Pulo do Lobo

quarta-feira, novembro 30, 2005

Pessoano e Transmissível

Embora por cá andemos a ler os Lusíadas - e a Odisseia -, assim preparando a sucessão do Prof. Cavaco, vale a pena lembrar que passam hoje 70 anos sobre a morte de Fernando Pessoa. Aqui fica um poema pessoano (descansem, não é o do Dr. Soares...), que aproveito para dedicar a adversários com sentido de humor.

CHUVA OBLÍQUA (III)

A Grande Esfinge do Egipto sonha por este papel dentro
Escrevo - e ela aparece-me através da minha mão transparente
E ao canto do papel erguem-se as pirâmides

Escrevo - perturbo-me de ver o bico da minha pena
Ser o perfil do rei Cheops
De repente paro
Escureceu tudo... Caio por um abismo feito de tempo
Estou soterrado sob as pirâmides a escrever versos à luz clara deste candeeiro
E todo o Egipto me esmaga de alto através dos traços que faço com a pena

Ouço a esfinge rir por dentro
O som da minha pena a correr no papel...
Atravessa o eu não poder vê-la uma mão enorme,
Varre tudo para o canto do tecto que fica por detrás de mim,
E sobre o papel onde escrevo, entre ele e a pena que escreve
Jaz o cadáver do rei Cheops, olhando-me com olhos muito abertos,
E entre os nossos olhares que se cruzam corre o Nilo
E uma alegria de barcos embandeirados erra
Numa diagonal difusa
Entre mim e o que eu penso

Funerais do rei Cheops em ouro velho e mim...

Há...

... coisas a que as campanhas tagarelas não dão importância. E se isso vale alguma coisa - parece que anda a correr por aí um "inquérito" acerca da eventual "matriz" social-democrata dos colaboradores do Pulo do Lobo -, eu considero-me social-democrata. Tanto assim que me afastei prudentemente do partido com o mesmo nome quando Barroso, em 2004, mandou às urtigas o seu compromisso com os portugueses por causa da beatitude em Bruxelas. E, em Fevereiro, precisamente por ser social-democrata, votei em Sócrates. À semelhança de uns bons milhares de portugueses que, aliás, se preparam agora para votar, com naturalidade e sem angústias paroquiais, em Cavaco Silva.

Xbox

Sou, desde as sete horas da tarde do dia 17 de Outubro de 1979, absoluta e, para ser vulgar, religiosamente ateu. Desde esse momento, para mim Isto Tudo são única exclusivamente forças de van der Waals e assim e absolutamente mais nada.

A professora da catequese, a fascista, oprimiu-me a orelha por eu defender a liberdade individual de cada uma das folhas do livro de catequismo para esse ano (que entretanto tinham decidido descolar em voo planado para o topo de uma nespereira das imediações). Lembro-me, vagamente, de umas ovelhas a subir um monte (atrás do qual eu já tinha arranjado tempo para desenhar um leão esfomeado, mas em forma de garfo) e de uns ensinamentos que não achava descabidos.

Por alguma razão, e não obstante os excelentes aviões que aquele papel proporcionou e os sábios ensinamentos neles contidos, achei-me na razão e no direito de iniciar aí o meu ódio quer ao endoutrinamento (sob qualquer disfarce) quer à classe docente (em qualquer disfarce).

Vejo hoje com clareza o erro que cometi. Sendo o propósito da vida uma pessoa divertir-se, melhor húmus para a diversão não existe que os programas escolares ou religiosos e para a brincadeira estão para nascer melhores aliados que os professores. É tudo uma questão de perspectiva e inteligência. Faltou-me a segunda para atingir a primeira. Tudo, quero crer, por causa daquele puxão de orelhas (sim, que sou uma vítima).

Vem isto tudo a propósito de eu estar aqui à espera de um telefonema. Enquanto esperava, lia o super-pedro-adão-e-silva. Penso que o super-adão-e-silva fala bem mas não tem razão.

O professor doutor Aníbal Cavaco Silva pode ou não ser a favor ou contra a presença ou não de crucifixos numa qualquer sala de aula de uma qualquer escola pública portuguesa: se nunca ninguém o ouvir abrir a boca sobre isso estará a proceder muito bem. Para lém do mais, a questão é bloguisticamente aborrecida e, já se viu aquando do caso francês, no final tudo se resumirá ao extremar de posições até que a ausência de nuance abocanhe qualquer lampejo de inteligência ou interesse.

A minha mãe, com a mesma falta de estratégia que o Super-adão quer para o futuro Presidente da República, achou sensato confrontar-me com as grandes e aborrecidas dúvidas da vida em tão tenra idade, pricipalmente, sem eu ter pedido ou questionado nada de forma fundamental. Ganhou o que no fim talvez fosse inevitável, mas com uma dose de todo dispensável de radicalismo e, o que é pior, infinita estupidez.

O professor doutor Aníbal Cavaco Silva sabe reconhecer uma questão complexa quando vê uma, e, como deve, enquanto pode foge delas a sete pés. Claro que como quem precisa de recuperar nas sondagens é o Doutor Mário Soares e isto não passa tudo de jogatana pré-eleitoral, os seus apoiantes confundem prudência, inteligência táctica e bom governo das opiniões públicas com o que lhes dá mais jeito, no caso, a tomada das escolas pelo Vaticano. Sucede que isto não é um jogo para a Playstation.

terça-feira, novembro 29, 2005

Ando a ler a Odisseia de Virgílio

Fico sempre estupefacto quando oiço pessoas falarem de Vasco Pulido Valente como aquele tipo que uma vez, na televisão, não sabia o salário mínimo. Na maior parte dos casos os indignados são criaturas que nunca leram os livros de VPV, não lêem as crónicas, não acompanham o estilo. Mas bastou um lapso, uma omissão, um esquecimento, para que eles desfizessem o homem e declarassem que no fundo, no fundo ele não era nenhum génio e, mais ainda, não era nada. Pode escrever-se sobre a História do século XIX sem conhecer o salário mínimo de um ano do século XX? Não, esses práticos da tolerância cultural, habitualmente mais incultos que as suas vítimas, não admitem. A intolerância traz sempre uma marca de cretinice. Lembro-me de um exame na faculdade em que o meu colega de carteira protestava contra o professor que tinha dito, antes de entregar os enunciados de teste, “alugar um imóvel” em vez de ‘arrendar”. O coitado, ao fim de quinze minutos, estava a entregar a prova. Sabia que não se diz “alugar um imóvel” mas não sabia mais nada. O que nos leva a Cavaco Silva e àquele dia triste para a cultura portuguesa em que Cavaco confundiu Thomas More e Thomas Mann, dois nomes que, como se pode ver, não têm nada a ver um com o outro, não têm sequer palavras idênticas, a mesma aliteração, as mesmas consoantes, dois nomes que qualquer um distingue. Confusões destas não se aceitam. O meu amigo Pedro Mexia que confessava recentemente ter trocado os nomes de Galvão Telles e Cunha Telles bem pode pedir protecção. E eu, que às vezes misturo Tom Wolfe e Thomas Wolfe, ou Henry Green ou Julien Green, ou Ian Banks e Russell Banks, devo ficar no meu lugar esperando a pena. A quantidade de gente que se diz conhecedora da mesa de cabeceira de Cavaco Silva daria para um filme cheio de figuração. Somos todos muito tolerantes, muito complacentes com o erro, muito cultos, muito educados, muito clássicos, lemos “A Utopia”, “Os Buddenbrook”, só nos falta agora aprender coisas mais simples, coisas como a humildade, a moderação no juízo e, se não for pedir muito, uma certa noção do ridículo.

Boas Vindas

A candidatura de Jerónimo de Sousa também já tem um blogue de apoio. Chama-se Mais Livre. É um blogue feito a pensar do debate livre e na troca de ideias. O Mais Livre aceita comentários.

Liberais e Crucifixos

É sempre assim: fala-se em laicidade e os órfãos da República vêm reclamar a herança. Fazem bem. Qualquer dia os revisionistas ainda se lembram de dizer que o Afonso Costa não foi o maior português desde Robespierre, e lá temos de novo a Inquisição, o Holocausto e o Bagão Félix no governo. Não pode ser. Desta vez, Pedro Adão e Silva acusa Cavaco de "iliberal" por este se mostrar "muito surpreendido" com a polémica dos crucifixos nas escolas e achar "que não é certamente este o problema que preocupa os portugueses".
Confesso que algo me escapa.
Em primeiro lugar, subscrevo as palavras de Cavaco - tal como faria se Soares ou Alegre afirmassem o mesmo. (A propósito, porque será que dois tão notórios republicanos ainda não se pronunciaram sobre a questão? Terão medo de perder votos?) Mais: como pai e professor, lamento profundamente que a educação só apareça na campanha para embrulhar um rebuçado que o PS dá ao povo de esquerda enquanto faz políticas de direita.
Depois, o "liberalismo" invocado é apenas uma das variantes históricas democracia, e nem sequer a de melhor memória - a jacobina. Há mais mundos além da França. Nos EUA e em Inglaterra podem ver-se crucifixos nas salas de aula. Em Cuba e na Coreia do Norte não. Qual dos regimes será mais liberal aos olhos de Pedro Adão e Silva?
Note-se que não estou a desvalorizar o "problema". Pelo contrário, acho que ajudará a distinguir (por exemplo, na blogosfera...) os verdadeiros liberais dos jacobinos. Mas a minha posição é a de Burke e Tocqueville, que viam a essência do liberalismo mais nas liberdades tradicionais dos indivíduos e das comunidades perante o Estado do que na defesa formal da liberdade em abstracto pela lei. Os pais e os professores de uma escola querem o crufixo? Deixe-se o crucifixo. Os de uma outra querem um retrato do Che Guevara? Dê-se-lhes o retrato. Os de uma terceira não querem nada? Nada, então.
Posto isto, também eu tenho algumas perguntas a fazer.
1 - Qual o direito, liberdade ou garantia que os crucifixos ameaçam?
2 - O que pensam Soares e Alegre do assunto?
3 - Porque não dá o Estado português às comunidades o direito de escolherem?
4 - Os partidários da regionalização não querem a descentralização educativa?
5 - Os defensores da autodeterminação dos povos não aceitam a autonomia das escolas?
6 - Os paladinos da liberdade não lutam pela liberdade de ensino?
São estes os "problemas" que me preocupam. Nas presidenciais e fora delas.

Duas breves notas preliminares

Em primeiro lugar o óbvio: não somos família. O meu Cavaco é do Norte e o do Professor é do Sul.
Em segundo: sou prosélito. Ou seja, no passado blasfemei contra o meu presente credo eleitoral. À falta de limpeza de cadastro trago um coração convertido. Sobre indecisos não sei. Testemunho que, pelo menos, este é o melhor candidato para arrependidos. Na casa de Aníbal há muitas moradas.

segunda-feira, novembro 28, 2005

O Crispianismo

Já se percebeu a táctica de Manuel Alegre para não deixar Soares sozinho no palco com Cavaco: chama-se crispianismo. Sim, crispianismo, a doutrina segundo a qual Cavaco Silva é um homem "crispado" e que traz "crispação à política". Na semana passada, Alegre pregou-a na entrevista ao Público e em declarações avulsas aos jornalistas.
Só que esta doutrina, vinda do herege que agora divide o PS e a esquerda, talvez não chegue sequer para salvar a alma do apóstolo. Aconselho uma "aliança de civilizações" com o humanismo soarista, aliança por ora tragicamente inviável pelas razões conhecidas. Ah, se o não fossem!... Veríamos o humanismo crispão no seu máximo esplendor - Soares e Alegre a descer a Avenida da Liberdade de braço dado. E diria um: "o gajo fica crispado quando se fala nos Lusíadas, o nosso poema máximo, não sei se conheces". Ao que o outro responderia: "isso não me tira o sono, claro que conheço, fui eu que o escrevi". E viveriam felizes para sempre.

Da série: É uma candidatura supra-partidária, estúpido!

O João Pinto e Castro quer saber quantos de nós se consideram sociais-democratas.
Como disse o Pedro Lomba no primeiro post, este blogue é produto de uma só vontade: ver Cavaco na Presidência. Não existe, no momento que importa, qualquer outra convicção partilhada mais relevante do que essa. Assim como a impoluta e ortodoxamente socialista Joana Amaral Dias se tem empenhado na industriosa campanha do dr. Soares, muitos sociais-democratas, muitos liberais, muitos conservadores e até, para vosso supremo desgosto, muitos socialistas resolveram juntar-se à confraria para fazer uma nova rodagem ao Citroën, desta vez até Belém.
A interrogação, que é legítima, não deixa ainda assim de causar alguma estranheza. Afinal, o João Pinto e Castro é apoiante do candidato oficial do PS que nem os socialistas foi capaz de reunir.
Razão tinha Wittgenstein: nunca tentes resolver os problemas do mundo quando não foste capaz de resolver os teus.

Um blogue humanista

Depois do maradona (com minúscula) da Margem Sul, eis que chega mais um ilustre reforço ao PdL:

O Kierkegaard de Moscavide.

Culturas pouco gerais (ou "se em vez da oliveira ali tivessem plantado uma "Cidade do Sol" do Campanella eu não teria feito a pergunta")

Doutor Mário Soares - Que árvore é aquela ali?
Senhor não identificado - É uma oliveira, senhor Presidente.

Extraído de uma reportagem da TSF, em cobertura de mais uma das presidências abertas do Doutor Mário Soares, enquanto se passeava de carroça pela coutada de Mafra.

Da infabilidade presidencial

É raro que uma disputa política seja inteiramente racional. Se assim fosse, os contendores sairiam sempre revigorados: um pelo convencimento próprio do vencedor e o outro pela lição que acabara de receber. Idealmente, seguiríamos, portanto, o impoluto modelo escolástico. Sabemos, porém, que apenas um em mil debates segue esse exemplo. Sabemos, aliás, que o fim de uma controvérsia não é obrigatoriamente ter razão.

É esta evidência tão difícil de conter que temos andado a refrear desde há trinta anos para cá. Somos admiradores confessos dessa forma enviesada de poupar a cabra e a couve. Há trinta anos que o Presidente não se discute. Há trinta anos que o Presidente tem sempre razão. Há trinta anos que o Presidente faz política às escondidas, sob remoques e insinuações. Porque, em trinta anos, todos os Presidentes fizeram política. Eanes, Soares, Sampaio. Todos. Mas fizeram-no sempre de luva branca, com medo de dar nas vistas, com medo de sujar as mãos.

A paz podre e a falsa bonomia cresceram tão constitucionalmente na Presidência da República que já ninguém com responsabilidades políticas ousa contestar, olhos nos olhos, as decisões do chefe de Estado. O Presidente fala? Aplauso. O Presidente veta? Aplauso. O Presidente dissolve? Aplauso. E isto tem que acabar. Este temor reverencial tem que acabar. E quem, melhor que Cavaco, para pôr fim a este unanimismo próprio dos que não querem pensar? Quem, melhor que Cavaco, para acabar de vez com esta endémica aversão ao confronto e ao debate?

Com o dr. Sampaio, reconhecido mestre em placitudes, o unanimismo conheceu finalmente um promotor à altura. Com Sampaio em Belém o Presidente conseguiu fazer esquecer alguns, entre comoções frequentes, palavras melosas e fórmulas vazias, de que também era um órgão político e que, como tal, tomava decisões políticas, obedecendo logicamente a critérios políticos. Lembrando ao povo predicados tão nobres como o carácter «tutelar» e «institucional» do Presidente da República, o dr. Sampaio quis confundir angústias veladas com promoções de patriotismo, disfarçando manobras e intenções menos transparentes com discursos perorados sobre o estado da nação.

Estas eleições são o momento certo para acabar com esta espécie de dogma da infabilidade presidencial. A própria natureza da eleição (não consensual, quem perde não garante representação, ao contrário do que sucede nas legislativas) propicia o debate e a polarização. Com a eleição de Cavaco, que tem esse dom invejável de irritar imensamente a esquerda, teremos cobrança e discussão para os próximos cinco anos. Não serão essas, afinal, as virtudes originais da Democracia?

O Argumento Qualitativo

Continuando então este post:

Discordo frontalmente da teoria que argumenta que a influência de um Presidente face ao actual momento resultaria de um aumento, ou de uma interpretação abusiva, dos seus poderes tal como estão constitucionalmente definidos; no fundo, da tese da presidencialização do regime.

A questão deve ser colocada, na minha opinião, de forma estruturalmente diferente. A influência, se tida como positiva, de um Presidente derivaria de 3 aspectos de igual importância:

1. Qualidade do diagnóstico
2. Consciência das reformas necessárias
3. Definição da natureza da influência e do exercício dos poderes presidenciais face a 1. e 2.

Se é verdade que poderíamos continuar a dissertar imenso à volta da qualidade do diagnóstico e das potenciais soluções preferidas por cada candidato, e isso seria um tremendo argumento a favor de Cavaco, é no ponto 3. onde julgo existirem alguns equívocos de análise.

Argumenta-se então que o Presidente tem um conjunto de poderes bastante restritos e que a sua capacidade real de influência é marginal, pelo que apenas ultrapassando em larga medida o que constitucionalmente lhe seria permitido poderia aumentar o seu impacto.

O meu ponto é precisamente o inverso. O sucesso e, de certa forma, a abrangência do mandato do próximo Presidente resultará sobretudo do reconhecimento e rigoroso respeito pelos poderes presidenciais tal como são compreendidos hoje: limitados. Contraditório?

Não necessariamente, diz-nos Teodora Cardoso, num muito interessante artigo sobre o legado de Alan Greenspan:

«os meios ao dispor da instituição para o exercício do seu poder reduziram-se muito. Isso não impediu, no entanto, que o seu efeito se tenha tornado mais forte que nunca.

Para isso contribuíram decisivamente as características de Greenspan e a forma como soube usar o poder da informação de que dispunha, ímpar tanto em qualidade como em quantidade. A sua forma oracular de comunicação teve uma importância fundamental na influência que exerceu, mas o que sobretudo o caracterizou foi a capacidade de interpretar sem preconceitos um extraordinário volume de informação e de comunicar com enorme rigor as suas conclusões

A presidencialização do regime não é nem desejada nem benéfica. E argumentar, como aqui argumento, que a presidência com Cavaco será um factor positivo que acrescenta em exigência e progresso face ao que temos e ao que nos é proposto em alternativa, não significa que se aspire a um aumento dos poderes presidenciais. O enfoque é estruturalmente distinto; é um argumento qualitativo.

Como relembra Teodora Cardoso:

«A contradição interessante que resulta desta análise é a que leva a concluir que o real exercício do poder e da influência não é o que advém dos instrumentos de que se dispõe, mas sim da capacidade de reconhecer e identificar as suas restrições e de saber usá-la com vista a influenciar o enquadramento que limita o próprio exercício do poder. »


É neste tipo de enquadramento e exercício de poderes que acredito que Cavaco poderá encaixar, mas não basta. O meu voto em Cavaco deriva ainda da qualidade do seu diagnóstico e da sua consciência da necessidade de reformas - e quais reformas. Acredito que Cavaco saberá colocar o Palácio de Belém como um elemento catalisador das mesmas, e que será uma referência de rigor e exigência, com critério, o que implica selectividade das causas, estudo, silêncio e escolha adequada do momento das intervenções.

E quando as suas posições e as do Governo não forem as mesmas, como, por exemplo, a leitura do FED e das várias Administrações dos EUA nem sempre foram, deverá, com o bom senso e inteligência que já demonstrou ter, evitar crises institucionais, servir como um parceiro tão crítico quanto discreto, e apenas em situações absolutamente extremas funcionar como um bloqueio.

Nada de especialmente original, como se constata na leitura do legado de Greenspan, nem é esse o objectivo. Aliás nestas coisas, como em tantas outras, a primeira fase da tradução inglesa do Anna Karenina do Tolstoi diz tudo:

«Happy families are all alike; every unhappy family is unhappy in its own way

Nestas eleições, podemos acertar com Cavaco, ou errar de várias outras formas.

domingo, novembro 27, 2005

"Gosta-se de o ver"

"Afinal a cavaqueira teve o seu interesse. Estava o Cavaco Silva a presidir ao paleio. Gosta-se de o ver. Tem um ar asséptico, formalizado sem excesso e presta uma atenção desprendida mas ferina a tudo o que se vai dizendo."

Vergilio Ferreira

Via Minha Rica Casinha

O Leopardo

No Super-Mário voltam à carga com a kulturkampf, supondo que isso traz votos a Soares. Não traz, já se viu, mas o João Pinto e Castro insiste que o Presidente da República deve ser "culto" para poder falar com outros chefes de Estado ao almoço, enquanto o Ivan acusa Cavaco de se dar ares por falar do que (não) lê e de mentir (!) quando diz que votou na CEUD em 72.
A gente pasma com estas coisas.
Não tanto com a vocação inquisitorial dos herdeiros do jacobinismo. O exemplo vem de cima. Não foi Soares quem disparou a tirada "nós, os socialistas, que estamos aqui com as nossas legítimas mulheres" para atacar Sá Carneiro? Foi.
O problema não é esse, já estamos habituados. O problema é que eu tenho aqui umas linhas em que o pai da Pátria cita confusamente "uma personagem de Tomazi di Lampedusa no célebre filme de Visconti, O Leopardo" (O Que É Governar à Esquerda?, Gradiva, 1997, p. 12). Se eu não soubesse que Soares é culto, cultíssimo, culto acima de toda a suspeita, quase diria que ele não leu o livro e só viu o filme. Quase. Porque um homem que conhece Os Lusíadas não precisa de se dar ares. Já o estou a ver, no próximo encontro com os representantes das religiões, a contar a vida de Jesus Cristo, uma personagem daquele filme do Pasolini, o Evangelho.

Para não dizerem que abusamos dos gráficos, cá vai um poema

Cavaco Silva baralhou sempre as classificações tradicionais da direita e da esquerda. Admito que isso não seja sempre agradável, mas quem se queixa mais é a esquerda partidária e a esquerda esquerda que nunca digeriram bem que Cavaco Silva lhes invadisse o espaço e retirasse votos. Por acaso, lembrei-me deste poema de Alexandre O'Neill que Cavaco Silva podia declamar, sem música, no dia 22 de Janeiro.

Esquerdireita

À esquerda da minoria da direita a maioria
do centro espia a minoria
da maioria da esquerda
pronta a somar-se a ela
para a minimizar
numa centrista maioria
mas a esquerda esquerda não deixa.
Está à espreita de uma direita, a extrema,
que objectivamente é aliada
da extrema-esquerda.

Entretanto
extra-parlamentar (quase)
o Poder Popular
vai-se reactivar, se...

Das cúpulas (pfff!) nem vale a pena
falar, que hão-de pular!

Quanto à maioria da esquerda
ficará – se ficar – para outro poema.

Alexandre O'Neill, "Anos 70 - poemas dispersos", Assírio e Alvim, 2005

sábado, novembro 26, 2005

Memórias dos 10 Anos


«Human development index

The human development index (HDI) is a simple summary measure of three dimensions of the human development concept: living a long and healthy life, being educated and having a decent standard of living. Thus it combines measures of life expectancy, school enrolment, literacy and income to allow a broader view of a country’s development than using income alone—which is too often equated with well-being.»

Fonte: United Nations, Human Development Reports

Veio o Diabo

O Venha o diabo, novo e bem-vindo blog on the block, acusou-me de abrir a primeira crise na candidatura presidencial de Cavaco ao "fazer humor" sem sentido de Estado. É uma acusação injusta porque... como é que vou dizer isto?... ó meus amigos, citem-me à vontade, até gosto de ser citado por gente famosa e que aparece na televisão e assim, mas... eu não estava a brincar...

Les Beaux Esprits Toujours Se Rencontrent Ou Lá Como É Que Se Diz Em Francês

O meu post de ontem sobre "O Fim do PREC" parece-se perigosamente com a crónica do Pedro Lomba no DN. Não vale a pena acusá-lo de plágio porque o texto dele é muito melhor. Aí fica o link para quem quiser tirar a limpo.

Sondagens

Andamos todos preocupados com as sondagens. Os soaristas porque Soares vem sempre atrás de Alegre. Os cavaquistas porque se têm enganado de adversário. Os alegristas porque não têm dinheiro para a segunda volta.

Mas o que realmente devia preocupar os soaristas é a sondagem do Público de anteontem, sobretudo na parte em que se pergunta pelas qualidades que os portugueses querem ver no Presidente da República:
1ª - honestidade (58%);
2ª - bom senso (41%);
3ª - competência técnica (33%);
4ª - capacidade de liderança (32%);
5ª - experiência (31%);
6ª - sensibilidade aos problemas sociais (31%);
7ª - simpatia (14%).

Simplesmente arrasador. Para Soares.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Mas que rica esfinge

Numa semana, entrevista ao Público, entrevista à Rádio Renascença, entrevista à Atlântico. O que se passa com Cavaco Silva? Devia estar calado.

Mas deve ser uma excelente pessoa

Não creio, como tudo e todos por aí dizem (ou se pressente que estão a dizer apesar de dizerem o contrário), que a silenciosa peregrinação até Belém do professor doutor Aníbal Cavaco Silva venha a ser uma Cerelac de Maçãs. Mesmo no Margens de Erro não se vislumbra cepticismo acentuado perante o cenário de Cavaco ganhar à primeira volta. Apesar de tudo o que o Pedro Magalhães diz sobre a posição relativa das intenções de voto entre Manuel Alegre e Mário Soares, continuo a acreditar (e a desejar) que o combate fundamental de Cavaco Silva, com segunda volta ou sem segunda volta, será com o doutor Mário Soares. Não tenho a mínima e, neste momento (pelo país fora), pandémica condescendência pela actual figura de Manuel Alegre e acho inacreditável, vergonhoso, que os portugueses, mesmo só nas sondagens, estejam a colocá-lo à frente do doutor Mário Soares. Manuel Alegre é uma figura triste, farta, desocupada, que incorpora sozinho todo o conceito de "ultrapassado"; tenho mesmo a arrogância de desprezar o seu discurso em toda a sua inteireza, onde practica o empacotamento denso de palavras grandiloquentes como "liberdade", "portugal", "história", "memória" e, principalmente, "fraternidade". O Portugal de Manuel Alegre ou de quem pretende votar nele é um Portugal que não existe nem que nunca existiu: é um seu pessoalíssimo desejo sonhado, que tratou de criar à sua particular medida, para abastecer a sua autoestima e o seu ego, ainda por cima tudo muito mal rimado. Não se vê por lado nenhum a intenção de colocar esta pequena figura no sitio que merece, que é ao lado de Francisco Louçã e Jerónimo de Sousa. Viva o doutor Mário Soares.

O Fim do PREC

Uma - para mim a melhor - das razões para votar Cavaco é que a sua vitória representa a verdadeira normalização democrática do regime. Em Portugal, a democracia tem sido tutelada pelos mais diversos tutores, todos com uma característica comum: a de se imaginarem donos da liberdade dos portugueses. Foi tutelada pela ameaça de uma ditadura do proletariado até ao dia 25 de Novembro de 1975, ameaça vencida pela coragem de Ramalho Eanes e de outros militares. Foi tutelada pelo Conselho da Revolução até à revisão constitucional de 1982, pela qual tanto se bateu Sá Carneiro. Foi tutelada pelo medo de um governo monopartidário, que só a primeira maioria absoluta de Cavaco viria a exorcizar. E foi tutelada até hoje pelo monopólio da virtude democrática que sempre reclamou para si uma certa esquerda, sobretudo à conta da má consciência de uma certa (ou errada) direita.
Basta ter um pouco de memória para recordar como essa esquerda agitou invariavelmente o espantalho do salazarismo quando pressentiu a derrota. Fê-lo contra Freitas do Amaral em 1986. Fê-lo para tentar impedir a segunda maioria absoluta de Cavaco. Fê-lo no congresso "Portugal, que Futuro?", pela boca de Gomes Mota. Fê-lo nas eleições para a Câmara Municipal de Lisboa que Santana Lopes ganhou.
Nós ou o fascismo: eis o mote do costume. Não surpreende que haja quem o use ainda, passadas três décadas sobre o 25 de Novembro. Mas os portugueses dispensam tutelas. Sabem o que devem a Soares e a Alegre. Sabem o que não devem a Jerónimo de Sousa e a Louçã. E sabem o que querem para o futuro. Cavaco Silva na Presidência da República será a maioridade da democracia portuguesa. O fim do PREC, trinta anos depois. Já não era sem tempo.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Podem Fazer as Perguntas Erradas

Cavaco Silva e Manuel Alegre são entrevistados pela revista Atlântico deste mês. O painel de entrevistadores é de primeira água: Helena Matos, Maria de Fátima Bonifácio, Luciano Amaral e Rui Ramos .

Curiosamente nem todos os candidatos aceitaram ser entrevistados. Lê-se no Acidental:

«Mais curioso é ficarmos a saber, através de Helena Matos, que Mário Soares recusou ser entrevistado pela revista, ao contrário de Manuel Alegre. Como símbolo do que já é e do que pode representar no futuro a "Atlântico", não está nada mal: esta é a revista a quem Mário Soares recusou uma entrevista. Será porque teve medo das perguntas?»

Provavelmente. Emitir as habituais vacuidades sobre os perigos da globalização, trocar défices por superavits, sugerir políticas que já levaram países à ruina, baralhar todos os números ou defender diálogos com a al-Qaeda pode ser muito interessante perante a habitual complacência de jornalistas reverentes. Em frente deste painel de entrevistadores, o candidato arriscava-se a ficar em muito maus lençóis...

"Ousar lutar, ousar vencer"

Como julgo que ninguém aqui tem competência específica para "comentar" sondagens, recomendo a leitura do blogue de Pedro Magalhães sobre as mais recentes e sobre todas. Nada do que elas exprimem deve levar-nos a pensar que "já está" ou que "está quase". Nestas matérias, nada como seguir o velho lema que levou tanta gente tão longe: "ousar lutar, ousar vencer".

A comunicação interpares é uma coisa muito bonita.

Fui, entretanto, orgulhosamente surpreendido com um mail do colega de Pulo, João Caetano Dias (jcd), onde sou desafiado para a produção e envio de uma declaração de voto no professor doutor Aníbal Cavaco Silva, que ele, jcd, prontamente postaria aqui no Lobo - coisa que, aliás, tenciona fazer com outros seus convidados de qualidade menor -. Aproveito esta oportunidade não só para informar o jcd e a expectante audiência que a obra está já em avançado estado de dilatação, mas também para levantar um pouco do véu (salvo seja) da mesma: entre outras ideias e conceitos imperecíveis, constam as palavras “votar”, “silva” e, estou certo, um ou outro advérbio de modo. O texto completo, é bonito de ver, chegará em primeira mão à caixa de correio electrónico do jcd, que a ética interpares é uma coisa muito bonita.

A Minha Mesinha de Cabeceira

Nas dez alíneas que perfazem o que se poderá chamar de “Pequeno Livro de Estilo do Pulo do Lobo” - em especial atenção a mim, o Pedro Lomba teve a presença de espírito de incluir uma alínea suplementar, que desde já, eu e o povo, agradecemos -, pode ler-se: “Não temos um busto dele em casa“. Mesmo assim, decidi manter a decisão de participar neste magnífico projecto castanho.

quarta-feira, novembro 23, 2005

Irresponsabilidade

Mário Soares afirmou ontem que se estavam a passar "coisas muito estranhas" na Justiça portuguesa, como as "escutas telefónicas que não se sabe quem as autoriza".
Ou sabe mais do que nós e é sua obrigação denunciar os factos de que tem conhecimento. Ou não conhece a lei: nesse caso recomenda-se a leitura do Código de Processo Penal.
Mas é provável que seja apenas mais um comentário irresponsável e superficial, vindo de um ex-Presidente da República, que quer voltar ao cargo, e não prescinde de enviar uns recados que afundam ainda mais o sistema.

terça-feira, novembro 22, 2005

Conversas

O Pulo do Lobo decidiu- ou alguns dos seus colaboradores decidiram - "conversar" com blogues "afectos" a outras candidaturas, designadamente com o "comics" Super-Mário. E, vai daí, deu-se início a uma espécie de jogos florais "inter-blogues" que, salvo o devido respeito, não acrescentam nada de substancial às candidaturas "apoiadas". Eu prefiro "conversar" com apoiantes de outras candidaturas por causa da política e não propriamente à luz de uma espécie de "gato fedorento" das eleições presidenciais ou do "quem quer ser milionário" à conta de citações pretéritas dos candidatos. Não me parece que Cavaco Silva sinta necessidade de andar por aí, tagarela, a massajar diariamente o ego de ninguém. Nem sequer que precise de recorrer à mera "shop talk" tão em uso noutras bandas. Não é para eles que ele fala. E é isso que fará toda a diferença.

Dez Razões de Política Internacional Para Não Votar em Alegre

1. Se encontrar Zapatero, chama-lhe Quixote.
2. Se encontrar Chirac, chama-lhe De Gaulle.
3. Se encontrar Sarkozy, chama-lhe Napoleão.
4. Se encontrar Blair, chama-lhe Churchill.
5. Se encontrar Angela Merkel, declara-lhe que "as mulheres do meu país não leram Brecht, mas são bandeiras desfraldadas ao vento do futuro", ou qualquer coisa igualmente embaraçosa.
6. Se encontrar Berlusconi, chama-lhe Garibaldi.
7. Se encontrar Bush, chama-lhe Kennedy.
8. Se encontrar alguém do Pentágono, pergunta-lhe como é que vai essa coisa do blog.
9. Se encontrar José Eduardo dos Santos, chama-lhe Mandela.
10. Se encontrar Bento XVI, diz-lhe "ouve lá pá, comigo, de branco, só o Figo no Real Madrid".

Dez Razões de Política Internacional Para Não Votar em Soares

1. Se encontrar Zapatero, chama-lhe Gonzalez.
2. Se encontrar Chirac, chama-lhe Mitterrand.
3. Se encontrar Sarkozy, chama-lhe De Gaulle.
4. Se encontrar Blair, chama-lhe Tatcher.
5. Se encontrar Angela Merkel, pergunta-lhe "Frau Kohl, o seu marido não veio?"
6. Se encontrar Berlusconi, chama-lhe Craxi.
7. Se encontrar Lula, chama-lhe Porto Alegre.
8. Se encontrar Bush, chama-lhe Bush, mas pergunta-lhe porque é que resolveu invadir outra vez o Iraque.
9. Se encontrar Bento XVI, chama-lhe Paulo VI.
10. Se encontrar Figo, chama-lhe Eusébio.

Também Eu Tenho Uma Citação Polida e Valente no Congelador

Agora toda a gente cita Vasco Pulido Valente para atacar Cavaco. É justo. Nada melhor do que servir-se de um ex-deputado nogueirista para lembrar a pesada herança do patriarca. No Público de Domingo passado, além do mais, o homem esmerou-se. Depois de incluir o Dr. Soares no naufrágio universal a que semanalmente condena a humanidade, parece que terá dito qualquer coisa como "mas é bom que ele exista" . Grande entusiasmo nas hostes soaristas.
Compreende-se. Um elogio do terrível Vasco é um fenómeno da natureza, algo a meio caminho entre uma aurora boreal e a vida amorosa do escorpião-fêmea, que tem o hábito de matar o macho após os dez segundos necessários à perpetuação da espécie. Podiam era ter citado a prosa toda, e não apenas a aurora boreal.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Fintas e placagens

O Ivan Nunes, cedendo às metáforas, compara-me a um jogador de râguebi que se recusa a jogar para não ser aleijado. Como não tenho a mesma vocação para a metáfora, diria apenas que o Ivan me lembra um jogador de futebol que, nestas eleições presidenciais, só tem jogado râguebi. Em vez de fintas, faz placagens.

Uma crítica a Vital Moreira

Tenho estima intelectual e académica por Vital Moreira. Estou quase sempre em desacordo com os seus textos políticos, mas reconheço no que escreve uma responsabilidade, uma seriedade e um institucionalismo que me deixam satisfeito. Depois, conheço o contributo de Vital Moreira para a implantação da democracia: quando se fizer um dia a História da Constituição de 1976, alguém perceberá a importância que teve Vital Moreira em trazer o PCP para o terreno da disputa constitucional, retirando-o da disputa revolucionária. É um mérito histórico que não devemos negligenciar. Vital Moreira deixou entretanto de ser comunista, mas continua a defender a Constituição que ajudou a fazer, o que só lhe fica bem. No que ao semipresidencialismo diz respeito, não conheço quem mais assídua e energicamente defenda as virtudes do semipresidencialismo e de uma versão deste sistema em que o Presidente da República se assume como órgão político, não como um cargo protocolar, como um órgão que conta, não como um fútil organizador de banquetes. Ora, é por isso mesmo que não compreendo esta atitude de vigilância que Vital Moreira tem revelado sobre o comportamento constitucional dos outros candidatos, denunciando qualquer manifestação daquilo a que chamou de «deriva presidencialista». O meu problema não é tanto Vital Moreira esquecer as vezes que Cavaco Silva já disse que respeitará o equilíbrio de poderes ou a óbvia circunstância de alguns apelos à presidencialização do regime terem surgido na forma de presentes envenenados ao candidato. O meu problema é que Vital Moreira tem sido há muito um legítimo e excelente defensor da faceta presidencial do nosso regime político. Se eu tivesse que encontrar um teórico do semipresidencialismo vigente que, deslocando-se para além do texto da Constituição, conferiu ao cargo presidencial um amplo direito à palavra e à liberdade de exteriorização, uma função de orientação política sobre outros poderes democráticos e, na prática, a possibilidade (sublinho: a possibilidade) de um poder de oposição contramaioritária ao Governo, eu escolheria Vital Moreira. Não por acaso, foram Vital Moreira e Gomes Canotilho quem, em 1991, a pedido do então Presidente Mário Soares, elaboraram um parecer sobre os poderes do Presidente da República, mais tarde publicado em livro, que assentou como uma luva às pretensões de maior intervencionismo que Mário Soares tinha para o seu segundo mandato presidencial. Os argumentos de Vital Moreira e Gomes Canotilho forneceram a Soares a legitimação jurídica de que este precisava para os seus desejos de um maior protagonismo político e de um reforço dos seus poderes nas áreas da defesa e da política externa (aqui com curiosas aproximações ao semipresidencialismo francês). Os políticos são os primeiros a trair os juristas e, contra o que os próprios Moreira e Canotilho haviam escrito, o dr. Soares fez do seu segundo mandato presidencial o que bem se conhece. Vital Moreira é um dos teóricos desta função presidencial de orientação política, de que Cavaco Silva tenciona justamente servir-se. É certo que essa orientação política, como Vital Moreira e Gomes Canotilho a conceberam e concebem, não pode ultrapassar zonas de intervenção genérica e limitada. Os presidentes não se podem substituir aos governos. Mas orientar significa dar instruções ou fazer recomendações. Se Cavaco Silva usar o seu poder para dar instruções e fazer recomendações, estará a respeitar integralmente quer a Constituição, quer o pensamento de Vital Moreira. Para ele, isso devia ser suficiente.

domingo, novembro 20, 2005

Diz-me com quem andas

Bem sei que as sondagens valem o que valem e que faltam dois meses para as eleições. Mas sei também que os políticos se guiam, mais do que ninguém, pelas sondagens. Ora as sondagens que têm vindo a público colocam um grave problema a Soares.

Soares não é hoje o candidato «transversal» que foi (em certa medida) em 1986 e (incontestavelmente) em 1991. Soares está numa situação desconfortável, em que se vê obrigado a lutar pelos votos da esquerda e do centro-esquerda. Mas, por culpa de Alegre ou do próprio, Soares está também numa situação que se pode caracterizar como, no mínimo, irónica - não consegue perfazer sequer os votos do eleitorado socialista fiel. E aqui coloca-se uma interessante questão estratégica: a gestão do grau de independência partidária da candidatura.

As intervenções dos últimos dias vêm sublinhar aquilo que já toda a gente devia saber: a candidatura de Mário Soares é embaraçosamente partidária. Num dia, Mário Soares perde-se em elogios a Sócrates e Guterres. No dia seguinte é a vez de Sócrates retribuir copiosamente, ao afirmar, entre outros recortes de antologia, que Soares esteve «sempre do lado certo da História». Por outras palavras, Soares namora os ícones do PS moderno, e o PS do momento namora Soares. Para que o eleitorado tradicionalmente socialista perceba que, apesar de devermos eleger para Presidente um candidato independente, tem mesmo é de votar Soares. Mais que isto, só fazendo o desenho.

Apesar de ter o apoio do PSD, a candidatura de Cavaco Silva não tenta fazer um aproveitamento político do facto. Nem o PSD se quer colar excessivamente à candidatura de Cavaco Silva. E o fundamental é que isto não acontece por uma questão circunstancial. Seria fácil a Cavaco colar-se ao PSD. Lembremo-nos que a popularidade do governo é fraca e que o PS acabou de sofrer uma pesada derrota eleitoral. A opção por uma marcada independência suprapartidária é tomada por meras razões de princípio e respeito pelo enquadramento constitucional. Claro que para os apoiantes do candidato que tem por hábito ostentar as insígnias do republicanismo, esta explicação é insuficiente. E logo avançam para as costumeiras teses do populismo e da tecnocracia. Nada que surpreenda.

Campanhas tagarelas

Prosseguem, a todo o vapor, as campanhas tagarelas. Manuel Alegre foi o último a aderir ao exercício. Copiando. Acontece que acaba-se sempre por preferir os originais.

sábado, novembro 19, 2005

Humanismo

Homem com opiniões

Esta semana, pelos mais desvairados motivos, vários prosélitos recorreram a Vasco Pulido Valente. Fosse por causa do dr. Soares, fosse por causa do dr. Cavaco, Pulido Valente foi invocado alternadamente como "apoiante" e "crítico" do primeiro e, com maior constância, como impiedoso "desmistificador" do segundo. Até VPV, por fim, recorreu a ele mesmo. Pela natureza das coisas, a começar pela dele, Pulido Valente não pode "gostar" do dr. Cavaco, pese a circunstância de achar que ele deve ganhar. Numa prosa reproduzida na Grande Loja, VPV opina sobre o "homem sem opiniões" que supostamente seria Cavaco Silva. O "mote" é a entrevista da TVI que eu, numa escala de 0 a 20, classificaria com um 12/13. Já pouca gente se deve lembrar dela mas, por exemplo, não custava nada ao dr. Cavaco ter admitido que a dissolução do Parlamento foi correcta e que a emergência do austero Sócrates não fez mal a ninguém. O eleitorado da "direita" sabe isso perfeitamente e não era por lho ouvir de viva voz que ia agora fugir, indignado com a evidência. Quanto ao resto, Cavaco fez bem em evitar a pequena peripécia e em centrar a sua "mensagem" como "pré-presidente", a concorrer para os 51%, como disse Pacheco Pereira na SIC Notícias, e não em masssajar o ego de oponentes que concorrem para os 20 ou para os 30, ou, de resto, para defenderem "territórios". Para não destoar e a benefício de inventário, eu também recorro a VPV, a um VPV de 19 de Julho de 1991, em O Independente, a título meramente ilustrativo de uma "opinião" como outra qualquer. "Os inimigos do dr. Cavaco nunca perceberam que a obstinação dele o punha firmemente no centro das coisas e os podia coagir, como coagiu, a tomá-lo como único ponto de referência. Cavaco sabia o que queria; os inimigos de Cavaco limitavam-se a saber que não queriam Cavaco." Isto, lido agora, não lembra nada?

sexta-feira, novembro 18, 2005

Hayek, Salma, e Cavaco, Silva

O nosso coblogger JCD publicou aqui as declarações de voto de dois conhecidos liberais da blogosfera, o Miguel Noronha e o Rodrigo Adão da Fonseca. Li-as, gostei e parece não fui o único. Confesso, porém, que me custa um pouco entender certos problemas de consciência em votar Cavaco Silva.
Os liberais dizem que o homem não é um deles, já sei. E não será.
Mas não votar Cavaco por não ser um liberal é como não jantar com a Salma Hayek porque nunca leu Dostoievsky. Se calhar até leu.
Ou porque ela não sabe cozinhar. Who cares?
Ou porque se prefere jantar com Soares, Alegre, Jerónimo, Louçã...
E se estão à espera de uma fotografia da senhora, então vão ter com eles, os liberais.
Eu cá sou um conservador. Comigo, só Cavaco e a Sofia Loren.

Problemas de identidade

Há fortíssimos problemas de identidade e posicionamento na candidatura de Mário Soares. Só não vê quem não quer ou quem não pode. Primeiro, Soares devia explicar às pessoas porque é que alguém que já foi Presidente da República o quer ser outra vez. Esta é uma pergunta que anda nas ruas e Soares não a consegue resolver. Segundo, Soares começou esta pré-campanha agitando o fantasma da ameaça de Cavaco Silva para a estabilidade do regime. Mais uma vez, há aqui um problema de identidade, porque Soares não só ignora que Cavaco não é um político subversivo como se esqueceu de uma entrevista sua à TSF, em Maio de 2003, em que reconheceu o "peso político" de uma candidatura de Cavaco, sem ter dito nada então sobre essa ameaça. Terceiro, Soares tem um problema de tom. As suas alusões ao candidato "complexado" ou ao "boletim clínico" mostram a dificuldade em encontrar o tom certo para uma campanha mais positiva que pudesse mobilizar os eleitores. Quarto, Soares tem Alegre e Alegre não desapareceu de cena. Por mais que Soares queira bipolarizar estas eleições, as sondagens não reflectem essa bipolarização. Alegre evitou atacar de chofre Cavaco, admitiu que a eleição deste não seria nenhum golpe de Estado, o que o coloca numa posição menos negativa e mais próxima de um eleitorado com "causas". Quinto, há um problema de identidade no discurso ideológico. Nos últimos anos, Soares foi-se encostando tanto à esquerda, na política externa, na reacção à globalização, na defesa do "modelo social" que, ao avançar agora com um candidatura presidencial, tem o problema de não saber o que fazer a todo aquele discurso. Não é por acaso que o seu manifesto eleitoral buscou uma moderação e um recentramento ideológico, muito claro por exemplo nas suas referências completamente novas a um Estado social adequado ao desenvolvimento económico de Portugal. Isto é um Soares que não existia há um ano, que foi criado agora à pressa para um campanha eleitoral em que ele está de facto notoriamente com a identidade perdida (DN de hoje).

Zero Para a Caixa

Telhados de Vidro

Quem tem candidatos que se desdizem num ano, não atira pedras para a década passada.

"Basta! Basta!"
Mário Soares, Dezembro de 2004

«Mário Soares sem vontade de voltar à política activa.
No dia em que faz 80 anos, Mário Soares, confessa à TSF que não voltará à vida política activa. O histórico socialista diz que já dedicou demasiado tempo a este sector e por isso coloca de lado uma candidatura à presidência da República.»
TSF, Dezembro de 2004

quinta-feira, novembro 17, 2005

Primeiros-Ministros

«Goste-se ou não de Cavaco Silva, o antigo primeiro-ministro mudou Portugal. Embalado pela entrada na União Europeia, legou um país bem diferente na mentalidade, na riqueza, na organização do Estado e da economia, daquele que encontrou. O mesmo não pode, por enquanto, ser dito de Guterres. Cavaco Silva normalizou e infra-estruturou um país atrasado, meio salazarista, meio revolucionário, e recolocou-o na senda da Europa. O desafio de Guterres é colocá-lo ao nível da Europa. Isso exige mudar práticas e mudar mentalidades, muito mais do que continuar a regar abundantemente este pequeno quintal com uma chuva de euros.»

José Manuel Fernandes, Editorial do Público, 12 de Dezembro de 1999

Critérios

José Pacheco Pereira chama hoje a atenção para os "critérios jornalísticos" que determinam a ausência de quaisquer comentários ou editoriais sobre a forma como um ex- chefe de Estado, de novo candidato à "mais alta Magistratura da Nação", tem andado a conduzir a sua alegre campanha. Trata-se de um curioso silêncio que não vejo ninguém pôr em causa, sobretudo as púdicas musas que tanto se amofinam com o alegado silêncio de outros. Presume-se que o candidato em causa aspira legitimamente regressar a um lugar onde parece que foi feliz. E que, atentas as circunstâncias, será o segundo ou o terceiro na "lista de espera" para o efeito. Isso devia dar um diferente sentido de responsabilidade à sua candidatura. Pelo contrário, o candidato faz os possíveis para a radicalizar todos os dias um pouco mais, banalizando a sua relevância "nacional" e emprestando-lhe uma desagradável conotação de marginalidade. À falta de melhor, a generalidade dos órgãos de comunicação social dá a estas prestações o nome de "pré-campanha", levando-as a sério, e alinhando acriticamente pelo preconceito sobranceiro- e, porque não dizê-lo, reaccionário - que lhes está subjacente. O temor reverencial e a perspectiva cortesã não permitem ir mais longe. E a imensa "superioridade moral" e "intelectual" da figura também não.

Constança Chega Para Todos, Mas Alguns São Mais Iguais do Que Outros

Como seria de esperar, a entrevista de Cavaco Silva à TVI tem sido abundantemente citada na blogosfera (não faço links para não esquecer ninguém). O mais curioso são os remoques sobre o que aqui se devia ter dito e não se disse a propósito da dita. O Super-Mário nota que escrevemos "pouco" no dia seguinte. É verdade: seis posts. Por lá escreveu-se mais: 18. Três vezes mais, e com direito a duas fotografias, a lista de nomes da Comissão Política de Cavaco, uma citação de Thomas Macaulay (em espanhol), meia centena de linhas da bíblia de Maria João Avillez, uma citação do Pacheco Pereira, uma citação do Pedro Lomba, um ataque ao Mar Salgado e outro ao Arte da Fuga. É obra. Quando vir o Lomba e o Pacheco Pereira, vão ter de me ouvir. Entretanto, o Glória Fácil descobriu, com estrondo e escândalo, que não somos "isentos". Are you f. talking to me (como diria a f.)? Qualquer dia descobrem que alguns de nós somos do PSD, do CDS e até do FCP, e cai o f. Carmo e a f. Trindade. Preparem-se, sff.
Até lá, não tenho problemas em reconhecer que a entrevista da TVI "correu mal" a Cavaco. Faço-o por cinismo, claro. Segundo o soarista Medeiros Ferreira, não correu melhor aos outros. Constança Cunha e Sá mostrou-se temível, com uma memória de bisturi, aquela frieza sádica capaz de enervar um lorde saído das crónicas do João Carlos Espada e sobretudo dois acessórios raros no jornalismo português: tempo e vontade para dar cabo de lugares comuns.
Só lamento que estes luxos não se tenham repartido por igual entre todos os candidatos. Se Cavaco foi confrontado com o seu passado, os demais foram confrontados com a sombra de Cavaco. Constança recordou o lamento do Professor, perante a ameaça da "bomba atómica", de que a dissolução da Assembleia estivesse sujeita aos humores do Presidente. Fez bem. Mas porque é que não lembrou o mesmo episódio a Soares, que agora se apresenta como pilar da estabilidade? Depois, há a guerra do Iraque. Cavaco não falou sobre o assunto, se falou não foi o suficiente, se foi o suficiente não foi na televisão. Mas, há uns tempos, eu e largos milhares de portugueses assistimos à diatribe de Fernando Rosas, em directo na RTP, contra a presença de Portugal na NATO. Não seria boa ideia perguntar a Louçã, a Alegre e a Jerónimo de Sousa que lhes parece? Ou Constança não vê a RTP?
Os exemplos podiam multiplicar-se. Se isto fosse um jogo de futebol, os comentadores viriam a terreiro indignar-se com a dualidade de critérios do árbitro. Não é, por isso Cavaco vai ganhar na mesma.

quarta-feira, novembro 16, 2005

So long, farewell, auf Wiedersehen, adieu

Ritmo de convergência para a UE:


(Clique para ver em detalhe. Gráfico por Abel Mateus, ISEGI-UNL)

É à volta da realidade que este gráfico espelha de forma simples que Cavaco tem centrado o seu discurso económico. Faz bem. Não sendo o único, ele é o mais importante desafio económico e político que o país enfrenta.

Porque é que ele é o mais importante desafio? E o que pode/deve fazer um Presidente face a ele? Duas boas perguntas para as quais ensaio duas respostas:

1. Se as economias de vários países forem genericamente iguais, à excepção do montante de capital disponível em cada uma, os países com menor dotação de capital terão taxas de crescimento da sua riqueza superiores às dos países mais ricos. A tendência de longo prazo é então para os países pobres igualarem os níveis de PIB per capita dos países mais ricos.

Esta evidência empírica, relatada em detalhe no trabalho do economista Robert Barro, torna a convergência um processo quase inevitável. Larry Summers, primeiro, e Rudi Dornbusch, depois, chegaram a apelidar esta constatação empírica de Barro como a "iron law of convergence". Nos países da OCDE, a aproximação para os níveis de riqueza dos países mais ricos pelos países menos ricos é de cerca de 2 a 3% ao ano.

Que Portugal tenha sido capaz de quebrar esta tendência de convergência acelerada ao ponto de atingir o actual estado de divergência diz bem do nível de erro em que incorrem as políticas adoptadas. É urgente a inversão dos factores estruturantes que determinam esta divergência e é de todo impossível que quem defenda como prioridade o crescimento económico venha insistir na defesa de políticas cuja natureza e resultados o gráfico tão cruelmente expõe.

Não é com agrado que vejo Portugal servir de exemplo para explicar como um país pode ser tão mal gerido ao ponto de quebrar de forma tão forte a tendência de convergência média expectável para um país OCDE.

Habituem-se, poderão dizer alguns, abusivamente citando António Vitorino. Talvez, mas a verdade é que quem nunca se desabituou do excelente ritmo de convergência nos tempos do pelotão da frente, do bom aluno da Europa, tem agora alguma dificuldade em resignar-se a servir de case-study contrário.

E quem leu e acreditou em algum panfleto desinformativo argumentando que a prosperidade desses anos derivou apenas da injecção de fundos comunitários, aconselho o seguinte: consulte o volume de dinheiro injectado via UE em Portugal nos anos em que a desaceleração e divergência aconteceram. Conselho adicional: esteja sentado.

Perder a ambição de alcançar o nível de vida que a Europa mais rica possibilita, de uma maneira geral, ao seus cidadãos, é a resignação à inviabilidade do projecto de Portugal como um espaço identitário com futuro. É a resignação à inferioridade.

E mesmo para quem não se importe especialmente com isso, a verdade é que a evolução esperada da globalidade dos indicadores económicos e financeiros aponta para a impossibilidade da manutenção do status quo tal como hoje o conhecemos. A não reforma não implica apenas a impossibilidade da melhoria. Implica a impossibilidade de manter o pouco que temos.

2. E onde entra um Presidente neste cenário? Entra num post amanhã.

O anti-ideólogo

O DN, numa referência a este blog, definiu Pacheco Pereira como um «ideólogo do cavaquismo» (link não disponível). Acredito que o jornalista em causa tivesse as melhores intenções e que o dístico encerre uma tentativa insuspeita de reconhecimento. Mas há um problema de fundo: considerar o «cavaquismo» uma ideologia quando um dos traços identitários da matriz política de Cavaco Silva é precisamente a ideia de um «anti-ideologismo». A própria imagem que Cavaco projecta, de competência técnica, gosto pelo rigor e pelas contas que batem certo, síntese geral de um pragmatismo judicioso, é radicalmente contrária a esta suposição.
Passo a explicar: Cavaco não foi e nunca será um político prêt-à-porter. Não traz soluções decoradas e coligidas em manual. Não tem cartilha nem anda com livros-de-bolso. Cavaco não é um ideólogo. As ideologias são por natureza perigosas. Quando os ideologues chegaram ao poder no séc. XVIII a guilhotina passou a decidir pelo Parlamento. Hoje já ninguém corre o risco de morrer guilhotinado mas as ideologias continuam perigosas. Tendem a cristalizar-se e a perpetuar o erro quando a acção política dos novos tempos vive fundamentalmente da capacidade de adaptação. Cavaco Silva sabe disso. Da mesma forma que o alfaiate que veste à medida, a cada problema concreto e singular deve corresponder uma solução conforme e actual. A política moderna não vive de uma solução ideal para os diferentes problemas que afectam as sociedades humanas. Não existem soluções ideais nem receitas a priori para todos os males do Mundo. Existem várias soluções, determinadas pelo tempo e pelas circunstâncias, e é o pulsar de cada momento que determina a orientação concitadora de esforços para o agir político.
A recusa das ideologias e do idealismo em geral é a atitude mais certa perante a ganância cega dos que querem acertar sempre. Não sou eu que o digo. É o século XX. E nestas eleições, Cavaco parece ter sido o único a perceber a moral da história.

terça-feira, novembro 15, 2005

Declarações de Voto (II)

A minha declaração de voto, por Rodrigo Adão da Fonseca

I. Numa sociedade como a nossa, excessivamente estatizada, um liberal que se preze vive em sistemático sobressalto, desassossegado com a desmedida concentração de poderes na esfera pública; neste quadro, a limitação do executivo é sempre um primeiro passo para a salvaguarda das liberdades. Hoje, o Poder está todo ele concentrado nas mãos de um pequeno grupo de pessoas que gravitam em redor de José Sócrates (que controla uma maioria absoluta no Parlamento, o Banco de Portugal, o Tribunal de Contas e diversas empresas públicas); neste contexto político, um voto liberal será aquele que permita evitar a parlamentarização do regime, isto é, a submissão ao executivo dos poderes presidenciais de fiscalização, moderação e arbítrio, tornando monocromático o exercício do Poder em Portugal.

Mário Soares é o candidato dos poderes concentrados.
Cavaco Silva é o candidato dos poderes limitados.

II. A atmosfera política e económica deixou de ser nacional; hoje, somos portugueses, sim, com orgulho da nossa língua, da nossa cultura, da nossa história e do nosso passado; mas se queremos respirar como Nação teremos de ser – rapidamente – cidadãos do mundo; capazes de acompanhar a complexidade, a mudança, de sobreviver neste ambiente global que diariamente se reconfigura, em que se vivem tensões e rupturas, onde é exigida uma forte capacidade de adaptação e criatividade. Características que sempre foram as nossas, mas que parecem estar adormecidas. Portugal precisa de um Presidente que seja capaz de acompanhar o novo ritmo dos tempos, que compreenda a globalização, os desafios e as oportunidades que ela representa. Portugal não precisa de um Presidente da República que esteja alienado da realidade, agarrado a velhos sonhos e a utopias ultrapassadas, tentando fazer renascer das cinzas a sua particular visão do mundo.

Cavaco Silva, de todos os candidatos, é aquele cujo perfil melhor se enquadra nas exigências deste novo tempo.

Mário Soares não tem o defeito da idade: a juventude pode viver-se até à morte; Mário Soares está cheio de vida, sim, mas quer viver de novo tempos passados, quando se sabe que o tempo não volta atrás.

Mário Soares pode dizer-se «Humanista», mas é o candidato da Saudade.
Cavaco Silva pode ser «Economista», mas é o candidato da Modernidade.

Declaração de Voto: Cavaco Silva pode não ser um candidato liberal; mas é o único que garante sem reservas uma efectiva limitação de poderes; é o que melhor compreende o mundo moderno, sendo o mais capaz para ajudar Portugal a alinhar-se na rota do progresso.


Rodrigo Adão da Fonseca

Pa bo entende me pala ba

Para Miguel Sousa Tavares, serão precisas todas as palavras para lhe explicar que não foi grande ideia recomendar a Mário Soares que ataque Cavaco Silva com base na performance económica dos seus governos.




Nota: PIPpc Portugal / PIBpc UE em Dez 1986: 55,5%
PIPpc Portugal / PIBpc UE em Dez 1996: 70,9% (Convergência com a UE: 27,8%)
PIPpc Portugal / PIBpc UE em Dez 2002: 74,4% (Convergância com a UE : 4,9%)
Desde o fim de 1999 que o crescimento da economia portuguesa é inferior ao crescimento da economia da UE15. Fonte: Eurostat

Questões moles, questões duras

Nestas eleições presidenciais há quem só se preocupe com aquilo a que poderíamos chamar as "questões moles", assentes em binómios de extraordinária relevância nacional tais como "fala/silêncio", "humanísticas/economia" ou "debates/monólogos". Ao lado destas "questões", porém, existem as verdadeiras, as "duras". Como as aqui enunciadas.

Um Silêncio Muito Pesado

Alguns dos recentes ataques a Cavaco Silva eram previsíveis. O de Saramago-vítima-da-censura-dos-bárbaros antecipei-o aqui, sem ter de recorrer aos astros. Ontem, no entanto, Joana Amaral Dias reactivou inesperadamente uma velha estirpe de um vírus já considerado extinto, o do ataque gratuito, associando o cavaquismo ao jovem que, em 1994, ficou tetraplégico nos célebres confrontos da ponte 25 de Abril. As declarações são repugnantes mas não totalmente surpreendentes, como notou Pacheco Pereira. Há na extrema-esquerda uma tradição profunda de terrorismo político (e outros...) que não olha a meios para atingir os iluminados fins. Lembram-se de Brecht? Nós, os homens que abriram o caminho a um futuro compassivo, não tivemos tempo para a compaixão, e por aí fora. Joana Amaral Dias é uma brechtiana.
Sucede, porém, que a brechtiana é igualmente mandatária para a juventude de Soares (isto não soa muito bem, mas não tenho culpa). Ou seja, de algum modo as suas palavras comprometem o candidato que a mandatou (outra coisa de que não tenho culpa). E Soares nada fez até agora para não ser comprometido. Estará o sábio Soares de acordo com a jovem Joana? Ele, que tanto critica os silêncios do adversário-mor, não tem nada a dizer sobre isto? A voz de peso na Europa não tem peso lá em casa? O humanista que fala de tudo não se vai pronunciar? Soares, o ouvidor, não ouviu nada? Aguardam-se esclarecimentos.

P.S. E o Super-Mário, sempre tão atento, também se vai calar?

segunda-feira, novembro 14, 2005

Uma questão de confiança

Passeio pelas ruas e observo. Passeio pelas ruas e vão-me dizendo: «Porque sabe unir os portugueses». «Porque sabe ouvir os portugueses». «Porque acredita em Portugal». Eles, os outdoors, dizem-me estas coisas e eu lembro-me daquele final de tarde, por fins de Agosto, em que o dr. Mário Soares apresentou, com demorado discurso, a sua candidatura. Recordo-me do tom egotista e de uma massa de ideias que se espraiava por cima de dezassete mil caracteres. A mensagem, contudo, era bastante simples: Soares apercebeu-se de que o país estava em crise; vai daí, candidata-se, e acredita que a sua eleição, a confirmar-se, seria o factor aglutinante dos esforços nacionais e o elemento restaurador da confiança dos cidadãos, em si próprios e no país. Por outras palavras, na manhã seguinte à eleição do dr. Soares as pessoas acordariam diferentes e produziam mais e melhor; os mercados animavam e o investimento disparava; os artistas assinavam obras inspiradas; os estudantes aplicavam-se sem estrebuchar. Que a sala transbordante do Altis tenha engolido semelhante pataratice utópica, é algo natural. O país é que, ao que parece, vai torcendo o nariz.
Entendamo-nos: o Presidente da República como agente fomentador da confiança dos nacionais é, mesmo que discutível, perfeitamente plausível. Convinha é que o dr. Soares se mostrasse um nadinha mais diligente. Ou, para começar, um bocadinho mais construtivo.

Levar a sério

Cavaco Silva acabou de introduzir uma novidade nas aparições públicas dos candidatos presidenciais. Conseguiu, durante mais de quarenta e cinco minutos, a estranha proeza de não falar um segundo de nenhum dos seus adversários e, pior do que isso, explicar aos espectadores por que era candidato a Belém. Os espectadores, habituados ao "bater no ceguinho" que tem caracterizado as intervenções dos "colegas" candidatos, devem ter ficado surpreendidos com a sobriedade de Cavaco. No fundamental, Cavaco só disse exactamente aquilo que quis. Não foi, porventura, aquilo que os seus críticos queriam que ele dissesse ou calasse. Nem tão-pouco Constança Cunha e Sá resvalou para aí. Para alguém que não é um político profissional, Cavaco demonstrou um estóico profissionalismo político nesta sua primeira entrevista como candidato presidencial. Para quem percebe que "isto" é mesmo para levar a sério, julgo que ficou minimamente demonstrado, sem necessidade de retóricas desajustadas ou adjectivações doentias, que Cavaco não veio para "dividir" ou para "reviver o passado". Para quem, no entanto, aprecia o fait-divers, terá sabido a pouco.

A não perder



No Super Mário há finalmente posts (dois) sobre Mário Soares.

Sobre os comentários

Neste blogue publicamos todos os comentários negativos e discordantes dos leitores. Não publicamos insultos, impropérios, ordinarices, ataques pessoais e insinuações. Não fazemos censura prévia de comentários. Se temos publicado os comentários que nos acusam de fazer censura prévia, como é que fazemos censura prévia? Somos uns censores muito incompetentes.

Manuel Alegre

O autor do preâmbulo da Constituição afirmou recentemente e com orgulho que votou “contra todas as revisões constitucionais”. Mas deu-se conta do que disse? Ainda defende a “sociedade sem classes”? E o "exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras”? E a “apropriação colectiva dos meios de produção e solos”? (redacção original dos artigos 1.º e 2.º e 80.º da Constituição).

O candidato Manuel Alegre representa um certo socialismo serôdio, que ainda existe em Portugal, de cariz igualitário, que desconfia da competição e do mercado. Uma certa esquerda que estagnou nas conquistas de Abril, que fala de direitos sociais irreversíveis, de emprego para toda a vida, que olha para o Estado como solução para todos os problemas. É preciso explicar-lhe que o mundo mudou. Que é simplista atacar a globalização sem propor soluções alternativas. Será que o candidato defende o proteccionismo económico?

Agradecemos o combate pela Liberdade e até a "voz de Argel". Mas Portugal precisa de reformar o sistema político e o Estado – Administração Pública, Justiça, Segurança Social, Trabalho, etc. Para isso não bastam mudanças legislativas superficiais. É inadiável uma revisão constitucional profunda e para isso em Belém deve estar um apoio à mudança e não um presidente que tenda a considerar todas as reformas inconstitucionais.

Do manifesto político de Manuel Alegre ressalta uma certa ingenuidade política, louvável num poeta, mas fatal num presidente. Alegre vive no seu quadrado um combate fora do tempo, feito de poesia e de utopia, mas que nada tem que ver com o Portugal de hoje.

Ver artigo Diário Económico: aqui.

Viver para a política

Pacheco Pereira já escreveu aqui sobre o assunto em termos que merecem o meu acordo. Como se sabe, o conceito de «políticos profissionais» tem muito de weberiano. Mas há uma outra distinção de Max Weber, a respeito dos políticos profissionais, que permite compreender muito bem Cavaco Silva: a diferença entre o viver da política e o viver para a política. Cavaco Silva não é um político do viver da política, mas é certamente um político do viver para a política, um político que dedicou uma parte substancial da sua vida adulta à actividade política e sem nenhuma dependência económica ou profissional dos cargos que exerceu. Isso também ajuda a perceber certos aspectos da sua personalidade: independência moral, noção de serviço público, defesa da governabilidade, visão da política associada à realização e à criação de resultados. São traços desse viver para a política e não de um viver da política que, talvez com excepção de Francisco Louçã (que mesmo assim se serve deles como um demagogo e um moralista), os outros candidatos não têm.

Humanistas

Quando me perguntam em quem votaria nas próximas eleições se não votasse em Cavaco Silva, respondo sempre: em Manuel Alegre. Porque é o mais humanista de todos os candidatos. Louçã é economista. Jerónimo é comunista. Sobram Alegre e Soares.
Alegre escreve livros. Soares escreve livros sobre os livros dos outros.
Alegre faz poemas. Soares faz antologias com os poemas dos outros.
Alegre publica romances. Soares publica críticas de romances, o que no mundo das letras, lá diz o Steiner, equivale ao honroso ofício de carteiro.
Além disso, Alegre conhece todos os terrenos onde pulsa a vida dos homens e não apenas os salões dourados da política, da filosofia e da arte. Ele vai ao futebol, e chora e ri com o verdadeiro povo. Ele vai para o campo, de manhãzinha, ou para o mar, ao fim da tarde, e caça animais ferozes.
Ora, tirando o Eng. Sócrates (que assim se autodefiniu numa entrevista, antes de citar Voltaire), qual foi o último animal feroz que Soares viu de perto? A tartaruga das Seychelles...
E qual foi o último jogo de futebol a que Soares assistiu? A campanha do filho contra o Seara em Sintra.
Não chega, é curto para humanista.

Declarações de Voto (I)

A minha declaração de voto, por Miguel Noronha

«Porque pode um liberal votar em Cavaco Silva? Porque foi com os seus governos que deixamos de ser um Estado falhado. Porque graças às suas maiorias foi possível expurgar da Constituição grande parte do programa socialista, imposto no PREC, que pretendia fazer de Portugal o que Chavez está a fazer da Venezuela. Porque os outros candidatos ainda não se libertaram (e inclusivamente orgulham-se) das perigosas utopias socialistas que são a causa do nosso atraso. Porque é o único candidato que não pensa que a globalização deve ser controlada ou revertida. Porque Saramago, o amigo do ditador cubano, já anunciou que, se ele for eleito, deixará de comparecer em eventos oficiais. Porque é o único candidato que não corteja a extrema-esquerda. Porque prefere os empresários aos “resistentes anti-fascistas”. Porque não é nem nunca foi comunista. Porque prefere a Revolução Americana à Revolução Francesa. Porque é anglofilo e não francófilo. Porque não pretende “dialogar” com os islamo-fascistas. Porque não se envergonha da Civilização Ocidental. Porque não dirá inanidades como “há mais vida para além do défice” nem inventará prioridades nacionais diariamente. Porque com a sua derrota, há dez anos, foi eleito o pior PR desde Costa Gomes – é um erro que não devemos repetir.

Sim. Bem sei que Cavaco não é um liberal. Podia e devia ter feito mais e melhor em dez anos e com duas maiorias absolutas. Não concordo com tudo o que diz e causa-me urticária a presença de determinadas personalidades na sua Comissão de Honra. No entanto, por tudo o que acima referi e perante o retrocesso que poderia significar a eleição de qualquer dos seus oponentes não posso deixar de votar nele.»


Miguel Noronha

domingo, novembro 13, 2005

Questões "presidenciais"

A maioria das questões sobre as quais se “exige” que Cavaco debata, são subprodutos interessados da campanha dos seus adversários e não trariam nenhum esclarecimento suplementar. Discutir o calendário dos debates? São as televisões que o estão a fazer e, que se saiba, o desacordo entre elas não tem essencialmente a ver com as posições dos candidatos. Discutir o quê, as peripécias da campanha? Se era para haver “passeio na Avenida” ou não, se A ou B são “políticos profissionais”, se Soares traiu Alegre ou vice-versa, ou se há uma “deriva presidencialista” que nenhum candidato defende? Não conheço nenhuma questão substantiva que esteja em aberto, que justifique esta mistificação da acusação do “silêncio”.

Mas há outras questões sobre as quais se espera que haja debate: por exemplo, sobre a posição de Portugal no mundo, matéria “presidencial” por excelência. Como seja saber qual a posição dos candidatos sobre o sistema de alianças estratégicas de que Portugal faz parte, como o OTAN, quem o defende e quem o contesta? Aí está matéria em que Cavaco se distinguirá de imediato do tandem Soares-Alegre-Louçã-Jerónimo. Aqui se verá também como há maior sintonia entre Cavaco e a política governamental, do que acontece com Mário Soares, que se tornou um crítico feroz do sistema de alianças euro-atlântico tal como ele existe.

De Cavaco na Presidência

Muito boa gente continua a cometer o erro de avaliar os candidatos a estas eleições sob uma matriz passadista. Há que lembrar mais uma vez o que já toda a gente devia saber: o dr. Mário Soares não é o mesmo de há dez anos, o mesmo se passando com o prof. Cavaco Silva. Opinião pessoalíssima: o dr. Soares mudou para pior, o prof. Cavaco para melhor. Há ainda que destruir a ideia da Presidência da República como prémio de mérito democrático para políticos em fim de carreira. Para a Presidência da República devemos querer, como para qualquer cargo público, o melhor apto a desempenhar essas funções.

É por isso que apoio Cavaco Silva. Porque acredito que é o homem certo para os desafios dos próximos cinco anos, muito possivelmente dez. Porque é uma pessoa de pensamento realista e acção pragmática. Porque será, com toda a certeza, um promotor da estabilidade. Porque tem sentido de Estado. Porque não tem complexos políticos. Porque tem a sensibilidade necessária para medir o pulso à sociedade portuguesa. Porque quando exerceu cargos políticos mostrou ser um político profissional. E porque o ponto fraco que lhe tem sido exaustivamente apontado - saber de Economia, é ,a meu ver, uma enormíssima vantagem.

Vamos ser sensatos e sinceros: os grandes desafios que se põem a Portugal nos próximos anos são de índole económica. Portugal exibe, hoje em dia, uma democracia amadurecida e sólida. Ao longo das últimas duas décadas consolidámos uma cultura democrática responsável. Felgueiras é a excepção e não a regra. As questões estritamente políticas não são as que mais afligem o país.

Já no capítulo do desempenho económico do país existem motivos de profunda preocupação. Portugal não tem modelo de desenvolvimento. Tem uma cultura de ineficiência enraizada. Os esforços do Estado são desarticulados. E, crucialmente, estamos a perder uma das qualidades que temos enquanto povo: a receptividade à mudança. É preciso actuar com visão no longo-prazo e tenacidade no curto-prazo.

Não alimento ilusões: um presidente pouco pode fazer de concreto, e não será a sua eleição que, por si, nos vai colocar no caminho desejado. Mas acredito que existe um candidato capaz de transformar a cultura de intervenção do Presidente da República. Um candidato que acredita que um Presidente serve para mais do que discursos bem-intencionados e distribuição de condecorações. Porque um Presidente da República, independente das jogadas partidários, pode e deve ser o veículo por excelência dos grandes estímulos políticos. Espera-se que depois o Governo e a Assembleia façam a sua parte no campo legislativo.

Se tivermos um Presidente que não tenha por hobby atrapalhá-los, claro está.

A rua

Para ganhar na primeira volta, tendo-se as sondagens como indicativo, a vinda de Cavaco Silva à rua é essencial. Só o contacto na rua com muitos milhares de pessoas vai dar o impulso final de mobilização para um esforço muito difícil. Porque vai sempre ser difícil ganhar as eleições na primeira volta. É possível, mas é difícil.

Pode parecer um contra-senso arcaico este método, no momento em que cada passagem na televisão parece atingir muitas mais pessoas do que qualquer comício. Não é de comícios que falo, mas da vinda à rua, ao local ao mesmo tempo máximo e mínimo do "espaço público", onde só se entra quando muito do que se tem a dizer já foi ouvido. Se for bem recebido nas janelas e varandas, e a habitual comitiva preparada dos fiéis se dissolver na multidão, então está tudo a correr bem. Vamos ver se a meteorologia ajuda.

Uma campanha para os 51% não é a mesma coisa que uma campanha para os 20%, por isso é natural que as lógicas de campanha não sejam sobreponíveis.Já se deveria ter percebido que Cavaco Silva fará a dele, não a dos outros.

sábado, novembro 12, 2005

Coisas que falam por si

Talvez por causa do que indiciam as mais recentes sondagens, prosseguiu, no já trivial estado de demência, a campanha generalista "anti-Cavaco". Digo generalista porque é praticamente comum aos candidatos das várias "esquerdas". Até Manuel Alegre não resistiu à tirada contra o "economista", apesar do tom cordato com que tem gerido as suas aparições e que lhe valerá, na altura adequada, a gentileza com que o dr. Soares costuma tratar quem se lhe atravessa no caminho. Queixam-se estes nossos amiguinhos de "pactos de silêncio" e do suposto "branqueamento" de um passado que eles teimam em pintar a preto-e-branco. Não falam deles. Não propôem nada. Não explicam ao que vêm, a não ser que vêm por causa do "outro". É, convenhamos, demasiado pequenino. Tão pequenino que a mais recente sondagem evidencia que o eleitorado que pretendem atrair, não se sente minimamente confortado com a perspectiva de ter de votar "por exclusão de partes". Os mimos que trocam entre si e as campanhas negativas que conduzem doentiamente contra Cavaco Silva, desmobilizam mais do que convencem. Talvez sirvam apenas para cada um reforçar o seu raminho de "esquerda", como escrevia Vasco Pulido Valente a semana passada, e pouco mais. Entretidos nos seus joguinhos florais, não reparam que o país quer outra coisa. E que, sobretudo, precisa de outra coisa. Maior. Maior do que eles todos juntos. E para "explicar" o que isto é, não é preciso falar muito. Há coisas que falam por si.

Vantagens comparativas

A pedra de toque nestas eleições, ao contrário do que algumas almas crispadas querem fazer parecer, não está na vantagem moral de um candidato sobre os outros. A urdidura estratégica de uma superioridade moral, de um passado moral, digna de um totalitarismo político em pleno delírio, tem granjeado acolhimento em vastos sectores de apoio à candidatura do dr. Soares.
Atenção meus amigos. Há por aí uma certa confusão conceptual. Os portugueses não vão escolher com quem querem passar um fim-de-semana na Costa da Caparica. Não está em causa o culto da sesta nem a prática abnegada do porreirismo. Em eleições democráticas interessa-nos sobretudo a capacidade e a competência funcional dos candidatos. E nisso, ao contrário da apologia solene da sesta ou do cultivo relapso do porreirismo, nós, apoiantes de Cavaco Silva, podemos competir. É que o Professor Cavaco, como provam dez anos de governo, tem bem presente a noção de dever. Ele é daqueles que cumprem.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Follow the Leader

Desde que iniciou a sua viagem pela blogosfera, o "Blog não Oficial de Apoio à Candidatura de Mário Soares à Presidência da República" tem exibido uma veneração em regime de quase exclusividade à candidatura do Prof. Cavaco Silva. Recentemente, o Super-Mário inovou um pouco da sua estratégia. Um pouco, apenas. Sem nunca perder a sua razão principal de estar no mundo (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 ... ), o Super-Mário ganhou um novo fôlego. Encontrou uma nova musa inspiradora que tem conseguido rivalizar com a verve originada pela incessante fixação na figura de Cavaco Silva. O novo activador de inspiração é o que se escreve no Pulo-do-Lobo. Basta contar: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8. E ainda só lá vão dois dias e mais umas horas.

Se recuarmos no tempo, depois de duas demoradas dezenas de cliques na tecla "Page Down", deparamos com um corpo estranho no blogue. Um foto-artigo de Ivan Nunes sobre, imagine-se, o Dr. Mário Soares. Surpreendente. Afinal, também se escreve sobre Mário Soares no Super-Mário.

A estupefacção assola-nos, o espanto pasma-nos, mas o Sol é de pouca dura e o assombro esmorece-se em segundos. Sobre a bem escolhida fotografia de um Mário Soares de outros tempos, as palavras do título do artigo denunciam o verdadeiro estado de alma do autor. O post sobre o Dr.Mário Soares chama-se "O Oposto de Cavaco"...

Falas tu ou falo eu

Vamos então à questão do silêncio. Mário Soares e os seus apoiantes insistem que Cavaco Silva não fala. Mas não esclarecem se o problema de Cavaco Silva é não falar, ou não falar do que Soares e os seus apoiantes falam. Na primeira hipótese convém lembrar que Cavaco Silva falou aos jornalistas quando apresentou a sua candidatura, falou quando apresentou o seu manifesto, falou na Universidade Nova aos estudantes, falou nas entrevistas que já deu, publicadas e a publicar, e, sim, fala aos jornalistas sempre que é interpelado. Em todas estas ocasiões é Cavaco Silva que tem falado, não anda ninguém a fazer-se passar por ele. Ainda hoje, vejam, houve alguém que falou que Portugal não pode ter medo da globalização. Isso mesmo, parece-me que foi Cavaco Silva. Resta-nos então a segunda hipótese. Mário Soares e os seus apoiantes querem Cavaco Silva a falar do que eles falam. Mas de que falam Soares e os seus apoiantes querendo que Cavaco Silva também fale? Falam do salazarismo e do cavaquismo, de políticos profissionais e de economistas, de golpes-de-estado, de presidencialismo, de bolo-rei, de imaginativas metáforas como a do “candidato-esfinge”. Todos estes temas, conceda-se, têm uma admirável actualidade e peso. As pessoas andam interessadas. Não, não é Cavaco Silva que tem de falar. É Mário Soares que deve tentar a sério, pelo menos uma vez, dizer qualquer coisa.

As Regras do Jogo

Existem poucos aspectos na forma como Cavaco Silva tem gerido a sua candidatura que mais me agradem do que os espaços de silêncio que o próprio impõe entre as várias intervenções.

Compreendo a ansiedade de quem vê com impotência o tempo fugir-lhe entre as mãos, e tente freneticamente aproveitar todos os abençoados segundos que nos separam do dia 22 de Janeiro para inverter a predisposição dos portugueses em votar maioritariamente Cavaco.

Mas a verdade é que tanto a impaciência como a insinuação provocatória não têm feito especial eco no julgamento político dos cidadãos e ainda menos na agenda de Cavaco, que parecem convergir na valoração da qualidade em prol da quantidade. O que não deixa de ser boa notícia e parece manter o padrão nacional, ou não fosse esse o caso e já há algum tempo viveríamos em regime de partido único do Bloco de Esquerda.

Tudo bem, mas não deixa de ser paradoxal e revelador das verdadeiras intenções tacticistas, que o alegado silêncio de Cavaco seja criticado pelas mesmíssimas pessoas que já tinham o seu voto decidido e a sua participação determinada em várias campanhas de outros candidatos, ainda antes de Cavaco anunciar a sua candidatura. Aparentemente, o alegado silêncio de Cavaco disponibiliza informação suficiente para determinar o voto e a participação contra e/ou em prol de outros candidatos.

Esta é a contradição original dos críticos dos alegados silêncios ou reservas de Cavaco. Alega-se que não fala, que não gosta do jogo democrático e estamos quase na fronteira da acusação de que não gosta de pessoas. Mais alguma coisa? Pois bem, esta pessoa foi, recordo, candidata à Assembleia da República, Ministro das Finanças, Primeiro-Ministro, e é agora candidato a Presidente da República pela segunda vez. A mesmíssima pessoa que foi tantas vezes, nos intervalos do exercício de cargos políticos, conferencista e interventor em jornais e livros sobre a situação política e económica.

Qualquer tentativa de colar a Cavaco a imagem de alguém que não aceita as regras do jogo democrático é soterrada pela evidência. O mesmo para os alegados silêncios, como se não fosse pela força das suas ideias que tantas vezes recebeu o voto popular, como se não fosse a força das suas ideias e a qualidade do seu diagnóstico que tanto interesse desperta nas pessoas mesmo quando não desempenhava qualquer cargo político/partidário. Como se não fosse a força das suas ideias a causa dos números expressos, para desespero de alguns, nas sondagens. E como parece que as suas ideias não são passadas telepaticamente, existe aqui um missing link no argumentário dos críticos.

Face a isto, está então tudo dito e podemos arrumar a tenda? Não, embora os aspectos estruturantes dos vários candidatos sejam já conhecidos dos cidadãos. Mas é também a forma como comunica que distingue Cavaco, e é um estilo que espero mantenha caso seja eleito Presidente. Ontem, como hoje, Cavaco estuda e fala com consciência da e para a consequência. Não é desejável que os discursos do Presidente (neste caso do candidato) tenham como referência a inconsequência. Quando Cavaco fala, os cidadãos ouvem. Como ouviam com atenção os agentes da bolsa quando Cavaco lançou um alerta, e como ouvem hoje os candidatos presidenciais, deixando-se filmar a ouvir e a tirar notas do discurso de Cavaco.

É este cruzamento entre a qualidade, transparência das ideias e escolha adequada dos momentos de intervenção que fazem de Cavaco um excelente candidato a Presidente. A palavra é um dos mais importantes instrumentos do Presidente, e nem o próprio nem o país devem correr o risco de esta se banalizar e, assim, retirar-lhe poder e influência.

Acusar Cavaco e, por consequência, os seus apoiantes e eleitores de não respeitarem o jogo democrático é algo que desqualifica quem o faz.

Felizmente, perante a dimensão da evidência, não há ministro da informação iraquiano que a consiga apagar. Por mais vezes que o repita.

Leves Contributos Para Um Melhor Entendimento dos Temas da Pré-Campanha

1. Como ajudar os candidatos a tornarem-se bons ouvidores.

2. O lema da campanha de Francisco Louçã é o título de uma canção de Chico Buarque, "Olhos nos Olhos".

«Quando voce me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme
Quase enlouqueci
Mas depois como era de costume, obedeci
Quando voce me quiser rever
Já vai me encontrar refeito, pode crer
Olhos nos olhos»

Supõe-se que terá sido escolhido no impulso do momento em que Mário Soares anunciou o nome da sua mandatária para a juventude.

Cada dia que passa

Existem dois grandes adversários - os verdadeiros - a vencer nestas eleições: o triunfalismo e a abstenção. O primeiro, induzido pelas "sondagens", "comentadores" e outros "estudos de opinião", combate-se dizendo às pessoas que os votos não estão nem nas "sondagens", nem nos "estudos de opinião" e, muito menos, são atribuidos pelos "comentadores". A segunda, a abstenção, significa resistir ao "canto da sereia" de que "já está tudo decidido" e que, por consequência, "não vale a pena". Vale. Não nos resignemos perante evidências virtuais. Não está nada decidido para sempre. Tudo vai sendo decidido cada dia que passa.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Por um voto se ganha, por um voto se perde

Confesso que a questão da suposta «cultura humanista» dos candidatos sempre me pareceu equívoca e despojada de conteúdo político.
Mas, afinal, era eu quem estava equivocado.
Este fervor humanista do dr. Soares, gerido com o sentido táctico que se lhe reconhece, tem servido habilmente para piscar o olho a estes senhores.

Zero à esquerda

«A direita ou ganha à primeira volta ou não ganha. É impossível, nos termos da sociologia eleitoral portuguesa, que a direita ganhe à segunda volta» garantiu o Ministro Augusto Santos Silva.

Para quem mantém uma relação tão acintosa com a Economia e com os economistas em geral, a esquerda tem uma fé muito própria no poder dos números.

O "político profissional"

1.
Aceitamos muito facilmente que os termos da linguagem da democracia são os da tradição da Revolução Francesa e do iluminismo. Compreende-se, estão mais próximos da nossa tradição filtrada pelo republicanismo e pela oposição ao Estado Novo, que é dominante no nosso vocabulário. Mas as palavras têm história e transportam ideias, não são unívocas. No vocabulário político anglo-saxónico as mesmas palavras tem outro sentido e outra tradição.

2 .
A ideia da política como actividade total, que está implícita no pressuposto da cidadania, deriva dessa tradição do político como cidadão, fazendo política como quem respira, subsumindo todas as dimensões da “felicidade terrestre” que, desde a Revolução Francesa, é o objectivo da política. Mário Soares (como Alegre, mas já não como Louçã ou Jerónimo que remetem para outro universo político mais teleológico) representa bem esta tradição e é natural que se apresente como “político profissional” neste sentido e não compreenda que outros não o possam ser. Para ele, o exercício da cidadania não tem hiatos, nem está para além de nada, é a vida no espaço público da cidade.

3.
Mas há outra dimensão da política, assente em outras tradições, que consideram que a acção cívica (a intervenção política) é apenas uma parte limitada da vida, a que se acede mais por emergência do que por normalidade. Outros valores, como o do trabalho como instrumento de realização, ou da procura da “riqueza” no sentido weberiano da tradição protestante, partilham com a acção política a totalidade da vida. Na tradição do personalismo cristão é bem claro que nem tudo se subsume na política , e que há dimensões meta-políticas da vida que tornariam impossível, ou improvável, ou incómodo que alguém dissesse que era “político profissional” sem se sentir reduzido no seu ideal de vida.

4.
Cavaco não sabe de filosofia, como disse Mário Soares. Talvez. Mas já o vi discutir esta questão quando no PSD se fez a revisão do Programa, exactamente nestes termos que acima expus na parte relativa ao sentido da “dignidade” da pessoa humana, que nesse Programa tem como fonte o personalismo cristão e não a tradição republicana e jacobina. Cavaco não só participou com minúcia, como, quando se sentia não preparado perguntava sem complexos. Uma coisa não esqueço, em toda a discussão destes pontos e doutros conexos, como o da laicidade do partido (que Cavaco defendeu e bem), manteve sempre uma grande atenção nas muitas horas que durou a discussão. “Tecnocrata”? Duvido, interessava-se com genuína curiosidade.