que está em causa". Tem toda a razão: "não podemos esquecer o que Cavaco Silva representa, as forças que o apoiam e o ajuste de contas que procurou fazer com o 25 de Abril durante os dez anos em que foi Primeiro-Ministro".
Eu diria mesmo mais: não podemos esquecer que, no fundo, no fundo, as forças que apoiam Cavaco querem é ajustar contas com 1917.

Pulo do Lobo Recusa Ser Pombo-Correio

Informa-me Costa de que, afinal, o Governo reagiu à Secretaria de Estado de Cavaco. Muito obrigado pela informação, mas não seria melhor dizer qualquer coisa aos "dirigentes da candidatura" de Soares que plantaram a notícia no DN? O braço armado já não comunica com o partido? As coisas vão asim tão mal?

Podem Ficar Com o Resto

Então hoje é sexta-feirazinha, já lá vai uma manhã inteira e o Super-Mário ainda não citou o VPV?
Eu dou uma ajuda:
"O dr. Cavaco tem pleníssimo direito, como particular e candidato, de arejar as fantasias que lhe apetecer. Quer um secretário de Estado? Por que não? O Presidente da República já não pode querer o que lhe vier à cabeça? Sócrates não precisa de o ouvir ou de lhe obedecer. A parte significativa deste ridículo episódio não foi o devaneio do dr. Cavaco, foram as reacções que ele suscitou: o ar grave de Mário Soares, murmúrios na esquerda, o alarme do PS, as críticas dos comentadores, o aviso cautelar dos sábios de Coimbra. Não se percebe."
Claro que este é o único parágrafo que se aproveita, mas podem ficar com o resto.

Ouro, incenso e mirra

Éramos mais de 30 na consoada. A minha família é demasiado civilizada para votar Cavaco. Que me lembre só eu e dois cunhados estamos para aí virados. No sangue do meu clã a coisa tolda-se para a esquerda. Para prevenir que o espírito da quadra não fosse corrompido as Presidenciais ficaram-se por uma ou outra piada entre o perú e a salada de frutas. Mas acima do estômago, lá no íntimo da alma, os meus tios questionavam como ser possível eu, outrora tão politicamente promissor, ir desenhar o x no quadrado do Aníbal.
A eleitoralidade é uma estrada de decepções. Há que mastigar bem a sobremesa e concentrar-nos nas prendinhas. Somos todos generosos quando desenhamos um sorriso no rosto de outrem. Recebi uns livros valentes. Teologia da boa. Alemã. Chata e emancipadora. É uma ironia o cavaquista ter levado os presentes culturalmente mais elevados. Nem só de coerências vive a república.

O fruto proibido

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Sem hesitações

Ontem, na "Quadratura do Círculo", na SIC Notícias, Jorge Coelho, o voluntarista de serviço do PS, expendeu uma tese curiosa sobre o destino aparente dos votos do "centro-esquerda" nas presidenciais. Segundo ele, este eleitorado que terá dado a maioria absoluta a Sócrates em Fevereiro, anda agora indeciso entre os candidatos do PS, designadamente Soares, e Cavaco Silva. Porém, como Coelho acha que "Cavaco está a descer" e que depois do episódio gravíssimo da secretaria de Estado o tal eleitorado terá ficado "assustado" com a perspectiva de um presidente "interventor" e "crispado" (sic), tudo aponta para a transferência de tamanha indignação para o dr. Mário Soares, o "estabilizador". Percebe-se o "whisful thinking" de Jorge Coelho. Contudo e com o devido respeito, deve recordar-se a Coelho duas ou três coisas. Em primeiro lugar, o tal eleitorado que votou no PS e que lhe deu a maioria absoluta, veio tanto do "centro-esquerda" como do "centro-direita". Rejeitou primariamente Santana Lopes e apostou no "social-democrata" Sócrates. Numa palavra, queria rigor e um módico de credibilidade nas instituições. Em segundo lugar, este eleitorado desconfia, por natureza, da bondade da candidatura de Mário Soares e, de certeza, não encontra nela o paralelo rigor - agora, "presidencial" - que o levou a optar por Sócrates. A prova disso anda nos "estudos" e "sondagens" nos quais, mesmo nas melhores hipóteses, Soares não chega a metade das intenções de voto manifestadas a Sócrates. Finalmente, a sensibilidade desse eleitorado, claramente preocupado como o futuro imediato e com a chamada "vida material", não é surpreendível pelos "contos de terror" anunciados pelas candidaturas ditas de "esquerda", a começar pela de Soares. A isso, preferirá sempre aquele que lhe garanta, se possível, ainda mais rigor e mais segurança. Dito de outra maneira, alguém que, sem abdicar da sua legitimidade democrática, não faça ao engº Sócrates aquilo que Soares andou, no último mandato, alegremente a fazer ao primeiro-ministro a partir dos jardins de Belém. Ou seja, em matéria de credibilidade e de confiança, esse eleitorado que tanto entusiasma Jorge Coelho, não deverá hesitar.

O Spin que Virou Twist

O DN de hoje traz uma notícia intitulada "Soaristas tentaram que o Governo reagisse a Cavaco" (p. 12) a propósito da sugestão de criar uma Secretaria de Estado para as empresas estrangeiras. A notícia é tanto mais espantosa quanto tem origem expressa em "dirigentes da candidatura" soarista, o que nos poupará ao piedoso desmentido. Aqui é clarinho quem quis mandar recados a quem.
E o que mandam os recados? "Esta era a melhor oportunidade para o Governo denunciar os riscos da eleição de Cavaco Silva", disse ao DN um membro da comissão política de Soares, que defendia a intervenção de um ministro, mesmo que falasse na qualidade de dirigente partidário. (...) "Pelo menos o ministro da Economia devia ter desautorizado Cavaco Silva", comentava ontem um soarista."
Ou seja, a candidatura de Soares arroga-se o direito de impor ao Governo e a um ministro concreto, pelas páginas de um jornal, o comportamento face a outros candidatos. Nada mal para quem acusa Cavaco de "intrometência" (a palavra é do cultíssimo Soares).
Mais espantoso ainda. Não satisfeitos com tal amostra de caudilhismo, os spindoctors de Nafarros atribuem "a atitude do Executivo à ausência de Sócrates. "Na direccção do PS, ele é o mais empenhado nesta candidatura." E também há quem, entre os soaristas, veja nesta "passividade" o reconhecimento de que Cavaco estará muito perto de ser eleito."
Eu até pasmo com a inocência.
Ficamos, portanto, a saber pelos soaristas que
1) a direcção do PS está tão dividida nas presidenciais que, se Sócrates vai de férias, ninguém mexe uma palha;
2) a direcção do PS já se resignou à vitória de Cavaco.
Os soaristas são como o Deus de Voltaire: se não existissem, teriam de ser inventados.

Pesos e Medidas

Mesmo em campanha presidencial, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã já criticaram os aumentos de 1,5% para a função pública em 2006.
É impressão minha ou estão a intrometer-se nas competências do governo?
É impressão minha ou ninguém está preocupado com isso?

O medo

"Ora, o que a candidatura de Cavaco (para temor de soaristas e de cavaquistas) vem fazer, no fundo, independentemente de si mesmo, é interromper um ciclo conservador onde o "republicanismo" se sobrepõe aos "valores republicanos" e onde as manobras de bastidor são sempre mais importantes do que a clareza das ideias que se exprimem. Ao acusarem Cavaco de todas as ignomínias apenas porque ele se limitou a sugerir uma medida da mais elementar eficácia governativa (que ninguém discutiu, de resto), os seus adversários apressaram-se a acenar com banalidades e com a existência de "indícios", mostrando claramente o seu jogo: a aposta no medo.
A penosa campanha eleitoral em curso, longa de mais, mostrará até ao fim esse tom de dramatização e de perseguição populista, de insinuação. Por detrás disso está o medo. Não o medo de Cavaco, mas o medo da própria democracia e do jogo claro que ela devia impor e tornar necessário. De dedinho espetado, indignado, esse medo é que é perigoso e reaccionário. E, além do mais, pretende fazer dos portugueses gente sem discernimento ou inteligência."

Francisco José Viegas, no JN de hoje

A mistificação

A querela presidencial continua a ser mistificada pelos apoiantes de Soares. Devo dizer que tenho alguma dificuldade em compreender quem acusa Cavaco Silva de não ter perfil para ser Presidente e nunca levantou um dedo com estes exemplos de ingerência de Jorge Sampaio no Governo, que o Rodrigo Moita de Deus recolheu há tempos no Acidental. Esse Sampaio, como Soares antes dele, era um subversivo. Sampaio é muitas vezes apontado como um intérprete minimalista das funções presidenciais. E todavia isso não o impediu de fazer, com apreciável tranquilidade para o regime, todas estas recomendações ao Governo. Se em vez de Jorge Sampaio tivesse sido Cavaco Silva a fazê-las, seria acusado de querer um golpe de estado. Os comunistas é que têm razão: Portugal é uma democracia imperfeita.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

O Complexo de Caim

Terá Freud escrito alguma vez sobre o complexo do irmão mais novo? Deixo a dúvida ao Filipe Nunes Vicente. Se alguém quiser aprofundar a coisa, sugiro um nome: complexo de Caim. Ao contrário dos Édipos e Electras do costume, este vem da tradição bíblica e não da mitologia clássica. (Oxalá o João Macdonald não aproveite o deslize para me chamar bibliocrata.)
Nas presidenciais, o complexo de Caim afecta por igual os dois candidatos socialistas. Só não sei quem é quem. Alegre chegou primeiro, mas Soares, como Abel, ganhou o afecto do pai Sócrates. Nos últimos tempos, porém, Alegre tem feito de Abel, queixando-se do "medo" e das ameaças do irmão.
As sondagens complicam a exegese: as da bíblia Expresso dizem que Caim é Soares, as da bíblia Diário de Notícias dizem que é Alegre. Crentes e não crentes, todos esperamos o apocalipse de 22 de Janeiro para conhecer o fim da história. Embora desconfiemos que nenhum deles chegará a Belém. Belém é no Novo Testamento.

Debate político

Grande alvoroço pela sugestão de Cavaco: um secretário de Estado para acompanhar as empresas estrangeiras em Portugal.
Não se chegou a discutir a proposta, nem o problema económico que é real.
Muita indignação, muito facto político, quase nenhuma profundidade.
Pobreza do debate político em Portugal e a comunicação social não ajuda.
Reafirmo. Não estão em causa as instituições.
Não há nenhum golpe de Estado presidencial em curso.
A política e as instituições servem para resolver problemas reais: estagnação económica, desemprego.
Alguma esquerda ainda não percebeu isto.

A Mulher, a Mãe, a Tia, a Sogra e a Amante de César

Vai por aí grande foguetório à conta da sugestão de Cavaco de que se crie uma Secretaria de Estado para acompanhar as empresas estrangeiras. Se o homem fica pelas curiais generalidades, aqui d`el rei que não diz nada. Se apresenta propostas concretas, aqui d`el rei que diz a mais. Decidam-se.
Curiosamente, o repúdio do alvitre cavaquista faz o pleno dos candidatos de esquerda. Há falta de memória, mas não falta de vergonha. O mesmo Alegre que alerta para o risco de "governamentalização da Presidência" ameaçou, há dias, dissolver o Parlamento se algum Governo se atrevesse a privatizar a água. Jerónimo e Louçã, que agora acusam Cavaco de se intrometer nas competências do Executivo, defenderam já várias vezes a nossa saída da NATO - por certo com o acordo de Sócrates. Quanto a Soares... Bem, Soares propõe-se explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios uma vez na Presidência, mas foi ele a verdadeira oposição a Cavaco quando este era Primeiro-Ministro. Cavaco fazia o discurso do "oásis", Soares fazia congressos e presidências abertas sobre palmeiras mortas. Cavaco aumentava as portagens da ponte 25 de Abril, Soares apelava ao "direito à indignação". Etc.
E vêm tão contemplativos senhores arguir Cavaco de presidencialismo? Por favor, camaradas, respeitem a nossa inteligência.

terça-feira, dezembro 27, 2005

Intriga constitucional

Na SIC-N, oiço que Soares convocou uma conferência de imprensa para comentar a entrevista de Cavaco ao JN. Perco dois minutos a pensar nisto. Dois minutos perenes, dedicados. Uma conferência de imprensa para comentar declarações de um candidato. Haverá razões sérias para tamanho alvoroço? Os candidatos são todos muito zelosos e orleanistas, muito senhores das suas palavras quando falam dos «poderes do presidente». Esquecem, ou fingem esquecer, que o maior poder no Presidente é o poder informal. Se visitarmos o site da juventude soarista podemos ler, como lembra o João Miranda, as propostas mais concretas desta campanha. Vem com isso algum mal ao mundo? Não vem. São precisas conferências de imprensa para denunciar a deriva sidonista que parece seduzir 20% do país? A noção de ridículo diz-nos que não. Mas com Soares não é assim. Nunca foi. Desde muito cedo percebeu que em eleições vale tudo para ganhar. Alarmismos, incursões históricas, revisionismos torpes. Luz, câmara, acção. Um tom grave e imperturbável. Um homem preocupado com o país. Com o sistema de Governo. Com a Constituição. As câmaras mostram Severiano Teixeira. Um político esmerado. Um pau-mandado nessa grande farsa que se chama a intriga constitucional.

Nas Palhas de Belém Esquecido

Há que reconhecer que não se tem falado muito de cultura na campanha presidencial, a não ser que pelo nome entendamos as estimáveis odes do Quadrado ou o francês e o piano do dr. Soares. Tirando esta iniciação aos clássicos, nada se disse até agora sobre o que pode vir a fazer um Presidente ou o que já fizeram os candidatos em tal matéria.
Daí o interesse da entrevista que a Ministra da Cultura deu ao Expresso na última Sexta-feira. A páginas tantas, como é da praxe, Isabel Pires de Lima queixa-se de que "o desinvestimento na área da cultura durante décadas foi enorme - estamos confrontados com equipamentos em degradação, fechados, incapacitados". A crítica, com a longa farpa do durante décadas, destinava-se talvez a todos os governos da República desde António Ferro. Sim, sim, mesmo aos do PS e até mesmo (I presume) aos do dr. Soares. Nada de novo: a célebre escassez de meios é um lugar-comum de quem ocupa o lugar. Para meu espanto, contudo, a Ministra declara um pouco à frente que o CCB "é uma estrutura extraordinária, a estrutura com mais potencialidades existente em Portugal no campo das artes, embora precise de saber explorar de uma forma eficaz essas potencialidades".
Confesso que fiquei baralhado. O CCB? O Centro Cultural de Belém? Aquele monstro de betão que muita gente no partido do dr. Soares classificava de megalomania, elefante branco, prioridade absurda? Então agora o problema reside em não saber explorar eficazmente as suas extraordinárias potencialidades? E o desinvestimento não tinha sido durante décadas?
Só depois me lembrei. O CCB foi construído durante as últimas décadas, está certo. Mas na década errada: a dos governos de Cavaco Silva.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Ler

Os três posts mais recentes de Pedro Magalhães sobre as sondagens, "Actualização", "Dispersão" e "Tendências". "Assim, em síntese: 1. Sinais muito claros de subida para Soares, com dispersão grandemente explicada pela passagem do tempo; 2. Sinais claros de descida para Alegre; 3. Estabilidade genérica para Jerónimo e Louçã, mas maior incerteza para o segundo; 4. Incógnita (e, à falta de melhor, estabilidade) para Cavaco." "O maior nível de incerteza existe em relação às intenções válidas de voto em Mário Soares, cujos resultados exibem disparidades muito superiores ao que seria de esperar tendo apenas em conta o erro amostral associado às várias estimativas. Apesar da variação nos resultados de Cavaco Silva ser, em absoluto, igualmente grande, ela é bastante menos significativa, tendo em conta que se estão a estimar resultados mais próximos dos 50%." "Aquilo que a sondagem [da SIC, de 23 de Dezembro] diz é que, tendo apenas em conta a margem de erro amostral, a inferência para o universo é que Cavaco terá neste momento entre 49% e 55% de intenções de votos válidas." Em suma, e em geral, parece que estamos de acordo.

Roma Não Paga a Traidores

E por falar no VPV (desculpem lá a confiança, mas isso do "respeitinho" é salazarista), o nosso coblogger João Gonçalves conseguiu a proeza de ser mais citado do que ele no Super-Mário durante o fim-de-semana. Espírito natalício? Não! O que provocou as super-citações foi o facto de o João (ele que me desculpe a confiança, mas isso do "respeitinho" etc.) ter confessado o voto em Soares em 86 e 91, em Sócrates nas recentes legislativas e em Cavaco no próximo mês de Janeiro. No mundo arrumadinho dos soaristas, onde os votos do PSD e do PP são para Cavaco, os do PS para Soares, os do PCP e do Bloco também para Soares (na segunda volta) e os dos frequentadores da livraria Ler Devagar para Manuel Alegre, exemplos como os do camarada Gonçalves passam por fenómenos do Entroncamento.
O choque nada teria de preocupante, se não tivesse consequências. O PS não gosta de votos à solta, pelo menos os seus (os limianos são outra história). Mas Roma não paga a traidores, avisou uma vez o evangélico Guterres. Quem se mete com o PS leva, repetiu o menos evangélico Coelho. Manuel Alegre devia desfiliar-se do PS, prosseguiu Soares. João Gonçalves baralha-nos, queixa-se a estimável concorrência.
Não se trata de uma questão individual: é um modo de ver a política. No mundo arrumadinho dos soaristas, toda a gente pertence a uma - e só uma - tribo. Republicanos, socialistas e laicos. Comunistas da Internacional soviética. Fascistas façanhudos. Pacatos conservadores. Neoliberais. Americanos. Europeus. Mouros. Africanos da UNITA. Africanos do MPLA. Chineses. Macau. E assim por diante.
Os soaristas detestam crossovers. Respeitam muito a coerência de Cunhal, um comunista à moda antiga. O fantasma do dr. Salazar merece-lhes a suprema honra de o considerarem vivo. Mas o camarada Blair e a sua "terceira via", que misturam socialismo e liberalismo e ganham eleições... Ou o camarada Sócrates, "o pior do guterrismo", como chegou a dizer Soares... Ou uma direita plenamente democrata... Ou, pior ainda, uma direita social-democrata que tem o desplante de alcançar maiorias absolutas e de chegar a Belém... Isto é que os soaristas não engolem. E o João Gonçalves, claro. E os muitos como ele. Roma não paga a traidores.
Roma ainda não percebeu que ninguém está à espera de ser pago. Porque Cavaco vai vencer. Com o voto do João Gonçalves e de muitos como ele.

Vasco Prado Coelho

Pois é, parece que encontrámos o nosso Pulido Valente nas páginas do Público.
E este escreve todos os dias.
Como diria o Eça (tão humanista que eu sou...) - tremei, ó cafres!

"O caso Mário Soares"

"A candidatura de Soares vive de uma obsessão quase doentia: o perigo para a democracia da vitória de Cavaco. É uma negação permanente (mesmo quando Soares promete num dia que não vai voltar a falar de Cavaco, no dia seguinte tem uma recaída aparatosa). (...) O debate de Soares com Cavaco foi para Soares um verdadeiro suicídio político. Soares procurava desestabilizar Cavaco com toda a espécie de agressões. Cavaco, mesmo confessando a dado momento que precisava de se conter, manteve uma postura absolutamente impecável, ajustada à imagem que nós temos de um Chefe do Estado. Soares, não. A sua atitude foi a de um líder da oposição que quer esmagar o adversário a qualquer custo. Face aos elogios de Cavaco, Soares disse coisas espantosas sobretudo sobre a personalidade e a formação de Cavaco. Chegou ao desplante de afirmar que Cavaco era um razoável economista, mas não um Prémio Nobel, como se a história contasse com muitos Prémios Nobeis no lugar de Presidentes. Foi desagradável ao agitar comentários de amigos seus em relação ao aspecto hirto e pouco conversador de Cavaco em reuniões interrnacionais. Há coisas que um Presidente da República não pode fazer. Soares fez. E foi hilariante quando se quis apresentar como um verdadeiro conhecedor de economia que tinha salvo o país."

Eduardo Prado Coelho, Público (sem ligação), 26.12.05

domingo, dezembro 25, 2005

Uma Enorme Fatia de Bolo-Rei

Sobre pequeninos

António M. Costa não consegue compreender por que é que eu, tendo apoiado Mário Soares em 1986 e em 1991, não o faço agora. Embora não se deva falar com a ignorância, como sugeriu oportunamente o João Pedro George num contexto diferente, por uma vez vou responder ao comics. Para não perder tempo, limito-me a voltar a remetê-lo para dois posts editados por ocasião do anúncio da candidatura de Mário Soares (este e este), coisa que fiz logo na primeira ocasião em que AMC deu sinais de não querer - ou de não poder - perceber nada. Por outro lado, e se persistir em citar-me, coisa que não me incomoda minimamente, tente, pelo menos, respeitar o contexto por forma a eu o poder respeitar. Quanto aos "pulos de caniche", devo esclarecer AMC que é raça que não estimo mas que considero como qualquer outra. É que eu não aprecio particularmente cães com menos de quarenta quilos de peso nem pessoas mental e deliberadamente pequeninas. E fique AMC sabendo que só "violento" verdadeiramente "a minha consciência" quando, como é agora o caso, tenho que lhes prestar alguma atenção.

E é feio, não é bonito

«Jornalista: Ficou chocado com aquilo que disse o líder do PP?

Mário Soares: Não, não foi o lider do PP que disse isso. E aquela coisa que me referi, do terrorismo, foi o líder do CDS que disse isso, dr. Ribeiro e Castro, que é uma coisa inaceitável e impossível. Ele diz aquilo... ele é, ainda por cima, deputado do Partido Socialista... um dos grandes grupos do Partido Socialista é o Partido Socialista... o Partido Socialista Europeu... Imagine lá como é que ele vai entender-se com os colegas do parlamento a dizer dessas coisas aqui no plano interno... E é feio, não é bonito e... é uma pena que seja um dos mais entusiásticos, senão o mais entusiástico, apoiante do dr. Cavaco nesta eleição.»

Ao vivo e a cores: aqui.

sábado, dezembro 24, 2005

O Respeitão

Hoje, o Super-Mário voltou a transcrever a pública crónica do Vasco Pulido Valente. Há hábitos que não se perdem. O que eles devem suspirar pelo fim-de-semana... Mas é um pena: dava-me cá um jeito para comentar o debate entre Soares e Basílio Horta.

O "respeitinho"

Na crónica de hoje no Público (sem ligação), Vasco Pulido Valente vem chamar a atenção para a questão da "liberdade" vs. "respeitinho" na nossa história política contemporânea, a propósito da "indignação" que terá suscitado a "postura" de Mário Soares no recente debate com Cavaco Silva. Pulido Valente acha, aliás com inteira razão, que somos em demasia um país vergado aos "salamaleques" e aos "srs. drs." e que, no essencial, lidamos mal com a liberdade. Disse-se sempre, e com alguma sustentação, que Soares possui uma visão "dessacralizada" do poder. É verdade, mas é apenas uma parte da verdade. Soares, conforme lhe dá jeito, tanto pode comportar-se como um déspota monarco-republicano, iluminado por Jaurès ou Afonso Costa, ou como um político "moderno" e democrata, "afectivo" e de "proximidade", como agora se diz. Soares até podia ter feito o pino diante de Cavaco que ninguém levaria a mal. Como bem lembrou Miguel Sousa Tavares no Independente, Soares "é o único que se permite cuspir para o lenço em público ou mastigar pastilhas". Acontece que, como deve saber Pulido Valente, não é do "respeitinho" ou da "liberdade" que se tratou naquele debate. Soares precisava de diminuir a todo o custo Cavaco Silva, fosse com "boa" ou com "má" educação. E de dar a entender que o simples facto de Cavaco ser candidato à presidência da República já constituia, em si mesmo, um acto, para ele, incompreensível. Pulido Valente, que tanto critica a concepção "proprietária" e jacobina que Soares tem da democracia, no fundo, entende que ele deve continuar a comportar-se como o "dono" mimado dessa mesma democracia. Mesmo quando lança insinuações pequeninas sobre o comportamento de Cavaco nos Conselhos Europeus, tipo "eu sei mas não digo", mais adequadas a quem toma conta de condomínios fechados do que próprias de quem já foi chefe de Estado. Eu sou contra o "respeitinho" hipócrita e a favor, em quaisquer circunstâncias, da liberdade. Mas nem eu, nem Pulido Valente, somos candidatos à presidência da República.

Continhas - 2

O que as sondagens sobretudo mostram é que a vitória de Cavaco Silva não cai do céu, nem sequer das ditas sondagens. Aliás, a sua divulgação em catadupa, com algumas disparidades entre elas e com "metodologias" discutíveis, não é inocente. É o caso da última, a da "SIC" (Eurosondagem), que é titulada com uma enganadora "vitória à primeira garantida". Lida a "ficha técnica", percebe-se, pela margem de erro de cerca de 3%, que não é nada assim. Já a do "Correio da Manhã" (Aximage) - "Cavaco intocável vale cinco Soares" - peca pelo excesso. A pergunta que deve ser feita, nesta matéria, é muito simples. Quem é que beneficia mais com sondagens deste género, pseudo-deprimentes ou pseudo-generosas, consoante a perspectiva? Cavaco Silva partiu, mesmo antes de partir, muito confortado pelos números elevados. A exposição em campanha e os debates obrigaram, naturalmente, a alguma "descida à terra" e nos números, algo que não abalou nada de fundamental para os seus objectivos. Porém, revelam ambos - "a descida à terra" e os números - que a campanha que se vai seguir no "terreno" vai ser determinante para conquistar os indecisos, os abstencionistas e os "moles". Para Soares, pelo contrário, cada dia que passa precisa de uma pequena vitória, já que o "problema" destas eleições chama-se "eleitorado socialista", dividido por ele, Alegre e Cavaco. Os números mostram que Soares tem conseguido essas pequenas vitórias - é ele e não Cavaco, de facto, o verdadeiro beneficiado, por exemplo, com a sondagem da SIC/Eurosondagem - que, no entanto, sabem a pouco e, por enquanto, nem sequer chegam a metade do que Sócrates conseguiu em Fevereiro. À medida que o "balão" de Soares incha, os votos de Alegre diminuem e julgo que isso será, com o tempo, uma inevitabilidade. Jerónimo e Louçã - por esta ordem - farão a despesa dos votos dos seus fiéis e, no caso da matemática acabar por contar muito nesta equação, as migalhas que sobram para as pequeníssimas candidaturas, também. Em suma, do "drama" do "eleitorado socialista" - que é uma parte, apenas, dos que votaram no PS nas última legislativas - depende a resolução desta equação e, quiçá, a tão desejada "segunda volta".

sexta-feira, dezembro 23, 2005

Continhas

Antes da "segunda volta" da campanha presidencial, a que ocorrerá depois dos natais e anos novos, o "ponto da situação" das sondagens e barómetros está espelhado neste quadro, com os constrangimentos que o Pedro Magalhães não se cansa de apontar a estes "estudos". Falta a da SIC, pós-debates como a do "Correio da Manhã". Disto tudo podemos - posso - tirar três conclusões mais ou menos consensuais. A primeira, é a de que Cavaco mantém uma forte possibilidade de vencer as eleições no dia 22 de Janeiro. Mas não passa disso, de uma forte possibilidade. A segunda, é a de que Mário Soares é o candidato que mais tem beneficiado com a exposição na campanha e, como se previa, o melhor colocado face a qualquer um dos outros três "compagnons". A terceira, consiste na circunstância de a candidatura de Manuel Alegre começar a revelar a sua "raça" de "fogo fátuo", ou seja, a sua crescente inconsistência. Tudo visto e ponderado, os candidatos bem podem aproveitar a trégua natalícia para fazerem continhas. Todos, sem excepção.

O que faz correr Soares?

Há alguns meses escrevi esta pergunta.
O debate e as últimas declarações de campanha deram-me a resposta.
Soares quer ficar na história como a personagem marcante da democracia portuguesa.
Sabe que Cavaco foi melhor Primeiro-Ministro, não suporta que possa também ser Presidente.
O seu orgulho imenso e a sua pose aristocrata não aguentam a concorrência do homem de Boliqueime, tal como explodiram quando uma mulher lhe tirou a presidência do Parlamento europeu.
Repete insistentemente que Cavaco é um simples homem, um economista médio.
Tapar o caminho a Cavaco, fora isso pouco resta.

Isto Agora É Sobre o Debate...

Mais importante do que saber quem ganhou o debate Soares-Cavaco é saber quem ganhou com o debate. Soares tinha mais a ganhar porque partia de uma posição de enorme fraqueza: 40% de distância para Cavaco, segundo as últimas sondagens. Por isso passou o tempo ao ataque. Cavaco, pelo contrário, tinha mais a perder. A sua margem de crescimento não é grande, felizmente: interessa-lhe sobretudo não perder votos. Por isso passou o tempo à defesa.
Ora, para Soares ganhar alguma coisa, a anunciada vitória tinha de ser claríssima e esmagadora.
Não foi.
De acordo com as famosas sondagens pós-debate, 25% dos telespectadores atribuiram a vitória ao candidato socialista, 24% a Cavaco Silva e os restantes não sabem/não respondem. Os restantes são 50% dos inquiridos, note-se. Era a estes que Soares tinha de convencer. Não o conseguindo, pode dizer-se que não ganhou nada com o debate. Quanto a Cavaco, o raciocínio é o inverso: não tendo cometido nenhum erro que lhe tirasse votos, ganhou com o debate.
Eu sei que isto parece demasiado simples. Mas se calhar é mesmo.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

A frescura, a acutilância, a juventude

Deixemo-nos de cedências continuadas. Os bloggers do Super-Mário escrevem razoavelmente. São, vá lá, escritores razoáveis. Não são nenhum milagre do séc. XXI português. Nunca ganharam nenhum prémio nobel. Há bloggers bem melhores do que eles: poetas, escritores e letristas, com obra publicada no estrangeiro e tudo. Bom, eu ainda vos podia contar o que é que os nossos amigos nos disseram deles, mas é melhor não. Seria indelicado. E eu só faço crítica política.

A Tradição Ainda É o Que Era

No programa Estado da Nação, logo após o debate Cavaco-Soares, o comunista António Felipe elogiou a boa forma do candidato do PS.
Ontem, Jerónimo de Sousa, em comentário ao mesmo debate, voltou a destacar a "frescura" do patriarca socialista.
A um mês das eleições, o PCP continua a dizer que o seu candidato não desiste.
Este ano, o Natal é em Dezembro.

A Fome e a Vontade de Comer

Em declarações ao Público, Louçã "pede um debate com todos os candidatos".
Já Soares, como se sabe, "exige" mais debates com Cavaco Silva.
E se Louçã e Soares debatessem mais um com o outro?

De hoje a um mês

Precisamente daqui a um mês estaremos a escolher o Chefe de Estado para, em princípio, os próximos dez anos. Nesta campanha estão estimáveis criaturas que se encontram, inamovíveis, literalmente "sentadas" em cima da Constituição da República. Elas, sim, "blindadas". Não lhes chegou o exemplo do agora candidato que já foi presidente e que, precisamente com as mesmas linhas constitucionais, edificou dois mandatos completamente distintos. Depois, nunca é demais dizê-lo, duas das candidaturas apenas andam por aí, com as línguas de pau dos respectivos breviários, a defender os seus respeitáveis cantinhos. Por seu lado, Alegre e Soares cavalgam, com intermitências em matéria de sucesso mediático, a esquizofrenia presidencial do Partido Socialista. A militância e a persistência de Soares deverá sobrepôr-se ao quixotismo vaidoso de Manuel Alegre em termos de votos. Porém, e sobretudo depois do debate com Cavaco Silva, o país ficou com a ideia de que Soares concorre, em primeiro lugar, para si próprio e, depois, para uma vaga cadeira de um não presidente. Foi e está a ser tão minimalista em matéria das funções que pretende vir a exercer que apetece perguntar por que é que está nesta corrida. É evidente que sabemos a resposta. Todos os dias Soares, o desconstrutivista, nos elucida sobre isso. Ao fazer da sua candidatura uma permanente bandeira "a preto e branco", Soares escolheu o caminho da "frescura" e da "acutilância", tão significativamente elogiadas por Jerónimo de Sousa, e que manifestamente não o leva a lado nenhum. Meses depois de a anunciar, Soares conseguiu finalmente transformar a sua candidatura naquilo que se pressentia que ela iria ser desde o princípio: a apoteose da sua "superioridade" ressabiada. É por isso que a eleição de Cavaco Silva, daqui a um mês, é simultaneamente um ponto de chegada e um ponto de partida. No primeiro caso, porque acabam definitivamente os mitos quanto à "propriedade" do regime democrático. No segundo, porque se dará continuidade ao "ciclo" de credibilidade iniciado com as eleições de Fevereiro último, no qual o Presidente da República deverá ser, mais do que um mero "moderador" de banalidades consensuais ou um "catalizador" de nulidades cortesãs, um agente activo e liderante que prestigie - com um sentido de verdadeira utilidade pública e através da sua legitimidade democrática única - o cargo que ocupa.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Cidadão do mundo

Houve ontem um momento em que o eleitorado estremeceu no sentido de voto. Quando Soares afirmou que, muito ao contrário de Cavaco, ele consegue ver o futuro, já escreveu sobre a globalização, esteve em Davos, percebe a cidadania global. Temos a economia estagnada e Mário Soares resolve falar-nos de cidadania global. Não compreende que não está a dizer nada que nos interesse.

The Very Best of Mário Soares Flying Circus

RECOMENDAÇÃO PRÉVIA : Cuidado, post excessivamente humorístico. Evite ler este post em locais públicos.


«Ou muito me engano, ou o debate de ontem foi um ponto de viragem na campanha eleitoral. Durante toda a primeira parte, Soares encostou Cavaco a um canto e sovou-o metodicamente.»

Ricardo Alves, Esquerda Republicana

«Soares em Grande Destapa Cavaco»

«Leão engole Cavaco ao Jantar»

«GRAVE NÃO É CAVACO SER AKILO, UM LABREGO DE SUCESSO. O PEÚGA BRANKA. O PAI DO DÉFICE. O HERÓI DOS SELFMADEMAN. GRAVE, É KONSTATARMOS QUÃO FÁCIL FOI SOARES, SOARES!, MOSTRAR KE ATÉ ELE É MELHOR KU BOLIKEIME E TER REDUZIDO O DITO A UM PUNHADO DE ESGARES E REDUNDÂNCIAS SILENCIOSAS NUM DISKURSO A LEMBRAR A KANDIDATURA DE UM PRIMEIRO MINISTRO, ( DE KE POUKOS JÁ SE LEMBRAM...)»
Pinto Ribeiro, O Cavaco

«Soares espremeu Cavaco!»
Aurélio Malva, Cantigas de Maio

«Reconheço, no entanto, um grande mérito ao socialista: a sua lucidez estratégica é exemplar, a sua clareza argumentativa também e, principalmente, a liberdade e desembaraço com que actua e fala deixam a milhas o Cavaco embaraçado e constantemente a medir as palavras.»
Jorge Vaz Nande, A Peste

«Por muito que me desagrade Mário Soares (e sobretudo a sua peculiar visão da ética política) há que dar o braço a torcer. O homem deu um banho a Cavaco Silva.»
Luis Rainha, Aspirina B

«Arrebatador! O animal político, aos 81 anos, deu um monumental baile ao "experiente" ex.-Primeiro-Ministro.»

«Adorei - O Mário Soares foi absolutamente excelente nas suas críticas ao ACS. Foi directo ao assunto, desconstruiu-o completamente.»
«Grande Soares»

«Mário Soares esteve imparável no debate desta noite, demonstrando as suas qualidades de tribuno e desfazendo o "gigante de pés de barro" Cavaco Silva... Com uma postura descontraída, Mário Soares aproveitou a oportunidade para sublinhar que Cavaco Silva é um candidato de alto risco, de direita, sem referências na Europa actual e com falta de formação para ser Presidente da República...
...Acreditamos que este debate foi decisivo para um volte-face eleitoral...»

«FURACÃO SOARES - Não fosse o mau gosto e diria que esta foto reproduz o estado interior de Cavaco Silva, e o do seu conjunto de apoiantes, depois do debate desta noite.»

«[Soares] Extraordinário. No seu melhor, não há dúvida. Goste-se ou não, o "debate" entre Cavaco e Soares resultou naquilo que os conhecedores de ambos já sabiam de antemão: Soares, potencial vencedor à "partida", foi vencedor durante a "corrida" e à "chegada". A "velha raposa" da política, o "elefante político" está tão bom como nos melhores tempos. Cavaco escumou pelos cantos da boca, como era previsível. Não conseguiu esconder a sua faceta algo salazarenta como Soares quis que ficasse como imagem do seu adversário.»
António Nascimento, Falar da Gente

«Eu sei que sou suspeito. Sendo soarista, não há como fugir ao conflito de interesses. Em todo o caso, julgo, com alguma propriedade, que Soares teve uma excelente prestação, com a bonomia a sobrelevar a «irritação» dos últimos dias.»
Eduardo Pitta, Da Literatura

Super-Mario Extra:

«Como se perde um debate - No início, Cavaco Silva, bem aconselhado, ainda se virou para Mário Soares referindo-se aos «meus adversários». Ao fim de poucos minutos, já só tinha um «adversário»: «o meu adversário, o Dr. Mário Soares».»
Filipe Nunes

«Tiro ao boneco - Não quero ser deselegante, mas Cavaco Silva fez hoje uma tristíssima figura.»
João Pinto e Castro

«Por SMS - GANDA SOARES! - Subscrevo.»
António M. Costa

Isto Agora Não É Sobre o Debate...

... mas hoje comemoram-se os duzentos anos da morte de Bocage.
Porque será que só consigo lembrar-me daquele soneto "Já Bocage não sou!... À cova escura/ Meu estro vai parar desfeito em vento"?
Porque será?

"Descabido"

De Vital Moreira, no Causa Nossa. "No seu momento menos feliz do debate de ontem, Mário Soares bem poderia ter prescindido da insinuação -- que não podia consubstanciar -- relativo ao desempenho de Cavaco Silva nas reuniões dos conselhos europeus. Não lhe ficou bem, e deu ao adversário uma razão de agravo imerecido."

"Moderador e árbitro"?

Ontem à noite caiu a máscara do "moderador e árbitro". Soares portou-se como um candidato radical, incontinente e, em muitos momentos, malcriado e raramente, ou quase nunca, como um ex-chefe de Estado e aspirante credível ao cargo. Apesar da "pose" arrogante e do olhar de permanente comiseração intelectual perante "o camponês de Boliqueime", Soares deu ao país um triste espectáculo acerca daquilo que verdadeiramente o move. Estava tão embrenhado nessa acrobacia puramente agressiva que, no minuto final, onde podia "brilhar", se perdeu ao ponto de acabar ao nível de um cartão de Boas Festas com duas pernas e dois braços. Devemos - todos devemos - a Mário Soares o combate pela liberdade, antes e depois do 25 de Abril. A sua eleição em 1986, deveu-se essencialmente a essa memória e à noção de que era, naquela altura, o homem da "moderação" e do equilíbrio numa sociedade ainda não completamente "bem resolvida" em matéria de densidade democrática e a iniciar a sua caminhada europeia. Soares fez, como também nos lembramos, dois mandatos perfeitamente distintos. No primeiro, tratou de "segurar" a reeleição e, para o efeito, de "segurar" os governos de Cavaco. No segundo, reconhecendo a impotência do seu partido para fazer frente exclusiva ao então primeiro-ministro maioritário, "conspirou" metodicamente em Belém para o remover. Até nisso não foi bem sucedido, já que Cavaco se removeu por si mesmo. No cômputo, Soares foi um bom presidente e honrou e magistratura, uma vez que as peripécias de pequena e baixa política que urdiu a partir de Belém, não contam na avaliação do "homem médio". Esta última aventura teria sido perfeitamente desnecessária não fosse a imensa vaidade do homem e a posição timorata do PS em relação às presidenciais onde teve, à vontade, uma boa meia dúzia de escolhas. Soares imaginou, a partir do Vau, que uma "onda" o esperava e que o país, comovido, ansiava pelo seu majestático regresso. Nem uma coisa nem a outra se verificaram. O eleitorado dito "moderado", que o salvou há 20 anos, ficou perfeitamente esclarecido com o debate contra Cavaco. Se já andava desconfiado, ontem fugiu-lhe de vez. Penso não andar longe da verdade ao dizer que Mário Soares entregou ontem à noite a vitória, de mão beijada e numa única "volta", a Cavaco Silva. Ninguém de boa-fé e no seu prefeito juízo reconheceu no Soares de ontem uma mísera sombra do "moderador e árbitro" que ele se imagina. Por mera caridade cristã, alguém amigo dele faça o favor de lho explicar.

Poça

Não pude assistir ao debate entre Basílio Horta, perdão, Mário Soares, e o Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva. Por isso, vi os telejornais da SIC e hoje de manhã comprei o Público, acções que vão contra os meus mais arraigados princípios. O pequeno apanhado que passou na Sic Notícias trouxe-me memórias de elefantes. A crónica de Vasco Pulido Valente deu à manhã um travo a sangue romano (Miguel Sousa Tavares estava assim enganado em quase dois milénios quando disse que o Vasco pensava que estava no sec. XIX). O Vasco tem razão em muito de tudo o que diz, mas, como sempre, a razão dele não é a que melhor liga nem a que mais beneficia o português da Transtejo. Só para que se veja, cinco anos depois ainda está por sair a tradução do segundo volume do Declínio e Queda de Gibbon, uma medida do seu sucesso junto do público. Como das outras sete mil oitocentas e quarenta e cinco vezes e meia em que Vasco deu, pelas mais variadas e plausíveis razões, a certeza do fim próximo de Portugal, o transtejeano típico espera e procura nos Messias que escolhe coisas diferentes do que o Vasco imagina. Em vez de vacas gordas procuramos um sentido lato para o sacrifício. Nas contrariedades não fundamentais da vidinha (que é o que desejavelmente nos espera), Soares seria o Presidente da inércia e do conforto misericordioso e fraterno, Cavaco será o Presidente do labor protestante. É mais feio e dá uma biblioteca mais chata, mas tem mais hipóteses de nos vir a compôr a mesa pelos méritos e artes de cada um.

Tragicomédia em 2 Actos

Pugilismo

Muita gente comparou este debate a um combate de boxe. Esquecem-se de um pormenor. O pugilismo tem regras. Regras que proíbem certas agressões. Num combate de boxe o dr. Soares também perderia. Desqualificado.

O argumento fracturante

Mudança de Ramo

A rapaziada do Super-Mario mudou de ramo. Depois de duas horinhas de profunda reflexão sobre 'o que é que andamos práqui a fazer?', regressam em força na sua nova actividade. Historinhas de ficção.

Sarrafeiros

Num post sugestivamente chamado «Tiro ao boneco» o João Pinto e Castro partilha com o Mundo que, na sua opinião, «Cavaco Silva fez uma tristíssima figura» hoje à noite. A bordoada é acompanhada de uma exclusão de responsabilidade em que o João desvela o sempre curial sem-querer-ser-deselegante (tal como o candidato que apoia, que faz críticas «políticas», mesmo quando se serve de insinuações rasteiras).
Com um outro João Pinto, que também era sarrafeiro, foi sempre assim. Passava a bola, não passava o jogador. «Não foi nada Sr. Árbitro», dizia o João em tom reverencial. O árbitro, que não era parvo, mostrava-lhe o cartão vermelho.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Resumo do sermão

Não foi um debate mas uma catequização para as beatitudes. Paciência, compaixão, longanimidade. Educar as crianças, corrigir os jovens, suportar os velhos.

Debate - 10

Não chegou. Não chegou, apesar do "estilo" caneleiro, de efeito garantido junto do "povo", não chegou, dizia, para os objectivos do candidato. Aliás, as declarações imediatamente proferidas após o debate não o desmentem. Por vontade dele, haveria mais cem debates e, pelo menos, seis "voltas" eleitorais. O rosto de Soares, onde se lê sempre o que lhe vai na alma, não revelava satisfação. Foi, para usar o seu delicado termo, "curto". Cavaco "corria" e "corre" numa "pista" completamente diversa. "Corre" - tem que se dizer desde já e com toda a clareza - para vencer maioritariamente o acto de 22 de Janeiro. Não me parece que, feitas as contas aos dez debates - e, particularmente, a este - que isso seja, de todo, impossível. Cavaco "passou" razoavelmente a prova dos debates que era, de longe, a mais difícil e Soares, intuitivo, percebeu isso. Resta a Soares o "terreno" onde nunca se sai mal e onde, provavelmente, resistirá bem. Tal como não chegou o debate, muito provavelmente também o "terreno" não chegará. A "hora" não é manifestamente a de Soares. Já foi. Já não é mais.

Alto-Risco

O pormenor é insignificante mas não deixa de ser simbólico. Desta vez, foram as mãos do dr. Soares que não pararam de tremer. O pai da pátria tinha razão: a candidatura do Prof. Cavaco é uma candidatura de alto-risco. Sempre são 57,9 volts.

Fica para uma próxima oportunidade

«Já lá vou às minhas ideias», dr. Mário Soares, 21h32m34s.

Dois não chegam

O debate foi esclarecedor (sem ironias). Permitiu-nos perceber, por exemplo, o verdadeiro problema deste modelo na óptica do dr. Soares: dois entrevistadores não chegam.

On-Line

No Blasfémias e no Insurgente o debate é on-line.

Afinidades Electivas II

Os alegristas andam contentes com a sondagem do DN: Alegre fica à frente de Soares.
Eu também ando contente com a sondagem do DN: Cavaco ganha à primeira volta.

"Has been"

Na sua "estreia" parlamentar como líder dos conservadores ingleses, David Cameron foi explícito acerca de Tony Blair. Dirigindo-se-lhe directamente, Cameron disse a Blair que o seu "estilo" estava "colado" irremediavelmente ao passado e que ele, Cameron, quer falar do futuro. E para que não restassem dúvidas acerca do que pretendia exprimir, Cameron ainda teve tempo para elogiar Tony Blair: "ele já "representou" o futuro". Entre nós, as coisas são parecidas, mas a outro nível. Há vinte anos, Soares representava, como se dizia na sua candidatura "moderada", uma "sementeira" e uma certa ideia de "futuro". Agora só tem um respeitável passado para nos oferecer. É, em certo sentido, o "has been" destas eleições presidenciais.

Carregadores de Guardanapos

Este post do super-filipe está magnífico. Estoutro, de um tal de super-miguel, também está muito bom, e, em complemento com este do super-vital(ício) e este, mais freudiano, do super-ivan, deveriam merecer atenção e reflexão de todos aqueles que, como eu, têm um busto do Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva na mesinha-de-cabeceira. O Professor não precisa só do nosso apoio, precisa também da nossa crítica, no fundo, do nosso cuidado e carinho. Não queremos, afinal, nem ser simples super-cavacos, nem fingir que o nosso Professor seja um Super-Aníbal. Não apoiamos o Professor pelo "risco" de Mário Soares, mas porque Cavaco Silva representa o pedaço mais dinâmico e reformador do País. Deixemos os remoídos posts de super-antónio, por exemplo, fazerem o seu caminho. Cavaco não perde um voto com este tipo de açoites, em si ridículos. Mas ajudemo-lo a livrar-se das suas próprias fraquezas e da sua genética falta de jeito em ilustrar o seu pensamento com as palavras adequadas quer ao que pensa quer ao rigor, inteligência e, muitas vezes, desonestidade (as mais das vezes sem malícia, estou em crer) com que os adversários olham, até, para a maneira como se alimenta. O nosso Professor precisa apenas de ser servido de um guardanapo catita em bandejinha de prata.

Debate - 9

Pela primeira vez num debate, deixei-me dormir. Não por desconsideração por Alegre ou por Jerónimo mas porque estava genuinamente cansado. E eles não me animaram. Jerónimo aparece nesta eleição, não apenas como o dirigente partidário a defender a sua casinha ("o colectivo"), mas sobretudo como uma espécie de Vital Moreira, em tosco, da Constituição. Para além disso, esteve demasiado "tatibitati" do que é costume, sem perder excessivamente a sua elegância resistente. Até para Cavaco - de quem falaram e que promoveram durante parte do debate - foi simpático. Alegre estava mais na sua estratosfera privada do que tem sido hábito. Continua a imaginar-se candidato e, pior do que isso, com grandes hipóteses de derrotar o favorito. Acentuou a vacuidade esquizofrénica da sua "mensagem" e, por esta altura, já deve estar a milhas do rabino dr. Soares que tem agora todo o espaço do mundo para espernear à vontade.

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Mon Ami Imaginaire

Algumas crianças, quando têm problemas de relacionamento, criam um amigo imaginário. Os psicólogos dizem que não é grave, se isso não as isolar por completo.
Mário Soares também tem um amigo imaginário: chama-se Cavaco Silva. Fala muito de/com ele, talvez porque não pode falar de/com o Cavaco real. Não pode falar do Cavaco Primeiro-Ministro e dos seus dez anos de governo porque estava ocupado a dar-lhe cabo da paciência com o "direito à indignação" e os congressos futuristas. Não pode falar com o Cavaco candidato a Presidente porque este não responde a bocas de campanha nem quer comparar humanismos.
Que faz então Soares? Inventa um Cavaco para brincar. O Cavaco que "ninguém sabe o que pensa e o que poderá fazer". O Cavaco de "alto risco". O Cavaco que pede um "cheque em branco". O Cavaco "esfinge". O Cavaco que não anda com a mulher atrás. O Cavaco que só ganha se as eleições não forem limpas. O Cavaco, o Cavaco, o Cavaco...
Até parece que Soares não quer brincar com mais ninguém. Não é grave, dizem os psicólogos.

domingo, dezembro 18, 2005

Algum Dia Tinha Que Ser

E por falar em soaristas, hoje o Super-Mário não cita a crónica do Vasco Pulido Valente no Público.
É a nossa vez.
Algum dia tinha que ser.
"Jorge Coelho, António Costa e António Vitorino vieram a público pedir a desistência do resto dos candidatos da esquerda e Manuel Alegre, falando ameaçadoramente em manipulação política, apresentou uma queixa à CNE. Percebendo que o dr. Cavaco já ganhou, os maiorais do PS querem naturalmente arranjar um bode expiatório para a sua espantosa inconsciência. Contando com Guterres (como se alguém pudesse contar com esse homem) e depois com Vitorino (que prefere ganhar dinheiro) tiveram de ir no fim bater à porta de Soares. Perante o desastre, apelam agora à unidade, não porque a achem possível, mas para amanhã nos vir dizer que por pura obstinação Alegre foi o único culpado."

Afinidades Electivas

Os soaristas andam contentes com a sondagem do Expresso: Soares fica à frente de Alegre.
Eu também ando contente com a sondagem do Expresso: Cavaco ganha à primeira volta.

Ler os outros

"Soares, de forma autista, insiste em não o perceber. Dizer que a eleição de Cavaco Silva seria passar-lhe um cheque em branco, ou que ele não é um moderado, apenas dá vontade de rir. Pensar que com estas declarações se consegue desviar Cavaco Silva da sua estratégia é igualmente cómico. Soares, cada dia que passa, confirma cada vez mais que é um homem do passado."

Paulo Gorjão, Bloguítica

Exercícios de aquecimento

Já vamos em "alto risco"... Depois de mais um atestado de iliteracia passado na Madeira, percebe-se que Soares está a tentar criar um ambiente "emotivo" para o debate televisivo com Cavaco, pelo que aparecerá nos próximos dias como o verdadeiro supra-Louçã e o mais radical dos candidatos, apesar de andar para aí a falar em "moderação". Precisa de "dramatizar" porque julga que estamos como em 1986. Ora não estamos e é provável que esta demagogia se vá tornando tão insuportável que acabe por lhe cair em cima. A minha mãe sempre me ensinou que não se deve cuspir para o ar.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Debate - 8

Prossegui, esta noite, a intendência. Acompanhei Soares e Louçã pelo computador, uma facilidade de SIC. Apesar da distância nas idades, os raciocínios e os elogios mútuos foram esclarecedores. Soares ainda assim concorre para Belém. Louçã limita-se a agitar a bandeirinha, sempre com aquela gravitas revolucionária que o caracteriza. Em muitas coisas, são os dois homens que, por circunstâncias várias, mais perto têm estado um do outro. Soares não se atrapalhou com as trapalhadas do PS, mas tem-no colado à pele de uma maneira que ele não imagina. Ninguém percebe como é que ele defende uma coisa e se supôe galvanizador - já está na segunda volta que vagueia na sua cabeça... -, e as notabilidades do partido defendem outra, porventura mais atentas ao previsível desastre. De qualquer forma, tirando a música habitual contra Cavaco, vinda de quem diz não querer falar mais dele e que dele continua a falar todos os dias, Soares esteve bem e terminou melhor. O problema é que não deve chegar.

Mas que rica estrutura moral

«Tenho estranhado que a mulher de um candidato ande tão discreta e que quase não tenha aparecido até agora», comentou o doutor Mário Soares, que tem acusado Cavaco Silva de não ter um entendimento estruturado da Democracia.

Muda a Música

O autor de 'Rock da Liberdade', hino da primeira candidatura de Mário Soares à Presidência, explica.

A "verdade" I

"Croyez ceux qui cherchent la vérité, doutez de ceux qui la trouvent."
André Gide
No Super Mário transcreve-se todo um artigo de Teodora Cardoso, não sem antes o prefaciar e adequar aos critérios editoriais da casa, e do qual discordo por duas razões: a primeira pelos argumentos expostos explicitamente, e a segunda pelo que me parece ser a motivação implícita e desajustada.

Vamos lá ver, o número médio anual de funcionários públicos admitidos variou assim*:

1986-1995: 5 395
1996-2001: 22 256
2002-2004: -11 310

Como estes números custam a interiorizar, argumenta-se (T.C. não o faz no artigo citado) que alguns dos integrados no período 1996-01 eram trabalhadores em situação precária ou de legalidade duvidosa. Alguém já quantificou quantos são o quê ou fica assim no ar? E o que se entende por precário? É que à luz de alguns os EUA ou certos países nórdicos são nações inteiras na precariedade. E as situações ilegais não são resolvidas em Portugal em algo chamado Tribunal que neste tipo de casos tende para nós sabemos quem?

Vamos admitir que existe um grupo (alguém confirma 30,000?) que, sim senhor, está em situação de legalidade duvidosa e que o Estado, como pessoa de bem, em vez de se submeter a Tribunal decide resolver a situação integrando toda a gente na função pública. Acontece que isto é um acto de gestão ruinoso, como aliás se veio a comprovar. É-o não pela potencial reposição da legalidade - correcta - mas pelo modelo em que é efectuada.

O Estado tem um conjunto de funcionários "x" com um modelo retributivo "y", e ao integrar mais pessoas "z" à velocidade a que o fez está basicamente a dizer: vamos aumentar o número de funcionários mais do que a dotação orçamental consegue sustentar a prazo, e quando isto der para o torto culpamos o tipo que desenhou o modelo retributivo para "x". Brilhante... como é que pessoas inteligentes aderem a esta argumentação é algo que sempre me surpreendeu.

O que o Estado deveria ter feito face a uma necessidade (mais que discutível) de aumentar o número de funcionários, era reformar o modelo retributivo previamente à integração de mais pessoas, fazendo-o para todos ou criando sistemas paralelos de forma a tornar orçamentalmente exequível a decisão de integração.

Pessoalmente tenho discordâncias em relação ao modelo salarial na função pública, esse mesmo, o tal que Cavaco ajudou a criar no século passado e que, com o relógio a correr, mudando de anos, décadas, governos e século, ninguém parece ter alterado de forma estrutural e tão categórica quanto o tom das críticas que brilham depois do acontecimento. Os avanços nos modelos de gestão de pacotes de remuneração sobretudo na década de 90 podiam e deviam ter inspirado uma reforma no modelo de remuneração da função pública. Tal não aconteceu nem acontece hoje, mantendo um sistema de incentivos pernicioso, mas isso é outra discussão de eficiência e modernidade que vai mais além das consequências orçamentais imediatas que eram a base desta discussão.

(Continua)
(*dados da Caixa Geral de Aposentações, via Miguel Frasquilho)

Missing Target

No Acidental, Pedro Marques Lopes declara o seu apoio a Alegre. O Filipe Nunes Vicente, depois de ter sido acusado na caixa de comentários do Mar Salgado de estar por Cavaco, confessa o alegre voto. Encontro um amigo que dificilmente se pode classificar de esquerda, e dá Alegre outra vez. Os meus sogros, democratas-cristãos de sempre, dizem simpatizar com "o aristocrata da República". Até a minha mulher acha que "o Alegre tem mais charme". (Querem ver que tenho de a levar a jantar fora para votar no Cavaco?)
Não são casos isolados.
Ou muito me engano ou aqui no Pulo temos andado a bater o lobo errado.

Crucicrata

O Super-Mário chamou-me "crucicrata". Eu respondia, a sério que respondia, mas não posso. O que é um crucicrata?

Luta de Titãs III

Nem tudo correu bem a Louçã no debate de ontem. Jerónimo de Sousa mostrou que, em terreno familiar (o da retórica da extrema-esquerda), também pode ser um adversário de peso, mesmo lento e previsível. Chegou a encostar Louçã às cordas quando o acusou de "cumplicidade com o PS" no referendo do aborto. Louçã não gostou e respondeu que era uma "acusação sectária". Foi mais ou menos como ver um elefante dizer a outro "não tens jeitinho nenhum para o ballet".

Déjà-Vu

"Nós vamos às eleições com as nossas próprias mulheres" - palavras ditas no Verão de 1979 por um então candidato a primeiro-ministro, referindo-se ao seu candidato adversário Sá Carneiro e a Snu Abecassis. Pouco tempo depois, Soares perdia as eleições.

Debate - 7

Passei o meu serão a tratar de intendência. Por isso, prestei vaga atenção ao debate entre os dois "falsos" candidatos presidenciais. Do que ouvi, julgo que ficou claro, como disse outro dia o José Pacheco Pereira, que ambos disputam apenas a quantidade de bandeirinhas respectivas que são capazes de espalhar pelo país à conta da campanha presidencial. Não disputam a chefia do Estado, discutem o estado dos "espaços" e dos partidos que representam. O debate serviu, de início, para responderem, em acordo, a Jorge Coelho que, na véspera, tinha sugerido a desistência de Alegre, Louçã e Jerónimo para Soares, provavelmente porque Coelho e a direcção do PS já perceberam o que se está a passar. Estes dois também e, por isso, ficam. Que lhes importa?

Luta de Titãs II

Momento alto do debate Louçã-Jerónimo de Sousa: Louçã a lembrar as "relações privilegiadas" do PCP com o PC chinês.
Ao lado de Jerónimo, até Louçã parece um democrata.

Luta de Titãs

Momento alto do debate Alegre-Soares: Alegre a reduzir a pó a afirmação veemente de Soares de que não dormiria descansado com Cavaco em Belém.
Memória, ironia demolidora e a frase "se alguém dorme descansado nas mais adversas circunstâncias é o doutor Soares."

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Embora, seja, uma, pena, que, não, estabeleça, um, rácio, mínimo, entre, palavras, e, vírgulas, na, mesma, f,r,a,s,,,,,,,e.

"Devo, contudo, sublinhar, desde já, que, apesar de vários sinais de mal-estar, que importa não ignorar, o regime, saído da Constituição de Abril, não está esgotado."

Frase extraída do Ponto 3 do Manifesto Eleitoral do Doutor Mário Soares, elaborado a 25 de Outubro de 2005, no Hotel Ritz, local onde há cinco anos bebi uma bica por 540 escudos.

O Mister

Num comentário ao meu alívio de ontem, Luís Rainha, que não sei se era o Luís Rainha do defunto Blogue de Esquerda, meio que se insurge contra o "Professor Doutor" com que sempre prefixo messias Cavaco, em comparação com o desleixo a que condeno o resto da população portuguesa em relação aos respectivos graus académicos. Esperava por sinais desta comichão bastante mais cedo, até já estava a ficar incomodado peranto o hipotético falhanço de estratagema tão bem - modestia à parte - montado. É também contra este puritanismo exacerbado em relação aos orgulhos dos outros - ponta de vasto iceberg de coisas bastante mais condenáveis -, na sua forma mais mais deslocada e absurda proveniente de certo tipo de elite bem determinada, que devemos todos votar no Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva.

Coitados...

Não esperava encontrar neste debate o mínimo vestígio de luz ou esclarecimento, concedo. Mas este debate prometia. Prometia muito. Não que eu quisesse anotar meticulosamente o ínfimo rol de diferenças entre um candidato e o outro. Não. Estava à espera, como a esmagadora maioria dos meus compatriotas, de desequilíbrios emocionais e rasgos de coração. Esperava ressentimento, arrufo, insinuações. E nada.
Por mais que insistamos nessa sacramental necessidade de separarmos o acessório do essencial, a verdade é que o voto de muita gente que pretende votar à esquerda nestas eleições está preso ao acessório. Depende sobretudo de saber, afinal, quem traiu quem? Soares não respondeu, Alegre também não. Preferiram, progressistas que são, inovar. Soares, em tom muito professoral, permitiu-se explicar, entre salvíficas recomendações, que a NATO não fazia parte da luta contra o terrorismo. Alegre fez doutrina ao esclareceu que com ele há privatizações que dão direito à dissolução do Parlamento.
Desculpem, mas eu não esperei uma hora e meia por este enfado mortal. Foi mau demais. O país estava à espera de se envolver, de insultar o traidor. O país não sorriu. Também não chorou. A eleitoralidade precisa de arrebatamento. De comoção. Com este desfecho frouxo, sem lágrimas nem pontapés, o povo, defraudado nas suas lídimas pretensões, acabou a noite a vociferar de indignação e piedade: Coitados...

quarta-feira, dezembro 14, 2005

Debate - 6

Não me parece que o debate tenha resolvido a questão "doméstica" do PS a que fundamentalmente se destinava. Soares e Alegre ficaram sensivelmente na mesma, eventualmente com uma inevitável vantagem para o ex-presidente. As "banalidades" de que Soares se queixou - e que simultaneamente debitou - não devem ter contribuido para esclarecer o eleitorado que disputa com Manuel Alegre. Aqui, o dejá vu de Soares e a sua visão enganadoramente minimalista da função presidencial - quando tem no "activo" dois mandatos perfeitamente distintos nessa matéria - não o ajudaram. E a insensatez constitucional de Alegre (a dissolução do Parlamento por causa da água), provocada pela sua notória inconsistência política, veio, de novo, à tona. Por duas ou três vezes, Soares, num revelador tropismo, chamou a Cavaco (o eterno presente-ausente) o "presidente Cavaco" e voltou a insistir na sua irritante insónia "cavaquista". Em certo sentido, este debate foi o mais reducionista porque praticamente só interessava a um determinado segmento eleitoral. Na declaração final, à semelhança do que já tinha acontecido da primeira vez, Soares socorreu-se de umas notas com os "tópicos" essenciais do que queria dizer, uma coisa que seria impensável nele há uns anos. Estes dois homens, ambos com biografias notáveis, limitaram-se a exibir, sem grande chama e sem o estrondo anunciado, as respectivas vaidades teimosas. O país, esse, seguiu seguramente em frente e para outra coisa.

California Boys

No debate entre Cavaco Silva e Jerónimo de Sousa, a imigração voltou ao poder. Pelo menos ao poder que lhe dão dois minutos de interesse no meio de uma conversa quase sempre superficial. Ainda assim, valeu a pena - permitiu clarificar a doutrina cavaquista, a tal que os inquisidores do politicamente correcto se preparavam para atirar à fogueira da xenofobia. Cavaco lembrou uma evidência que o Pedro Oliveira já tinha invocado no Super-Mário: nos próximos anos, a quebra demográfica da Europa tornará a imigração necessária para garantir a mera viabilidade da segurança social.
Não sei se o Professor anda a ler a concorrência às escondidas - embora o Pedro seja uma excelente desculpa -, mas desenganem-se aqueles que, depois do Salazar de Boliqueime, aguardavam lascivamente o Le Pen da Vila Mariani. Mais do que a defesa de uma mítica identidade nacional (isso fica para Alegre...), Cavaco insistiu que a questão decisiva é a integração dos imigrantes. Deve ser, pois que João Teixeira Lopes e outros sociológicos profetas já anunciaram várias vezes o apocalipse de Paris na Cova da Moura.
Uma profecia algo incompatível com o triunfal argumento, ontem usado por Joana Amaral Dias no DN e por Ricardo Costa na SIC, de que a fortíssima imigração é responsável pelo dinamismo económico da Califórnia. Ocorreu-me de imediato que, se tratássemos os nossos imigrantes com a flexibilidade californiana, Cavaco seria comparado, não a Salazar ou a Le Pen, mas ao Exterminador Implacável.

Texto grande sem parágrafos e com muitos parêntesis.

Uma pessoa gosta do país em que vive e não há nada a fazer. Parece-me assim essencial que o país se submeta a segunda volta contra o doutor Mário Soares e que o Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva ganhe. Assim como na direita há demasiado medo da segunda volta, na esquerda existem demasiadas esperanças. O risco de Mário Soares ganhar é muito menos grave que a falta de clivagem e definição do país com que inevitavelmente vamos ainda chegar à primeria das voltas, onde só os extremos beneficiam. Por essa altura Jerónimo Sousa, Francisco Louçã e Manuel Alegre ainda parecerão candidatos decentes, as três pessoas que congregam sozinhos os piores traços da nação (ainda assim com aspectos adoráveis, pricipalmente se andamos a ler Goethe). Bem sei que muitos dos que apoiam o doutor Mário Soares nutrem pelo nosso Professor e pelo que ele representa a mesma aversão que aqui deixo contra aquele triunvirato da esquerda. Há que, no entanto, ser altivo quando a isso. Parece-me que falamos de reinos diferentes. A reacção de muita da esquerda contra o Professor não é da mesma natureza que a da direita e da parte sã do PS contra aquele tipo de esquerda: no primeiro caso falamos de um deslocamento cultural, quase de nascimento, de uma incompreensão fundamental de vida, das vidas, dos custos e do valor a atribuir a quem apenas quer ser mais rico que o vizinho, e, muito derivado disso, do lugar e da forma mais inteligente de utilizar em beneficio de todos a inevitabilidade humana de coisas como a inveja, o egoísmo, a ganância, a ambição, finalmente, do sentido a dar à Justiça (assim com letra grande para dar ares) neste caldeirão todo; importa aclarar tudo isto o mais possivel, para que racionalmente nos incompatibilizemos cada vez mais e melhor. No segundo caso, penso que se fala do simples, inescapável e transversal bom senso: Jerónimo é soviético e comunista – os “trabalhadores” para ele são um electrodoméstico das suas ideias do mundo e da sua demagogia - , Louçã fala de fora do poder e do eufemismo "esquerda moderna", e, ou abandonaria metade do que diz (que não é muito), ou cairia vítima em três tempos do que há anos vem dizendo (é, nitidamente, um guterres extremado e ainda mais moralista – como inevitavelmente são todos os ateus -, mas cada vez menos extremado, ou, pelo menos, mais escondido, mais esquivo). Manuel Alegre, bem, Manuel Alegre suga-me as palavras. Provavelmente aqui no espaço ninguém concordará comigo, mas o caminho prudente e avisado para Portugal é o da separação das águas do interior do Bloco Central. Só assim nas contas finais ninguém sairá fundamentalmente derrotado, que não há necessidade disso.

"Afterglow"

Cruzei-me com um novo cartaz da campanha do dr. M. Soares, de que se fala aqui. Diz "sempre presente", em letra grande e acrescenta, salvo erro, "nos momentos difíceis", em letras mais pequenas. Sobressai o imenso rosto do Soares de agora. Como que num limbo, o candidato contempla-nos, melancólico e distante. Tudo naquele rosto e naquele olhar desmente o "sempre presente" do texto. Lembra-me um poema maravilhoso de Borges, Afterglow:

Siempre es conmovedor el ocaso
por indigente o charro que sea,
pero más conmovedor todavía
es aquel brillo desesperado y final
que herrumbra la llanura
cuando el sol último se ha hundido.
Nos duele sostener esa luz tirante y distinta,
esa alucinación que impone al espacio
el unánime miedo a la sombra
y que cesa de golpe
cuando notamos su falsía,
como cesan los sueños
cuando sabemos que soñamos.

terça-feira, dezembro 13, 2005

Debate - 5

Quando, há dez anos, Jerónimo de Sousa defrontou pela primeira vez Cavaco Silva num debate, ao lado de Jorge Sampaio, tinha quase a certeza de que este seria o escolhido e que ele, mais tarde ou mais cedo, acabaria por sair de cena, claudicando a favor do futuro presidente. Desta vez, Jerónimo tem muitas dúvidas de que Cavaco não venha a ser o próximo chefe do Estado, eleito numa única eleição de que ele não pretende desistir. Por isso, e ao contrário do que ele próprio anunciou, não "desblindou" Cavaco. Foi mais frouxo do que Louçã na demagogia e na revisitação fácil do tenebroso passado "cavaquista". Indirectamente, dificultou um pouco mais o caminho a Mário Soares que terá de ser ainda mais "radical" do que tem sido. Este debate teve demasiada "economia" e alguma da chamada "preocupação social", porventura por causa da presença do secretário-geral do PC. Os dois "pivots" da SIC têm sido, até agora, os mais fracos e simultaneamente os mais "alinhados" pelo "modelo" que Cavaco aprecia e que claramente o favorece. Como lhe competia, Jerónimo, candidato e líder do PC, falou mais "para trás" e Cavaco, naturalmente, falou mais "para a frente". Um "segura" votos, o outro quer "segurar" o país. Apenas isso.

La Fontaine Séc. XXI

És um robot, acusou a cassete.

(com a devida vénia ao João Vacas)

Puzzle

No Público de hoje (p. 10), leio o seguinte:

Maria Barroso considera que incidentes como o que envolveu o seu marido, Mário Soares, em Barcelos, no Domingo, são "estimulados por forças que querem criar confusão e depois lançar alguém como salvador da pátria".

No Diário de Notícias de hoje (p. 10), leio o seguinte:

os conselheiros de Soares garantem que ele não irá "puxar" pelo assunto.

Curiosa coincidência. A da página 10.


[P.S. : Maria Barroso não queria dizer aquilo que eu estou a pensar, pois não?]

Castelo de Bode

Louçã e Alegre, o segundo uma coisa sem explicação e uma vergonha para o país, o primeiro um infinito repositório de devaneio ideológico, disseram ambos estar contra a privatização da produção e distribuição de electricidade, a extração e distribuição de água. Razões? São sectores “estratégicos” (Alegre chegou a afirmar que a “água é um direito humano”). De Alegre não espero mais que isto: é um inimputável. Mas Louçã apresenta-se e é apresentado como pessoa de estrelar inteligência e de seriedade insuperável. Só posso assumir uma de duas coisas: ou acha que somos todos muito mais parvos que ele (sem possibilidade de acesso às suas razões, ao Nelson e assim), ou é irresponsável. Eu acho e sempre achei que ele e a maior parte das pessoas que o seguem são irresponsáveis: não se preocupam com as coisas deste mundo, faz-se luz com um simples clicar de botão, tudo escorre límpido e impoluto com um simples abrir de torneira. No fundo, isto para eles é tudo um passar de tempo na televisão entre a segunda-circular e o Rio Tejo. Contra isto, antes mil vivas ao doutor Mário Soares. Mas só contra "isto", como nos velhos tempos; que agora são outros, os tempos.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Dez Milhões de Imigrantes

OK, o receio de que os imigrantes deixem os portugueses em minoria não foi o momento alto de Cavaco no debate de sexta-feira. Louçã qualificou-o mesmo de "divertido". Mas o tema nada tem de divertido. Só um (mau) cómico não vê que a imigração constitui actualmente o maior problema das democracias europeias. Basta olhar lá para fora, como o Bloco tanto gosta de fazer. A segunda geração de imigrantes magrebinos a ferro e fogo nas ruas de França - é divertido? Os bombistas suicidas de Atocha, imigrantes legais e integrados em Espanha - divertem-no? Os bombistas suicidas do Metro de Londres, cidadãos britânicos filhos de imigrantes - arrancam-lhe um sorriso? Os confrontos ocasionais entre imigrantes de diversas etnias em Inglaterra - são hilariantes? O que se passa em Ceuta e Melilla - dá vontade de rir? Os centros de detenção italianos - fazem-lhe cócegas? O tráfico de carne branca (ou preta) para a prostituição e para a construção civil - será caricato?
Talvez sim, para quem tenha uma relação eternamente ambígua com o uso da violência e a própria democracia. O caso muda de figura para todos os que não frequentam os workshops de desobediência civil do Bloco. Até Soares disse hoje a um imigrante brasileiro que não podiam vir os seus 180 milhões de compatriotas para cá, ou Portugal afundava-se no Atlântico. Soares pode dizer isto, claro: com ele, todos os momentos são divertidos. 180 milhões... Ah ah ah! Pois, mas nem a grandeza dos números consegue disfarçar que a solução soarista não anda longe da cavaquista.
Quanto a Louçã, não sabemos que solução quer (ou mesmo se quer alguma). Sabemos que admite o falhanço do multiculturalismo, mas não o que propõe em troca. Será o melting pot americano, o tal que produz o Katrina e outras injustiças neoliberais? Será uma sociedade onde os enchidos ocupem o lugar dos crucifixos, como sugeriu Ana Drago - talvez unindo nos prazeres da carne cristãos e ateus (mas não, lamento notar, judeus e muçulmanos)? Sobre isto, Louçã nada diz: diverte-se. A filha sorri (sai ao pai). O Nélson não sorri porque não pode jogar futebol federado sem a nacionalidade portuguesa, mas ele cita-o nos debates. Tirando esse pormenor, parece estar tudo bem no reino de Louçã.
Estará? Veremos quem ri no fim.
Não será ele, que não fica para ver. A filha e o Nélson que se arranjem.

Debate - 4

Hoje foi um grande dia para Cavaco Silva. Não tanto por sua causa - não se deu por ele - mas mais pelo facto de os seus adversários o terem "aproveitado". Na RTP, Louçã e Alegre recorreram a "temas" que Cavaco lançou para a campanha. Louçã falou da qualificação da democracia e Manuel Alegre socorreu-se da prioridade institucional às conversas com o primeiro-ministro e às mensagens à AR para responder ao que faria em determinada circunstância. Fora do debate, até Mário Soares, na Amadora, explicou a um cidadão brasileiro que não cabem cá todos, por mais generosos e "abrasileirados" que sejamos. Alegre esteve bem quando recusou os "juízos morais" do mestre-escola do BE. E Louçã não deixou escapar o disparate constitucional invocado por Alegre em relação à não possibilidade de recandidatura de um governante (regional) demitido indirectamente pelo PR. Louçã, uma vez mais, demonstrou ao que vem e, sobretudo, que não vem para concorrer seriamente à presidência. Alegre "densificou" o seu discurso político, provavelmente já com Soares na cabeça. O que terá o PS "profundo" pensado deste debate que lhe foi tão particularmente dirigido por ambos os protagonistas?

Prémios Pickeight

Chega o fim do ano e toda a gente desata a dar prémios a toda a gente (até na Suécia...). Cá no Pulo do Lobo não fazemos assim. Subtilmente, fundámos a Academia Pickeight, uma filial com sede em Boliqueime, dinheiros da União Europeia, estatutos copiados do Compromisso Portugal e a dura missão de premiar políticos humanistas.
E os vencedores desta semana são...
Prémio Quem Se Mete Com o PS Leva: Mário Soares, por ter sugerido a Manuel Alegre que se desfiliasse do PS.
Prémio Natal É Quando as Sondagens Quiserem: Mário Soares, por prometer que não volta a atacar Cavaco.
Prémio It`s a Dirty Job: Jorge Coelho, por atacar Cavaco no comício em que Soares prometeu não voltar a atacar Cavaco.
Prémio Afinal Havia Outro: José Sócrates, por declarar que "este PS é um partido de gente livre", em resposta à suspeita de pressões sobre os militantes levantada por Alegre.
Prémio Dinossauro da Escrita Criativa: Jerónimo de Sousa, por criticar o "discurso robotizado" de Cavaco.
Prémio Quero o Monopólio: Francisco Louçã, por denunciar a "falta de civismo democrático" de Alberto João Jardim.
Prémio Cuidado Com o Demo: Mesquita Machado, Presidente da Câmara de Braga, por acusar Cavaco de "parecer um anjo imaculado e salvador, mas ser um anjo negro e mau".
Prémio Melhor Imitação de Joana Amaral Dias: o homem que chamou "vigarista" a Soares em Barcelos, por citar O Crime.
Prémio Não É a Marinha Grande, Mas Serve: Ivan Nunes, por descobrir que o incidente de Barcelos "revelou alguns dos melhores aspectos" de Soares.
Para a semana há mais.

domingo, dezembro 11, 2005

O laico no caminho de Emaús

Mário Soares prega com frequência o encontro entre as religiões. Mas no Expresso de 23 de Julho dizia: "A verdade é que vivemos um momento de grande fanatismo que ataca todas as religiões, para não referir o que se passa com a proliferação de certas seitas, como as evangélicas". A 29 de Março de 2005 na Sociedade Aberta da Sic juntou no mesmo saco "talibans e evangélicos". A 15 de Abril de 2004 na Visão revelava o receio que sentia das "seitas fanatizadas, extremistas, como os evangélicos".
Os evangélicos, confissão da qual faço parte, são neste país a maior minoria religiosa. Não obstante, falta-nos o aconchego que só as carpetes muçulmanas transmitem a um candidato humanista. Somos a religião do "senhor Bush", os "cruzados do apocalipse" que fizeram a folha a Saddam.
Entretanto, mal saiu para a estrada eleitoral Mário Soares recriou num lanchezito uma conferência ecuménica. Segundo consta, com evangélicos e tudo. Eventualmente para demonstrar que é possível negociar com terroristas.

Saiba mais
Sabia que Bill Clinton também é evangélico? Sabia que Jimmy Carter também é evangélico? Sabia que Martin Luther King também era evangélico? Sabia que em 90% das vezes que um europeu fala acerca da religião nos Estados Unidos acaba por meter os pés pelas mãos? O Pulo do Lobo educa. O Pulo do Lobo é uma bênção.

Jogo de cintura

«Como toda a gente sabe, para um conservador não há escumalha mais desprezível que a do neoconservadorismo.» Por uma vez concordamos. Percebe agora, caro Ivan, como duas pessoas sérias, com os mesmos dados, chegam às mesmas conclusões?
Provocações e ironias à parte, concordo genuinamente consigo. Efebos assanhados com fome de ideologia que subitamente se convertem às maravilhas do mercado e à Liberdade com letra maiúscula (abstracta e apolítica), nunca me inspiraram grande confiança.
Exactamente por isso, pelo desprezo que lhes concedo, escolhi para título «neo-conservadores». Não vejo onde possa estar o equívoco. As razões de escolha parecem inclusive amplamente compreendidas pelo Ivan. Um neo-conservador é um convertido, um recém-chegado ao estádio final de uma evolução assaz problemática. Repare que o que eu quis partilhar com o mundo foi precisamente o quão grotesco me parecia defender uma candidatura socialista com recurso a argumentos conservadores. É que, ultimamente, temos visto generosos soaristas enfiando na carapuça o embaraçante papel de «recém-convertidos» a quem se devem juntar, segundo o próprio Ivan, todos «os conservadores dignos desse nome», exortação que nos remete para o longínquo ano de 1986, quando, num comício na Madeira, o dr. Soares proclamou à multidão expectante a sua natural propensão para o «centro democrático e social».
Ainda que esta aparente conversão sirva interesses meramente estratégicos, não deixa de ser muitíssimo irónica e perturbantemente reveladora. Temo que seja isto o chamado «jogo-de-cintura», uma actividade trilhada ao sabor da oportunidade e da circunstância, errática e irregular. É assim o desespero.

O cónego

Não nego que Francisco Louçã é um adversário difícil e sempre muito telegénico. Mas quem é que lhe escolhe a roupa quando vai à televisão? Na sexta, parecia um cónego.

Vasco Pulido Valente explicado às criancinhas

O doutor Vasco Pulido Valente, cuja actividade mais vísivel consiste nas três crónicas que edita no Público, de sexta a domingo, foi duas vezes meu professor na Universidade Católica. A primeira, entre 78 e 79, precedeu a sua entrada no governo da AD, ao lado de Sá Carneiro como secretário de Estado adjunto e da Cultura. A segunda, entre 84 e 85, numa cadeira opcional intitulada, com manifesta presunção, "história das relações internacionais", destinada, no essencial, a familiarizar os eventuais interessados com a obra de A.J.P Taylor. Pelo caminho, Pulido Valente (VPV) continuava a escrever as suas crónicas um pouco por todo o lado: no Semanário, na Tarde, no Diário de Notícias, na Kapa, no Independente e, finalmente, no Público. Se alguma coisa deste percurso é para explicar ou é explicável, VPV fê-lo em dois notáveis artigos que se encontram no livro "Retratos e Auto-Retratos", de 1992. Um, o "auto-retrato aos 50 anos" ("Eu sempre fui assim") e o outro, "Sá Carneiro: os últimos anos", contam "parte" da "história" tal como ela é vista pelo autor. Depois, temos os livros. Não se pode perceber a "história" da I República sem ler "O Poder e o Povo, a Revolução de 1910" ou o "politiquês" nacional sem o magnífico "Glória", a sua última obra de "fôlego", ou o ensaio sobre Paiva Couceiro. Para além disto, VPV é, sem dúvida, o mais iconoclasta dos nossos "cronistas" contemporâneos. Tem, com a política e com os políticos da "democracia", uma bela relação de amor-ódio que vem dos tempos do "antigamente" e que passa pelo congresso do PS na Aula Magna, durante a Revolução, pelo então major Eanes, na RTP e, depois, em Belém, contra Soares, por Sá Carneiro e Soares Carneiro na AD, contra Balsemão na AD-2, com Soares no MASP-1 contra Eanes, com Fernando Nogueira em 95 e, em intermitente constância, uma aristocrática aversão a Cavaco Silva. Mais recentemente, distinguiu-se na preciosa ajuda que a sua escrita deu a remoção de Santana Lopes e de Paulo Portas. Numa entrevista a O Independente, poucos dias antes das eleições legislativas de 20 de Fevereiro, VPV defendeu, com todas as letras, que um mínimo de credibilidade das coisas impunha a escolha de José Sócrates para primeiro-ministro e de Cavaco Silva para presidente da República. Quando Mário Soares emergiu como candidato presidencial, VPV não se poupou na acrimónia, apesar da amizade e da admiração (este é o termo exacto, apesar de vir dele) que sempre nutriu por Soares. Basta ler o que escreve sobre Manuel Alegre. Finalmente veio Cavaco e, desde o "Chegou o Presidente", que sensivelmente em cada duas das três crónicas semanais, VPV se entrega à volúpia de zurzir metodicamente o "camponês de Boliqueime", como em tempos lhe chamou. O que é que "mudou" desde a entrevista a O Independente? Eu acho que nada mudou e que VPV se limita a dar livre curso à sua íntima natureza, o que em nada retira o brilho habitual das suas análises. É por isso que já aqui escrevi que ele era "citável" e "apropriável", consoante a "estação" e o interesse na citação. De Cavaco, porém, VPV já disse praticamente tudo e o seu contrário, como o fez em relação a Soares, apesar dos desvelos inequívocos por este. No livro que comecei por citar, coexistem, aliás, dois artigos aparentemente antagónicos. A um deles, "Cavaco: retrato de um português muito conhecido", recorrem com insistência os detractores mais aguerridos do ex-primeiro-ministro. Porém, colado a esse, vem "Cavaco: a culpa é minha?", no qual VPV explica, com particular lucidez, por que é que se devia renovar a maioria em 1991. Com as devidas adaptações e o devido respeito, não serão estes alguns dos motivos que justificam a "confiança" que, em 22 de Janeiro, os portugueses se preparam para demonstrar em Cavaco e, ainda este ano, desejada pelo próprio VPV? "Cavaco percebe que, num país atrasado e carente, só existe "consenso", se existir autoridade. (...) Não me envergonho dos meus preconceitos e não me coíbo (nem me coibi) de os exibir. Entre mim e Aníbal Cavaco Silva não há nada de comum: e eu gosto muito mais de mim do que dele, para ser sincero e moderado. (...) Como a esmagadora maioria dos portugueses, não tenho razões de queixa do dr. Cavaco (pelo contrário) e (...) não ambiciono passar os próximos quatro anos numa trapalhada acéfala, presidida pela inveja, pelo ressentimento e por Mário Soares. O regime de Cavaco Silva permite-me conduzir a minha vida privada, sem sobressaltos, nem acidentes públicos. Não lhe peço mais e não me propõem nada de melhor. A culpa é minha?"